sábado, 8 de julho de 2017

A Arte de Questionar

Desde que somos crianças, é normal perguntarmos o por quê de tudo. São cerca de 300 perguntas por dia, mostrando que o instinto de curiosidade realmente nasce com a gente. Ao longo do tempo, esse número de questionamentos vai diminuindo, até mesmo por conta da quantidade de conhecimentos que vamos adquirindo no decorrer de nossas vidas. No entanto, se o número de perguntas definisse a idade de uma pessoa, eu teria o orgulho (ou não) de dizer que ainda sou uma criança.

Aliás, hoje vivo o auge da minha infância, nesse sentido. Meu curso me obriga a ser um questionador nato, já que a profissão que desejo seguir tem como princípio base a indagação. E eu amo isso, poucas coisas me fazem melhor do que me mostrar interessado em ouvir histórias alheias e poder fazer com que as pessoas compartilhem elas comigo. Mas não é só isso que questiono. Antes fosse.

Talvez poucas pessoas saibam o verdadeiro inferninho que é a mente de uma pessoa que não se satisfaz com a verdade que lhe é apresentada. Pode ser por isso que eu seja tão apaixonado por tudo que cerca as famosas teorias da conspiração. Nada melhor do que achar que tem algo por trás daquilo que é mostrado e tido como verdade absoluta. É um turbilhão de emoções e pensamentos. Minto. São poucas as emoções. É sempre a busca da razão, sem intuições.

Queria eu ser aquela pessoa intuitiva, que age da maneira que as suas sinapses nervosas a fazem agir. Incomoda achar que cada atitude sua deve ter um motivo, cada pensamento, cada fala, cada movimento. Pensar demais nem sempre é tão bom quanto se pode cogitar. Pelo contrário. Como eu queria que eu fosse um brinquedo elétrico, que tivesse um botão On/Off, o qual eu pudesse me desligar quando quisesse descansar. Tirar um momento de paz.

Já que não sou um robô, me faço valer de métodos não muito convencionais para que eu possa tentar atingir 1/10 desse sonho impossível. Não faz bem a minha saúde, mas o que faz? Viver não faz bem à saúde, então que se aproveite a vida da maneira que mais vá lhe agradar. E ainda que o pensamento excessivo e o questionamento constante me atormentem, ele também me faz ser quem eu sou. Me atribui características que por muito acreditei serem únicas, mas que, com muita felicidade, descobri estarem presentes não só em mim.

E, eis que em meio a tantos questionamentos, surgiu uma nova dúvida vinda de fora: no final das contas, sou grato ou não por ser dessa maneira? Embora eu seja um poço de indecisões, em relação a isso tenho uma resposta que dou com 100% de convicção: Sim, Sim, mil vezes Sim! Infeliz eu seria se fosse um Bob Esponja e absorvesse tudo que chega até a minha pessoa. Afinal, uma vida não questionada não merece ser vivida.

Kevin Dezap

Ferrari

Nossos olhares se encontraram naquele sábado e eu não sabia que aquele seria o meu fim.

Deixei-me encantar antes que fosse capaz de me salvar do seu abraço letal. Presa como se estivesse a usar cinto de segurança cuja segurança era quebradiça e temporária, mas confortante o suficiente para enganar. Te chamo de Ferrari 812 Superfast, superequipado com tudo que precisa para seduzir quem se arrisca a lhe acompanhar em um passeio, capaz de oferecer o que esse alguém mais deseja. Seu sistema de Passo Corto Virtuale o torna ágil como ninguém nas mudanças de direção, tornando impossível decifrá-lo, desvendar as suas decisões, intenções. Faz, teoricamente, 0 a 100km/h em 2,9 segundos, velocidade metafórica para descrever a rapidez com a qual você conquista e se torna íntimo. Mesmo reservado, é mais estridente que um motor V12 aspirado; tudo se torna apenas um ruído banal quando você se faz ouvir, seja quando fala, seja através da música que faz. E ouvi-lo sempre foi intoxicante, viciante. Viajar contigo foi a minha vida. E a minha morte.

Mas você ainda vive. E mesmo vivo, ainda me assombra, mas quem me visita são os seus fantasmas bons e não os seus demônios. Como se eu não soubesse que eles existem. Como se fosse capaz de esquecer do meu sangue caindo, gota a gota, quando me feria, ao passo em que me fazia provar do gosto que não era amargo, mas doce. Você tornou o inferno céu, e eu pensei que tinha um anjo diante de mim. Me despi de mim e me revesti de você e pensei estar me cobrindo de algo bom. Tampei os ouvidos para os avisos que julguei serem equivocados e mergulhei na sua escuridão, que não era negra, mas rubra. Vermelho não era a cor do amor. Era o alerta de fuga que ignorei. E aquela madrugada que passamos juntos se tornou pano de fundo do resto dos meus dias; o céu estrelado era o nosso cenário quando nossas conversas profundas seguiam noite adentro, mas eu podia sentir as estrelas caindo sobre mim quando as madrugadas eram o momento em que meus joelhos encontravam o chão e os olhos doíam a cada lágrima que caía ardendo como ácido.  

Meu sonho de infância era ter uma Ferrari e eu fui arruinada por ela.

Meu coração se tornou uma massinha de modelar para o divertir até se desfazer entre os seus dedos e deixar um vazio no qual o seu nome ecoa. ”Aquele que ensina” não só ensinou com as feridas que causou, mas deixou marcas, cicatrizes tão reais que quase podem ser tocadas; lembranças de uma criatura arrasadora que contaminou e se espalhou como uma metástase que ainda queima quando ressurge. Suas mãos que antes ofereciam carinho me despedaçaram, mas me fizeram uma bela obra de arte degenerada e lascada nas beiradas e no interior.

Nossos olhares se encontraram naquele domingo e eu não sabia que aquele seria o meu recomeço.

Serena Frangipane.

Mais uma desculpa

O telefone já era para ter tocado, mas quanto mais seus olhos pesavam sob aquele enorme aparelho de última geração, mas parecia que ele não ia tocar. Bufou e coçou sua nuca, ele tinha tomado banho e se arrumado há umas três horas e agora estava sentindo seu imenso corpo doer por estar sentado todo curvado naquela poltrona enquanto encarava seu celular abandonado na mesa de dentro da sala de estar. Ao lado do celular havia um par de ingressos para o concerto do Drake, primeira fila. Ele tinha economizado suas mesadas para comprar aquilo com antecedência e finalmente o dia tinha chego, ele estava empolgado, ou melhor, estava mesmo, no passado. Agora ele só estava nervoso mesmo, porque faltavam trinta minutos para o show começar e ele ainda não havia recebido um sinal de seu pai, e bom, ele prometeu que iam juntos daquela vez, ele prometeu. James levou as mãos até o rosto e o escondeu, respirando pesadamente. Por que ele ainda esperava? Por que ele ainda tinha esperanças? Era inútil. Seu pai nunca estava ali e não era por um show que ele viria. Resolveu esperar um pouco mais, afinal, poderia acontecer de o senhor Sullivan ter se atrasado por algum problema no escritório, algum sócio poderia ter o prendido em alguma reunião importante.

Mas aparentemente, tudo era mais importante que James.

Uma hora se passou e nem uma mensagem foi recebida, muito menos uma ligação! O garoto gargalhou baixinho e negou, se jogando contra o encosto da poltrona, ainda olhando para seu celular prateado que nem se quer acendia a tela. Há trinta minutos bem que verificou se tinha sinal, se seu WIFI estava bom, ele tentou achar problema nele ou no aparelho, talvez seu pai não achasse
concertos legais, não é? Talvez não gostasse de tumultos...

Então lembrou-se que na semana anterior levou sua atual esposa e filho para o concerto de um grupo celta. No mesmo lugar. Na mesma hora.

Talvez o problema fosse mesmo ele, certo?! Talvez fosse isso mesmo. Levantou-se e pegou os ingressos, seguindo para a sacada que estava escondida por leves cortinas em um tom bege. Morar no décimo andar era legal, ele achava, tinha uma boa vista. Abriu a porta e se direcionou até o parapeito, se encostando ali, vendo o quanto Dublin brilhava, tantas luzes, prédios... aquilo era um espetáculo gratuito. Com uma mão puxou sua carteira de cigarros do bolso, tirando um tubinho branco dali, junto com o isqueiro preto. Ele odiava aquilo, odiava ter que fazer aquilo, mas não conseguia parar e sem sua mãe ali, ele não tinha motivos para não fazer.

Acendeu, tragou e deixou que a fumaça saísse calmamente por suas narinas enquanto erguia os ingressos, lendo as informações que ali continham. Ele esperou tanto por aquele show... ele queria tanto ir... droga! Quando Drake viria na Irlanda novamente? Merda, por quê? Por que seu pai fazia aquilo? Ele não era bom o suficiente? Especial e interessante o suficiente? Não fazia sentido em sua cabeça, e James podia jurar, ele tentava entender, buscar alternativas que pudessem explicar todos aqueles descasos, mas sempre caía na mesma resposta: não era bom o suficiente.

O tubinho ficou preso entre seus lábios enquanto suas mãos trabalhavam em lentos movimentos, rasgando aqueles ingressos. Ele não queria olhar mais para aquilo. Em poucos segundos os pequenos pedacinhos de papel voavam, uns levados pelo vento, outros simplesmente caindo feito chuva. Sua atenção ficou naquilo, em observar os papéis indo embora junto com toda sua euforia de meses a esperar por aquele dia. 

Uma mensagem chegou em seu celular, mas dessa vez ele quem não estava perto para atende-la.

“Senhor Sullivan (22h40): Não poderei ir, chame algum amigo. Me desculpe, fica para a próxima, sim?”

JACKSON

terça-feira, 4 de julho de 2017

Tu

Quero segurar tuas mãos e guardar-te do
mal desse mundo. Quero banhar teus olhos com felicidade, limpar a tristeza que lhe escorre pela face e plantar em ti um sorriso leve. Quero abrigar-te em meus braços fracos, fazer morada em meu peito já tão cansado e rezar por ti enquanto sonhas com o inalcançável. O tempo anda meio sombrio, a esperança não preenche mais corações vazios e o que sobra de tudo é a dor por tentar manter-se de pé em meio ao caos já proferido.

Eu olho para ti e vejo que estás caída entre os destroços, não consegues mais livrar-se da angústia já instaurada, angústia que faz morada entre teus medos e teus anseios. Eu olho para ti e vejo que teus joelhos sustentam o peso de tua alma, sente-se sozinha em meio a todo o drama que deu rumo à tua vida neste momento. Mas como pode? Alguém tão doce como tu, que carrega no peito um coração maior que o mundo e que ama como se fosse a última das vezes?Alguém tão honesto como tu, alguém que personifica a bondade, alguém que já sofreu demais nesse mundo e ainda assim conseguiu manter-se de pé entre tantas outras tempestades? Como pode alguém tão forte como tu, que sempre destruiu barreiras, resguardou teus amados do perigo, perdoou teus inimigos e salvou da maldade desse mundo teus opressores? Como pode tu estar caída, como pode tu não levantar para defender-se? 


Quero abraçar-te agora, melhorar teus dias tristes e ser para ti a salvação desse mundo. Quero mergulhar em tuas agonias e lutar contra os monstros que tiram o teu sono, quero dar fim aos males que arrancaram de ti teu sorriso, minha fortaleza. Queimaram os teus sonhos, um por um, sem deixar resquícios ou lembranças.

Deixe-me segurar a tua mão. Deixe-me tomar as tuas dores. Quero entrelaçar meus dedos nos teus e manter-te segura, equilibrar teu corpo frágil quando algo vier a te derrubar. Tu diz que não me quer no perigo, que tens medo que eu vá me machucar. Mas tu não entendes que a maior de minhas dores é olhar para ti e ver-te chorar. 

Deixe-me segurar a tua mão.  

Louie Edmond