Uma história que não chegou ao seu fim.
Era madrugada, eu não conseguia dormir e lembro muito bem desse momento. As lâmpadas que iluminavam a rua piscavam em intervalos lentos, era uma noite fria e silenciosa. Um sentimento de tristeza tomava meu corpo por toda a extensão do dia anterior, e não consigo esquecer o olhar de minha filha frente ao caixão, tão triste, que me fez perceber as correntes invisíveis que cercavam as suas mãos. Descia a terra mais um jovem que carregava uma imensidão de sonhos, e em pé com os braços abraçados aos peitos, e um olhar fixo a madeira que cercava o menino, minha filha o envolvia em suas intenções e desejos mais puros.
Ela era líder de um movimento estudantil e lutava por justiça, mas não conseguia se libertar do fardo que era a responsabilidade por aquela morte tão repentina. As pessoas nas ruas já condenavam o movimento, e parecia que a moral entre os estudantes não era mais a mesma. Os jovens estavam cabisbaixos e as famílias já ordenavam os seus retornos, que já não eram mais respondidas com tanta resistência. Quando voltou para casa só pude perceber o enorme sentimento de derrota que pairava sobre os gestos dela. Dei o apoio que estava ao meu alcance, e lembro bem dessa madrugada, quando no quarto dela, só me restou a afagar com um abraço longo e silencioso. Ao lado dela, fui julgando os discursos que eram redigidos, e fizemos durante a maior parte da madrugada o treinamento de sua fala, depois disso nada foi dito, parece que ela não quis compartilhar comigo o sentimento de culpa que estava no seu interior, foi quando eu a beijei na testa, e intervi nesse bloqueio, libertando-a de seu sentimento de culpa, com as palavras suaves que só os pais podem dizer aos seus filhos. Quando me despedi tentei acender uma faísca de esperança em seu coração, talvez no meu também. “Encontraremos os verdadeiros responsáveis amanhã filha, até lá, guarde seus sentimentos, e faça sua luta prevalecer sobre todas as injustiças que foram cometidas.” Era o que podia ser dito.
Ao chegar à assembleia, o movimento estudantil estava retumbante e me parecia que aquela era a batalha mais importante de todas, percebi que minha filha não estava sozinha, e que na verdade eu era apenas mais um na torcida para que ela se sobressaísse além de todo o mal, e de toda corrupção sombria que existia dentro daquele espaço. Com minha esposa ao lado, todos nós éramos um só, posso dizer que esse era o sentimento daquele momento decisivo, e durante o discurso, percebi que suas pernas tremiam, e sua voz cambaleava, meu coração estava apertado, e por um momento fechei fortemente os olhos e supliquei com todas as forças, para que minha esperança fosse transferida para ela. Minha filha se encontrava como uma pequena rosa que resistia sobre a adversidade do inverno tenebroso. Mas ela lutou até o fim, e emocionou a todos com seu discurso. Todos podiam perceber que suas palavras penetravam o coração dos que eram mais insensíveis, e seus sentimentos foram alcançados por todos. Era uma vitória, no dia seguinte o mundo inteiro estaria divulgando a luta de minha filha, aquela história, ainda não tinha acabado. A educação ainda poderia resistir, porque o movimento, ainda estava vivo.
Piper Chapman