quinta-feira, 30 de maio de 2019

Laços

   Francisco afastou o copo de cerveja enquanto escutava o rádio. Aquele momento não era de bebedeiras. Todas as estações anunciavam a mesma coisa: Getúlio Vargas, o pai dos pobres, estava morto. Francisco não sabia o que sentir, se recordava dos discursos acalorados de Vargas, de como ele encheu a ele e todos os outros funcionários da fábrica de esperança quando anunciou as leis dos trabalhadores. Ele se levantou, deu um laço com o lenço vermelho em volta do pulso, presente que sua mãe havia costurado para ele no primeiro dia de trabalho, precisava buscar sua filha já escola. 
   Zuleica sentia que estava esquecendo alguma coisa. Revisou todas as placas e faixas que havia prometido fazer para a passeata das Diretas Já. Desde que atravessou a ponte e se matriculou na faculdade de História, ela sempre participou de todos os eventos estudantis possíveis. De repente se recordou, o lenço vermelho, presente de seu pai quando ela foi aprovada, era isso que havia esquecido. Ela usou ele para prender o cabelo com o laço. Carregando as placas, saiu às ruas para gritar pela democracia.
   Elis sempre gostou de se maquiar, mas desde que aprenderá a usar os pincéis, nunca havia passado tinta cinza no rosto. Ela e os amigos haviam combinado de ir às ruas protestar, sua pós graduação em Economia sempre disse que os planos de calor não poderiam dar certo. Ela passou a mão pela barriga, seu filho parecia estar animado com a passeata também, pegou o lenço que sua mãe havia a presenteado quando descobriu a gravidez, parece que era uma herança familiar usada em momentos difíceis. Amarrou no pescoço e foi para as ruas
   Vladimir acordou o seu namorado, eles estavam atrasados. Seu primo já havia o ligado para avisar que só faltavam os dois. Desde as eleições do ano passado, Vlad temia por momentos assim. Ser gay e estudar em uma faculdade pública já eram um afronta gigantesco, tudo isso cursando Jornalismo? Ele se vestiu, marcou um x no calendário, dia 30 de Maio. Ele pegou o lenço vermelho em cima da mesa, amarrou com um laço em volta da boca, e foi para a rua.
Eclipsa B

Reme

  Ó capitães, meus capitães! Minha marcha é desajeitada, mas meu desejo é puro. Minha arma é o grito que retumba em defesa da educação. Ó capitães, meus capitães! Eu não sei de muita coisa, eu não vivi muito, mas minha vinda ao mundo foi com a voz de minha mãe me sussurrando: Estuda! Nada é mais importante que os estudos!
  Pois minha mãe não teve muita coisa. Meu pai? Que pai? Isso eu não tenho. Minha única riqueza querem usurpar. Não, não podem me tirar. Ó capitães, meus capitães! Os senhores me ensinaram a lutar. Os senhores me ensinaram à afiar a mente como se afia uma faca. Ela pode não estar tão amolada, mas lhe garanto, ainda faz estragos. Ó capitães, meus capitães!
  Meu santo não bate com essa política. Ele só vem apanhando. Minha cultura é a do trabalho. Minha mãe, minha avó, domesticas e domesticadas, como animais, mas hei para mim a chance de sair da corrente. Sigo proferindo a promessa de chico: quando chegar o momento, irei cobrar com juros. Juro! Ó capitães, meus capitães!
  O tumbeiro de meu bisa jaz adormecido, e por isso, agradecemos à Deus, mas nosso barquinho, tadinho, tem sido sucateado e largado para cair na beira do mundo. As velas já não se erguem, mas os braços cansados de seus tripulantes, mais uma vez, sustentam o peso dessas correntes que insistem em manter o preto pobre no fundo desse mar.
  Não, dessa vez não irão nos lançar. Ó capitães, meus capitães! Dessa vez iremos lutar.
By a Lady

Novamente vamos a luta

Pela segunda vez em menos de um mês nós defensores da educação, fomos a luta contra esse bizarro corte ou contingenciamento (da forma que eles gostam de falar) de verbas de escolas e faculdades federais. Essa manifestação que ocorreu em todo país, é uma forma de resposta resposta rápida e sucinta de que não aceitaremos essas "reivindicações" feitas pelo governo, mais uma vez foi lindo de se ver nós estudantes irmos novamente ruas para lutar pelos nossos direitos estudantis e mostrarmos que não somos balbúrdia.

Quero ver agora o ministro falar que esse ato pró educação foi um ato democrático, ou será que só tem valor quando o ato é pro seu lado, com certeza o governo está mais uma vez ciente que isso não ficará assim. Em momentos como esses devemos nos manter unidos como estamos agora e ir á luta por um bem comum que é a educação, não podemos desviar o foco e nem fraquejar para não dar espaço para que a oposição nós ataque, estamos no caminho certo para mudar essas reivindicações, se mantivermos o foco e a determinação, tudo isso valerá a pena e novamente digo o governo já está ciente de que não poderá mexer com a nossa educação o recado já está dado.
Lele Do Pistinha

Doutor, eu não me engano

[]Tentei começar esse texto de várias maneiras: criando personagens, usando a "balbúrdia" (embora eu ache um termo chato) como base... um monte de coisa. Mas nada ficava bom a ponto de descrever o significado que nós, na nossa luta, temos dado à rua. Cada um à sua maneira, à sua visão. Eu na minha, tu na tua e todos nós nas nossas várias. De repente, o caminho da Praça XV até a Candelária já não é mais o mesmo. As ruas do centro da cidade tomaram pra si o dom da liberdade e da força. O mês de maio, desde o seu primeiro dia, foi berço de revolução. Não é à toa que estamos no trigésimo e, adivinha? Teve ressignificação rolando solta nos tantos cantos do Brasil.

[]E como teve. Os gritos abafados, presos nas gargantas, agora, ecoam livremente nas nossas cabeças. E não é que é verdade, menina? Tem dinheiro pra milícia, mas não tem pra educação. Não tem como negar. Tá aí pra todo mundo ver. A balbúrdia é real. Um monte de gente falando ao mesmo tempo. Um monte de vozes se reverberando pelos prédios altos da Presidente Vargas. UM MONTE. Tem coisa mais satisfatória do que cantar uma música e alguém te acompanhar? Não tem. QUEM TIROU DA EDUCAÇÃO... Continua aí na tua mente que, aos poucos, o que eu tô sentindo chega aí. Se é que já não chegou.

[]Uma coisa é fato: depois de nos tirarem tanta coisa, levaram embora nosso medo também. O Trinta de Maio prova isso. Pois não há PM no mundo que olhe dentro dos meus olhos, que me aponte uma arma, que me dê um banho de gás e me tire a coragem. É bom ficarem espertos com a gente. Se liguem, uma Bastilha não cai sozinha. Já tá na hora de colocarem a mão na consciência e decidirem se vão defender um Estado que não os defende ou fazer o seu trabalho que é proteger aqueles que lutam pela sua proteção, saúde, educação e liberdade. Eu, de coração, espero que eles saibam quais cabeças vão rolar, digo, quais vidas serão postas em risco antes que a do Capeta-mor seja.

[]Quase já não é mais trinta de maio. Os significados vão se assentando na minha cabeça. Pouco a pouco, ressignifico tudo que já disse. Porque ainda falta muito. Tem muito sentido pra ser posto à prova e muito chão até que a próxima face da Rua se mostre. E nós estaremos aqui. Lá também. Em cada cantinho que aqueles fascistas simpatizantes de milicianos olharem, estaremos. E, como bem disse Talíria, eles podem temer. E é bom que temam.

Na esperança de que você signifique comigo no 14 junho, 
Heloísa Dandara Pires

Uma Aventura por Mês

30 de maio. Nada melhor para terminar o mês do que uma manifestação.  Não é?
Tá! Eu sei que tem coisas melhores pra fazer, tipo ir ao cinema e até viajar. Mas na real, estar no meio do povo, sentir a energia e o arrepio correndo pelo corpo, é uma sensação incrível. Digo isso por ver a animação do Sérgio, o brilho no olhar, o orgulho de estar defendendo os seus direitos.
Ele passou a semana inteira convocando a todos. Alguns não lhe deram ideia, mas faz parte. Na quinta-feira logo pela manhã, Serginho estava de pé arrumando tudo para estar pontualmente às 15:00 horas no local marcado. Não gostava de chegar atrasado.
Na entrada das parcas encontrou seus amigos. Eles igualmente animados para encarar mais um dia de luta. Foram conversando. Ansiosos para a chegada, imaginando quantas pessoas estariam lá. De repente, uma notificação no celular. Era do Twitter (E não. Não era a Lenna kkk).
- Cara, você viu o que o ‘povinho’ do Bolsominion está dizendo?
-Não. O que?- Respondeu Paulo, um de seus companheiros.
- “Lá vai esses filhotes de Lula fazer balbúrdia de novo”. Affs! Não tenho paciência pra esse tipo de pessoa.
- Relaxa mano, sem estresse com essa gente. Vamos dar a volta por cima mostrando que as universidades e os trabalhadores têm voz.
- É isso aí. “O povo tem poder, só precisa descobrir”. Já diria umas das paredes da UFF.
O trajeto chega ao fim. Desceram todos e se dirigiram ao ponto de encontro. Logo ali na Candelária. Juntaram-se a professores, alunos, pais e trabalhadores, que também estão na guerra. Durante todo o dia houve atos em prol da educação. Com aulas ao ar livre e exposições de pesquisas realizadas por universidades de todo o país. Foi lindo. Emocionante!
Ao cair da noite, vem a volta pra casa. Chegando após um dia cansativo, porém recompensador, Sérgio insistia em ter um largo sorriso no rosto. Sorriso esse de esperança, que permaneceria por bastante tempo. Ter presenciado tantas pessoas reunidas por um futuro e principalmente um presente melhor para a sociedade, é uma ótima canção de ninar.
Por tal motivo, o término da aventura de maio foi excelente.  Ansiava pela próxima.  Tendo a certeza que na luta a gente se encontra e não há governo que nos segure. Por que...
Quem mexeu com a educação, atiçou o formigueiro.
E aí, prontos para o mês de Junho?
Srta. Bridgerton

Sem Título

Dia 30 de maio de 2019. Minha primeira manifestação oficial. Nunca tinha participado de uma. Então combinei de ir com uns amigos. Furada. Todos cancelaram, problemas no curso ou alguma outra desculpa. Não julgo, já fiz bastante. Sendo assim, resolvi me arriscar sozinha.

De vermelho, eu sai de casa em direção a candelária. Bem assustada e com meus documentos guardados na pochete. Com medo de qualquer barulho diferente. Bem nervosa, me sentia deslocada demais. Mas eu me perguntei se eu não estava exagerando. Nunca vivi isso aqui. Já vi no jornal nacional, mas eles sempre conseguem dar destaque aos ônibus queimados ou aos vidros quebrados – o que sei não fazer parte dos protestos estudantis. Eu estava julgando um movimento por um simples relance televisivo incompleto e tendencioso. Mas mesmo assim eu duvidava.

Enquanto eu andava pela Rio Branco, fui me familiarizando com os gritos e rimas. Foi assim, até que as coisas foram fluindo. E na primeira vez na minha vida, conclui a veracidade da informação do que é lutar pela educação no Brasil. Sem romantizar, é extremamente cansativo gritar para um governo que não quer ouvir. Milhares de pessoas nas ruas com consciência que a família Bolsonaro vai fingir que o protesto não aconteceu. É exaustivo pedir, suplicar e implorar mudanças quando somos governados por alguém tão intolerante e incompetente. Mas eu seguia, depois de um tempo já pertencia naquela multidão. Na minha cabeça, eu não tinha ido sozinha – eu conhecia aquele menino de blusa listrada e a menina com os adesivos do psol. Eles eram meus amigos mais próximos, por pelo menos algumas horas.

O vermelho das minhas roupas pode ser partidário nos olhos de alguns, e eu admito que, talvez, seja. Mas ele simboliza, também, a cor viva de uma menina lutando pelos seus direitos pela primeira vez na vida. E como eu me senti bem por estar ali. Me senti presente. Vou admitir que fui bem tímida, sem cartazes ou adesivos. Passei despercebida por uma multidão que gritava mais alto do que eu, me escondendo atrás das bandeiras. Quieta, só apreciando. No inicio, eu estava louca para encontrar um lugar e sair correndo dali. E apesar de não ter ficado até o final, eu consegui enfrentar um obstáculo naquela dia. A minha própria resistência. Eu ignorei qualquer sinal de duvida de mim mesma. Talvez, na próxima manifestação, eu até leve um cartaz.
Austen dos Anjos

A alma sente

Triiim!!! O despertador anuncia que está na hora do dia começar. Os olhos, até então fechados, se abrem, mas o corpo ainda é incapaz de reagir. Talvez para ele, não seja o momento de mais um dia de luta se iniciar. Triiim!!! Agora o corpo precisa responder para, pelo menos, silenciar aquele que te acorda todos as manhãs.
Os olhos, recentemente abertos, já se voltam para o celular e, rapidamente, percebem que não é mais uma quinta-feira qualquer. O aparelho marca 30 de maio. De fato, mais um dia de luta, mas uma luta diferente do que aqueles olhos costumavam presenciar.
A quinta-feira é de manifestação contra os cortes de verbas das universidades, ou melhor, contingenciamento, como nosso digníssimo governo prefere chamar. A dona do despertador, ao perceber que rotina do dia seria diferente, se dá conta de que não precisava dele para acordá-la pela manhã, mas esqueceu de desligá-lo na noite anterior. Agora, era tarde demais, ela já estava agitada para lutar, mais uma vez, por seus direitos. Começa a preparar tudo que levaria e conta as horas, ansiosamente, para o momento chegar.
A jovem veste a blusa do curso que tanto se orgulha, ainda que não possa dizer que seus pais sintam o mesmo. O relógio, enfim, anuncia que é hora de partir. O trajeto é longo e, durante ele, suas pernas não param de balançar por um segundo sequer, revelando toda a ansiedade que sentia.
Quando, finalmente, chega à Candelária, seus olhos se encantam com o aglomerado composto por milhares de universitários, pais e professores que lutam pela educação. Com os passar dos minutos, aquele lugar se enche, não só de pessoas, mas de esperança e revolta.
Os olhos que pela manhã se voltavam para o celular, agora, apreciam as apresentações de dança que tomam conta daquele lugar. Além disso, observam as letras garrafais que se fazem presentes em milhares de faixas e cartazes, compondo palavras e, por sua vez, frases que expressam a insatisfação do povo. Seus ouvidos escutam as músicas cantadas, em alta voz, pelos manifestantes, enquanto seus lábios, magicamente, acompanham.
As pernas se encontram cansadas, a voz falha, mas o coração bate forte no ritmo de toda aquela emoção. Infelizmente, o momento chega ao fim e chega a hora de partir. Quando os pés doloridos, finalmente, encostam no chão de casa, os pais da jovem a observam com olhar de reprovação. Mas nada disso importa naquele instante. Ela toma banho, escova os dentes e o corpo cansado se joga na cama. Agora, chegou o momento do dia acabar e quem anuncia isso é sua alma, sentindo que cumpriu uma missão e pode, enfim, ter um descanso, até que o despertador toque novamente para avisá-la que o ciclo precisa recomeçar.
Felícia Rockfeller

Tá cansado? Não descanse!

Na escola, geralmente somos ensinados a pensar de forma lógica. Mas tem coisa que é contraditoria mesmo. Tem coisa que não faz sentido nem se você olhar de ponta-cabeça, considerar um universo paralelo, inverter os padrões morais...Tem coisa que realmente não dá pra engolir. O sucateamento da educação pública é uma dessas coisas. Não dá pra engolir...mas às vezes a gente aprende a conviver.

A verdade é que o Brasil já lida com uma educação meio merda há mais tempo do que eu consigo contar - e nem é porque sou de humanas. A gente tenta empurrar com a barriga, ir levando...Mas tem hora que a coisa passa dos limites. Há quem diga que o brasileiro não conhece essa tal palavra, "limites". Muitas vezes é verdade, mas agora vamos deixar essa história só pros memes. A gente tem um limite sim, e já chegou nele.

Não dá mais pra aguentar ver a coisa mais importante de uma sociedade ser deixada de lado. Não dá mais pra ver escolas e universidades funcionando precariamente e comemorar porque pelo menos elas ainda estão abertas. É todo dia um relato diferente: a escola do filho do vizinho sem merenda, todos os banheiros de um bloco da faculdade sem papel higiênico, o professor do colega da república que chorou porque queria dar aquela aula prática foda, mas não tinha material no laboratório...Chega uma hora que cansa, né?

O cansaço já chegou no ponto de saturação. Ninguém aguenta mais. Professores, pais, alunos...Quem é diretamente afetado, não aguenta mais lidar com a incerteza sobre o futuro. Quem não é? Não aguenta mais ver o amiguinho ou o famigerado primo que passou na federal reclamando. A nossa turma? A gente tá é tão cansado dessa porra que nem aguenta mais ler e escrever sobre esse assunto! Brincadeiras à parte, a exaustão é real. Mas, como eu disse lá no começo, tem coisa que é contraditória mesmo. E se nos atacaram com uma coisa que não faz sentido nenhum, vamos revidar com uma contradição também.

É o nosso cansaço que nos faz não descansar. É o acúmulo de indignações que faz a juventude gritar cada vez mais alto e levar a aula pra rua, mostrar que a pouca idade não nos faz ser ingênus ou meros telespectadores da destruição dos nossos direitos e sonhos. É o espírito de revolta e instasifação que arrasta a multidão revolucionária pros dias quinze e trinta de maio, mas também pro 31, pro primeiro de junho, pros dias 2,3,4,5 e 6. A luta é todo dia. A luta é mais do que só os cartazes e concentrações. A luta é levantar todo dia da cama e ir pra sala de aula, enfrentar o trânsito, o ônibus lotado, a fila do bandeijão. É passar a borracha na decadência planejada e escrever "resistência", só que com caneta permanente.
Dois dias já foram, mas parece que essa batalha ainda vai longe. Sendo uma guerra de seis dias ou cem anos, temos mais munição. Livros, lápis e mentes pensantes são armas mais fortes que ignorância, ódio e gesto de arminha. Trabalhadores que vão às ruas em um dia útil depois do expediente são mais fortes que meia dúzia de entediados que passeam usando a camisa da seleção em um domingo de manhã. Estudantes que protestam o dia todo e ainda vão escrever crônica no final da noite? Esses então, são de força hercúlea! Peguem suas ferramentas de trabalho - lápis e papel -, a diferença básica entre nós e os inimigos - nossos cérebros - e façam seus cartazes e gritos de ordem. Lutem como puderem, mas lutem até o final. Pode até ser contraditório, mas nem por isso a lógica é falha: a gente só vai descansar quando não estiver mais cansado.

Leena Charpentier

Palco histórico

       Quer uma missão quase impossível? Tente juntar algumas pessoas para sair no mesmo dia. Sempre tem alguém que desmarca em cima da hora, um que está sem grana, outro que fica doente e aquele que mora longe. No fim, alguém vai dizer “fica pra próxima”! Sinceramente, todos sabemos que esse dia provavelmente não vai chegar tão cedo – se um dia chegar. Se é difícil juntar cinco pessoas pra ir ao shopping do lado de casa, imagina juntar milhares para ir ao centro da cidade em plena quinta-feira? Por incrível que pareça, isso foi feito.
       Eu sei que a maioria nem se conhecia diretamente. Mas, de certa forma, nesse 30 de maio, todos se identificavam. Talvez não soubessem os nomes, onde moravam, quantos anos tinham ou onde estudavam. Mas sabiam que queriam estudar e garantir que as próximas gerações também pudessem. Foi um encontro que ultrapassou os limites do Rio de Janeiro e se estendeu pelo Brasil inteiro. Parecia copa do mundo (mas sem as camisas da seleção).
       Alunos se uniram. Não importava se era da UFF, UFRJ ou se nem estava na faculdade ainda. Todos estavam juntos, levantando cartazes, pedindo ajuda e chamando atenção. Gritos, cantos e protestos substituíram as buzinas típicas do fim de tarde. Não eram os carros que passavam pelas ruas. Eram jovens, pais, mães, professores... brasileiros. Aqueles que priorizam a realidade e não um mito.
       As ruas do centro, palco de tantos acontecimentos históricos, estavam tomadas de esperança. Dúvidas, ódio e incerteza. Mas, sobretudo, esperança. Nos mais velhos, que já vivenciaram momentos políticos terríveis e não aceitam que a história se repita. Nos professores, que mesmo não tendo o reconhecimento merecido, continuam lutando para que a educação seja valorizada. Nas crianças, que nem entendem de política, mas são literalmente o futuro na nossa frente. E nos estudantes, que não vão se calar, não vão desistir e não vão aceitar não como resposta, pois negar a educação é negar quem eles são.
Sharpay Evans

Carta ao presidente.

Caro Jair Messias, escutei fogos de artifício no dia em que venceu, pois tu Messias enviado pelo senhor estava destinado a colocar nosso país na linha. Chorei porque não tenho religião e sequer acredito na sua capacidade para fazer qualquer coisa além de profanar mentiras e coisas que preferiria não ler.  
Hoje, dia 30 de maio, tenho em mim um misto de sentimentos, parte de mim fica triste ao ver que ainda temos que lutar pelo que é realmente importante, quando o planalto não dá à mínima. Triste ao ter que gritar que educação é investimento, não gasto. Mas feliz, porque com todas essas pessoas proliferando nossa balbúrdia pelas ruas da nação, o senhor escutará e perderá o sono. Você vai surtar porque a senzala “ta” na rua para desenhar pra você que vai ter resistência.
Eliminar toda a aversão ao desenvolvimento inclusivo usando nossos livros como armas, para provar que construir escolas é a solução para a superlotação das penitenciárias, mostrar que a prisão maior do homem é a sua própria mente cega pelo discurso de ódio.
“Por isso cuidado meu bem, há perigo na esquina, eles venceram e o sinal está fechado para nós que somos jovens
Infelizmente essa letra de 1976 é tão real nos dias atuais, mas o Brasil é muito maior que seu ódio, presidente. O Brasil se une pela educação, pelo amor e pelo respeito. Ah, senhor presidente se soubesse o quanto me sinto mal por você
Que não tem compaixão
Ou amor
Ou noção.
Eleonor Dummont

sexta-feira, 24 de maio de 2019

A Uma Baía de Você

Mais um dia está chegando ao fim. O sol começa a dar sinais de sono e a diminuir seu brilho para que a lua assuma o controle do céu. E eu aqui, observando essa magnífica obra de arte que é criada aos meus olhos.
Sim, realmente é tudo belo demais para ser descrito. A Ponte Rio-Niterói que corta o céu ainda acrescenta uma elegância inenarrável ao cenário. Imagino como seria lindo se tivéssemos todos os animais marinhos que antes habitavam essa baía. É, realmente poderia passar horas e horas apenas ali, saboreando as delícias da natureza. Porém, subitamente, algo rouba minha atenção.
Olho para o Rio e me lembro: o meu amor está ali. Sim, ali. Logo ali. Tão perto, mas tão longe! Você está ali. Provavelmente organizando folhas de pagamento, planos de saúde dos funcionários, vales refeição e transporte... Realizando lindamente o seu trabalho com aquele sorriso que só você sabe dar. Ah... Como gostaria de estar aí com você... de sentir aquele seu abraço, de olhar nos seus olhos... Ou melhor: gostaria que você estivesse aqui comigo observando essa paisagem, provavelmente entre carinhos e brincadeiras.
Penso em todos os momentos incríveis ao seu lado e sinto um pouco de tristeza. Não, não é por sua causa. Mas por ter essa baía nos separando. Por não poder te ver diariamente e silenciar essa saudade que insiste em me habitar. Droga, baía, por que me separa do meu amor?
Me lembro do livro no qual os personagens não podem se aproximar por causa de uma doença que atinge a ambos e reflito. É, a baía é a nossa doença. Ela é o empecilho que atrapalha nossos planos e tudo que sei é sonhar com o dia que poderemos tirá-la do nosso meio e finalmente sermos felizes juntos!
Mas, enquanto esse momento não chega, me dou conta de uma coisa. Temos uma Ponte. Ela é o nosso amor que nos une e nos mantém ligados, mesmo a quilômetros de distância. Ela nos protege e cuida de nós e, enquanto estiver de pé, estaremos também nós.
Afinal, estamos a uma baía de distância, não um oceano. 
Hoje, essas águas nos separam. Entretanto, mantenho viva a confiança na ponte que te trará para mim.
A Uma Baía de Você.
A uma baía.
A uma.
Apenas uma.
Baby Shark

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Maura

Em meio a uma grande e vasta quantidade de beleza, a Baía de Guanabara talvez possa ser interessante. Todos nós sabemos da sua importância e relevância. Além disso, temos conhecimento da forma com que a natureza, do jeito mais livre e espontâneo possível, desperta a sensação de estar em um lugar calmo e tranquilo lá no fundo do peito. Contudo, o que pode tornar essa grande porção de água e flora interessante é o que nós não temos conhecimento.

Com uma passada de olho veloz talvez você não repare, mas ele sempre esteve ali. Indo e voltando, de forma quase que pendular. Esse barco tem uma aparência humilde e antiquada ao compararmos com outros ao seu redor, porém, dentro de sua pequena cabine, possui uma história interessante que é guardada a sete chaves pelo senhor Luisinho, o nosso protagonista.

Nascido na cidade do Rio de Janeiro, Luis Carlos cresceu numa casa humilde com suas quatro irmãs. Desde pequeno, o que ele mais gostava de fazer era nadar. Morador do Cantagalo, Luisinho, quando atingiu a adolescência, aproveitava a proximidade da sua casa para ir todos os dias à praia de Copacabana e lá passava o resto da tarde dentro da água. Seu lugar favorito ou, como gostava de chamar, seu paraíso. No final das tardes, a programação era sempre a mesma, sentar na areia e imaginar a sua vida no futuro. O que ele escondia de todos era o seu maior sonho: morar nas águas, viver em alto mar. Luisinho trabalharia o suficiente para comprar um barco, o deixaria do seu jeito, e sairia por aí sem rumo, vivendo apenas da pesca e, assim, todos os seus dias seriam o paraíso.

Aos 17 anos arrumou o seu primeiro emprego. Por mais que sua família não tivesse uma boa condição financeira, Luis Carlos nunca precisou trabalhar, diferente de seus amigos da rua e da escola. Sua mãe, dona Vitória, nunca permitiu que nenhum filho trabalhasse, a prioridade era sempre o estudo. Luisinho começou trabalhando como ajudante numa feira de rua, fazia de tudo naquela barraca que vendia peixe. Aquele trabalho durou anos, o menino sonhador já tinha largado o posto de ajudante, aprendeu muitas coisas no serviço e já era especialista em peixes.

Numa tarde de domingo, Luis visitou a Baía de Guanabara, um porto gigante que havia alí. Era observador, olhava com calma os barcos que estavam parados naquele local. Até que viu algo diferente, um barco colorido, sua aparência dava um sensação de felicidade e aquilo combinava com o menino. Para sua surpresa, estava à venda. Após uma longa conversa com o dono da embarcação, Luisinho conseguiu negociar o valor para um preço que era próximo do que já estava juntando, seriam mais uns quatro meses de trabalho e conseguiria pagar.

Na semana seguinte, Luis estava conversando com seu chefe e ouviu uma voz doce vindo da frente de sua barraca:

– Boa tarde – disse a voz – O senhor poderia me dar 2 quilos de robalo?

Aquele som entrou como uma bela canção de Caetano Veloso, num por do sol de Copacabana, nos ouvidos dele e quando virou, foi paixão à primeira vista. Ele perguntou seu nome e após a primeira conversa, outras vieram cada vez com mais facilidade. Maura também se apaixonou por Luis, era algo que jamais havia acontecido com eles.

Após duas semanas de saídas e conversas, ele a pediu em namoro e a resposta já era esperada: Sim.

O primeiro mês de namoro. O segundo, terceiro e quase o quarto. Luis não tinha contado pra Maura seu sonho, mas era preciso e ele decidiu levar ela para o porto, iria mostrar o barco para sua amada. Aquela embarcação era a cara dele, então se ela gosta dele, iria gostar da idéia... Não gostou.

Maura o abandonou decepcionada, moradora de Copacabana também, queria viver uma vida tranquila e ‘’normal’’ na sua visão. Buscava uma casa com quintal grande para criar seus filhos e já tinha encontrado o seu marido, Luis era o homem certo. Era...

Luisinho tentou ligar, se comunicar, enviar cartas e ir na casa da amada, mas fora completamente rejeitado. Então, não restou outra opção ao menino, juntar as suas economias e partir em busca do seu sonho.

Até que veio a notícia ruim, outra pessoa tentou comprar o barco naquela semana, oferecera um pouco a mais que Luis estava disposto a pagar. Porém, ele não desistiu, contou seu sonho ao dono da embarcação e o velho deu seu veredito:

– Você terá até amanhã para trazer o dinheiro. – e completou – Se não, venderei para o outro comprador.

Aquilo foi um baque no peito de Luis. Um soco bem dado em seu rosto. Não teria como pagar, ele sabia bem disso. O menino sentou na praia de Copacabana, bem onde ele ficava quando imaginava seu futuro e chorou. Era o pior dia de sua vida.

Caminhando pela orla, Maura estava completamente arrependida da sua atitude e estava pensando em conversar com o seu amado e se desculpar. Até que reconheceu Luis de longe e resolveu se aproximar, ouviu o menino falando sozinho, se lamentando por não conseguir comprar o barco. Ela teve uma ideia, era de família rica, poderia comprar para ele a embarcação sem maiores problemas. Foi o que fez. A menina foi até onde Luis tinha a levado e conversou com o dono que concordou, ela iria cobrir a proposta do outro comprador. Infelizmente, ela não queria partir com ele, não foi o que planejara para sua vida.

Maura deixou uma carta na porta da casa de Luis contando o que havia feito e desapareceu, foi viver uma nova vida em outro estado. Não disse para onde ia, mas, para Luisinho, ela não foi. Sua amada permaneceu na sua cabeça e no casco do seu barco. Para onde Luis ia, levava o nome dela com ele.

Quem vê a Baía de Guanabara de longe, com certeza não consegue perceber aquele barco. Com aquelas cores vibrantes. Com aquele nome, quase que apagado, escrito de tinta branca. Maura.
Larry Bird

Namorado de minuto

“Dinheiro ou cartão?”, perguntou o cobrador do minimizador de passos para a escravidão ou paraíso, dependendo do destino – vulgo trocador de ônibus. Há dúvidas irrelevantes que arrastamos pelo cotidiano, embora nesse dia em especial não houvesse questionamento: eram pratinhas que pouco valem, mas muito custam no fim do mês.
Cinco e nada da manhã. Como só os funcionários da Mauá chegavam antes de Mariazinha, dia após dia, o tédio da viagem era preenchido por palpites sobre a vida de estranhos. O velhinho que poderia sentar na frente e ficou lá pra trás, junto com a menina de saia: tarado; Uma mulher descabelada, com cheiro forte de água sanitária: empregada sofredora e esforçada ou vadia desleixada – se é que vocês entendem; O rapaz com a blusa do Che, óculos de armação grossa e barbão: algum militante partidário que queria mudar o mundo com palavras fora da realidade de Mariazinha, ainda que reivindicasse saber o que era melhor pra ela mesma – ou seja, chato e pretensioso!
Um, dois, três, dezesseis. Ninguém sentava ao seu lado. Era a mochila que ocupava espaço em demasia? A perna muito aberta, por estar morta de sono? Teria ela cara de santinha demais para algum homem vir sentar ali? Talvez, estivesse feia. Quiçá, com o cabelo fedendo – só viria a lavar dentro de dois dias. Pranchinha, sabe como é. Não, ela devia ser porque as pessoas gostam de ir na frente ou atrás e a parte média é o que sobra. Ah, mas olha lá, olha lá! A mão estava no outro banco, parecia que estava guardando lugar pra alguém. Devia ser isso. “É isso”, sussurrou pra si mesma. O fato é que ninguém senta ao lado de alguém no ônibus se há um par de bancos vazio – as pessoas querem espaço e distância. Somos educados para a solidão compartilhada. Sete bilhões de solitários.
Foi no ponto da Ilha de Mocanguê que ela despertou. Cabelo baixinho e moreno – mas com pelinhos loiros na raiz, deve ter sido loiro quando pequeno, uma fofura. Olhos verdes, talvez esverdeados, não deu pra perceber. Os pedaços do rosto meio assimétrios, aquela beleza imperfeita, própria de quem tem um quê imperceptível, porém avassalador. Calça jeans surrada e uma camisa social que apertava um pouco no peito – deve fazer exercícios. Sapato brilhando, deve ser caridoso e ter ajudado um engraxate. Realmente, trata-se de um bom rapaz. Ah, não, a barba muito bem feita atestava: milico e, muito provavelmente, eleitor do Bolsonaro. Mariazinha acabava de começar Jornalismo, já pensava em convidar pra um pic-nic na orla e à essa altura estava quase desistindo... quando, opa, um broche do Freixo na mochila quebrou a imagem: quem sabe, líder da insurreição! Dentre os apetrechos no braço, uma indicação de crença em Santo Expedito, o que não batia com ela, pois, apesar de evangélica, àquela altura ela queria era Santo Antônio.
Mas e aí? Devia lançar um “Lula Livre”, esperar alguma deixa? Ou parar de fazer doce? Ah, claro, doce: é só oferecer uma bala. Uma abordagem sutil, mas de claras intenções. Será mesmo? E se ele não entender ou, muito pior, achar que ela está insinuando que ele tem bafo? Ok, melhor não.
A ponte acaba. Reticências: os pontos passam e nada acontece. Até que suas pernas se tocam. Ela consegue sentir, por debaixo daquele jeans grosso, um carinho delicado – mostrando que, apesar da cara de homem, tem sensibilidade. Mas e aí, senhores? Não seria colaborar para assédios? E se ela quer, deveria arrastar a perna de volta? E se parecer vulgar? E se ele não entender? Ou, como não deve ser, se ele estiver encostando nela sem querer?
A Maria mulher tomou a frente da Maria menina. Respirou fundo, puxou assunto sobre a maior de todas as questões que uma pessoa pode ter na ponte: o que  diabos é aquele vão que viu no post do Facebook? Ele explicou que era uma tal de junta de dilatação – que homem! Minutos depois, de sorriso e peito abertos, ela indagou se ele pretende se casar na igreja e quais seriam os nomes dos seus filhos. Ele gosta de ‘Ariel’, por causa do anjo – ela, por causa da pequena sereia. Porém, ela quer um casal, então precisa de um nome para o garoto – e ele para uma garota, pois acha que ‘Ariel’ é nome de menino. Nada importa diante daquele encanto recíproco.
Um esbarrão pede passagem e ela acorda. Ainda na dúvida entre sonho e realidade, vê sua despedida como em câmera lenta. Talvez, o amor da vida dela. Provavelmente, uma ilusão passageira. Piscou os olhos de novo e estava no terminal. Mais um namorado diminuto.
João Cadeado

Trajeto Rio x Niteroi

Todo dia de manhã acordo cedo, às 6:15 pego as barcas e atravesso aquela grande baía. Trabalho, mais trabalho, muito mais trabalho. O relógio marca 17 horas, uma felicidade com uma mistura de cansaço ocupa cada espaço do meu corpo.
 Felicidade por estar indo pra casa, cansaço por um longo dia de trabalho. 
Vou me aproximando da praça xv. 
Escuto o primeiro sinal que a barca está próximo a sair, corro. Segundo sinal, e o X piscando em vermelho. Corro tanto que meus pés batem bunda. Meu Deus, vou perder a barca.

Ufa, consegui! Poxa, vou em pé! 
Mas pelo menos vou na porta, olhando toda essa paisagem linda.

Quando a barca está se aproximando de Niterói, olho para o lado direito e me deparo com a orda da UFF no Gragoatá. 
Muitos alunos sentados ali, mas não estão fazendo balbúrdia. Que engraçado! Achei que todos alunos da UFF faziam balbúrdia.

Soube que tem uns alunos de jornalismo que escrevem em um blog, até eu já entrei nesse blog, eles são bons. Mas será o que eles estão fazendo ali? Aposto que eles estão debatendo quem é a tal da Leena que sempre faz bons textos e comenta em tudo. 
Nossa, vou confessar que até a minha curiosidade é grande. 

Ui, que droga! Uma batida forte quase me fez cair agora. Meu celular caiu no chão. 
Bom, é melhor guarda-lo para sair da barca, não quero ter que entrega-lo para o ladrão ! 
Luz Luar

Ela Partiu

  Eu não sou uma mulher de muitas histórias extravagantes ou emocionantes. Na verdade sou bem caseira e gosto de fazer coisas simples, como ler livros e ver séries ("esses millenials", consigo ouvir na sua mente). Mas nesse dia foi algo tão inesquecível e especial que merecia ser exposto.
  A ponte rio-niterói, um monumento tão comum para os moradores fluminenses. Com seus incríveis 13,23 quilômetros de extensão e uma "corcunda" que faz parecer com um gato se despreguiçando. O cenário dessa curta porém linda história.
  Estava eu cruzando a ponte para visitar minha querida vovó que mora em Campo Grande, já que eu sempre morei em Niterói, isso era algo comum. Mas aquela hora do dia estava tão linda, tão colorida. O céu com poucas nuvens, os barcos deixando seu rastro branco naquele oblívio azul das águas da Baía de Guanabara e todas aquelas máquinas e navios retirando contêineres só completam um quadro perfeito.
  No meio do caminho eu escuto minha música favorita começar a tocar no rádio: "Azul Da Cor Do Mar" do Tim Maia. Um clássico absoluto. Tim Maia é o rei da música brasileira, falo com tranquilidade. Mas enfim, eu me transportei para outra dimensão. Okay, isso ficou estranho dizer no meio de uma história pé no chão como essa. Mas acredite em mim.
  Vou repetir, já que pareceu muito fora de contexto: Eu me TRANSPORTEI para outro mundo. Um mundo em 1970, o ano que foi lançada a música. A ponte iria ser construída 4 anos depois. Então estava eu flutuando encima de uma baía sem nenhum tipo de construção, enquanto um filtro sépia tomava conta de todo o ambiente.
  Eu me senti no filme "Peter Pan", a música ecoava no fundo e me fazia flutuar ainda mais. Eu poderia sentir nostalgia de um tempo que não vivi. Mas quando estou prestes a sentir prazer, me lembro de tudo que estava a ocorrer no Brasil naquele ano. No ano retrasado, 1968 (ano que meu pai nasceu), foi aonde tudo foi perdido. Não tinha o que comemorar.
  Eu parei no meio do caminho e enquanto eu deslumbrava minha vista, onde se você me visse de longe eu seria um pontinho no meio de um quadro da baía, separando as duas metrópoles de forma harmoniosa, mesmo que extremamente sutil.
  Meus olhos reviram e vejo vários flashes de pessoas sendo torturadas. Essa parte foi a pior. Foi então que o filtro sépia foi se tornando cada vez mais colorido. Era isso, eu estava voltando para o presente. Comecei a ver a ponte sendo construída de uma forma rápida, igual aqueles "timelapses" que a gente vê na internet.
  A cor voltando foi a democracia voltando, a esperança e a felicidade das pessoas.
  Voltei para o presente assim que a música acabou. Eu com meus 13 anos não sabia de muita coisa, o que queria da vida e tudo mais. Mas vejo que aquilo foi mágico de verdade.
  Cada vez a cor que nos domina vem se perdendo com a ignorância e a hipocrisia. E todo mundo sabe que sépia é o filtro mais cafona que existe.
Viúva Negra

Lugar ao Sol

Numa quarta feira ensolarada tenho a notícia de que não teremos aula de sociologia, sem muitas coisas a fazer até a aula de história, penso num local para descansar e refletir. Então vou ao gramado do Gragoatá perto da Baía de Guanabara, na companhia de uns amigos para descansar e conversar. Me deparo com uma linda paisagem com vista para a ponte e também para o Rio de Janeiro, aquela Baía de Guanabara que o faz pensar que seja uma infinidade, porém o que mais me chama atenção é o por do sol que ali está com sua beleza quase que inexplicável, não há adjetivos que possam explicar o que essa cena passa uma sensação de perfeição e de privilégio por poder apreciar uma coisa como essa.

Uma sensação de bem-estar e que ali é o seu lugar apreciando aquela paisagem maravilhosa, nós da Uff poderíamos nos considerar privilegiados por ter algo do tipo em nosso “quintal”, estar ali no gramado literalmente ter um lugar ao sol e poder se acomodar com uma cena linda, um “fenômeno” como esse o faz imaginar diversas coisas e o faz pensar como o mundo tem sua perfeição e o por do sol é um deles.
Lele do Pistinha

Paisagem em movimento

Eu, particularmente, odeio rotina. Fazer tudo igual todos os dias me deixa inquieta, louca por uma mudança, esperando que algo diferente aconteça. Mas estou chegando à conclusão de que minha vida é muito chata e nada acontece. Talvez por isso (ou porque meu celular está sempre descarregado), quando estou em um lugar com muitas pessoas, imagino como são suas vidas e o que estão fazendo.

Meu cenário de todos os dias é a Baía de Guanabara. É incrível como uma paisagem, aparentemente estática, consegue ter tanto movimento. Olhe para aquele carro preto atravessando a ponte, por exemplo. Talvez dentro dele um casal esteja conversando sobre os planos para o seu casamento, enquanto vão em direção a casa dos pais da noiva contar a novidade. Será que eles aprovam? Agora veja aquele branco. Talvez seja um Uber e os passageiros estão tendo uma discussão sobre o último filme dos vingadores, enquanto o motorista tenta desviar a atenção já que ainda não assistiu. E aquele vermelho? Talvez dentro dele tenha uma criança passando mal e sua mãe está nervosa ao volante. Pode ser por isso que dirige com uma velocidade mais acelerada. Um táxi atrás de um carro azul marinho. Só consigo imaginar uma cena de novela em que o protagonista diz ao taxista a frase que eu sempre quis dizer: siga aquele carro!

Não se engane em achar que a vida só está concentrada na ponte. Olhe abaixo dela (se não tiver medo de mar). Imagina quantas raias, polvos e cavalos marinhos, dentre tantas espécies, vivem ali. Mas admito que, como meu conhecimento em relação a vida marinha se resume a Procurando Nemo, imagino basicamente peixes palhaços morando em anêmonas e vários animais coloridos nadando tranquilamente.

Talvez para dar um pouco de realismo às minhas fantasias também penso nos perigos que possam estar acontecendo. Nesse momento um homem pode estar jogando uma garrafa de plástico na água, invadindo a moradia de tantas espécies. Agora mesmo, um garoto pode estar roubando os pertences de um motorista, deixando-o com medo.

Um milhão de situações podem estar acontecendo nesse exato momento naquela ponte, naquela barca, naquele mar. Ou não. Talvez todos estejam indo ao trabalho ou à faculdade viver o dia de ontem novamente. Mas você não conhece essas pessoas mesmo. É só usar sua criatividade e ter um celular descarregado que você vai ter tempo suficiente de inventar vários filmes com a mesma locação e personagens com personalidades bem diferentes. Afinal, quem disse que paisagens não tem movimento?
Sharpay Evans

O céu ensina

Sento naquele gramado. Milhares de sensações boas já começam a surgir. A lembrança do dia que sonhei estar ali, com certeza, é uma delas. Começo a admirar uma das visões mais belas que já pude contemplar. E, em meio à tantas coisas incríveis, sabe o que mais me fascina?! Sem dúvidas, o céu.
Sua beleza é indiscutível, mas suas significações, nem tanto. Não é à toa que ele recebe diversas interpretações, sejam elas religiosas, científicas ou mitológicas. Mas minha intenção não é defender uma delas, e, sim, mostrar o que ele representa pra mim.
Durante um dia ensolarado, seu azul claro me devolve a tranquilidade e a harmonia que a correria do dia a dia leva. Quando o tempo fecha, sua escuridão me traz esperança. Parece loucura né? Mas pensa bem, meu caro leitor, se até o céu tem seus dias ruins, quem sou eu pra estar imune de uma tempestade? Além do mais, ele me ensina que tudo passa. Afinal, todos nós sabemos que depois da chuva sempre vem o arco-íris.
Não posso deixar de falar do céu noturno. Ah, essa, com certeza, é a versão que mais me encanta. Suas estrelas me trazem nostalgia e, convenhamos, que sentimento bom né? Me lembro de como admirava as estrelas e, numa tentativa falha, começava a contá-las. Olhar o céu estrelado, pra mim, é recordar daquela criança que sonhava sem olhar para os obstáculos.
Percebo que deveria parar mais para admirar as múltiplas belezas do céu e as lições que cada uma de suas versões pode trazer. Sabe aquela história que a gente sempre ouve de que os mais velhos têm muitas coisas para nos ensinar? Talvez, seja verdade. Afinal, o céu me ensina e ele chegou a esse mundo muito antes que eu.

Felícia Rockfeller

De: Miguel Pereira. Para: Niterói

Cerca de 1 milhão de veículos atravessam a Ponte Rio-Niterói toda semana. Dentro de um deles está Pedro. Nascido na rua Cipriano Gonçalves, Miguel Pereira, o filho único de Dona Carla e Seu Mário não era um menino comum. “É esquisitinho esse garoto, né?” - comentava a vizinhança fofoqueira. Desde pequeno ele sabia que era diferente das outras crianças, mas nada disso importava, pois tinha 3 vizinhos e melhores amigos que faziam sua vida caminhar normalmente. Seus 3 amigos, inclusive, estavam ao seu lado quando o neuropsiquiatra o diagnosticou com Asperger.

“Autismo? O menino da Dona Carla não tem isso não. Autistas não são aquelas pessoas que ficam balançando a cabeça sem parar?” - indagavam os vizinhos. Mas Pedro era mais do que só autista, ele era nerd. Muito nerd. Ultra nerd. Daqueles em que a decoração do quarto é do Senhor dos Anéis, o material escolar é do Batman, a capinha do celular é do Harry Potter e suas camisas misturavam tudo e um pouco mais. Pedro vestia sua personalidade.

2015. Ano de se despedir da sua rotina e encarar uma nova. Tudo bem, tudo bem, seus amigos foram com ele para a UFF e moraram os 4 na mesma casa, mas só Pedro foi cursar história. Novo centro de ensino. Novas pessoas. Novos professores. Novas interações sociais. Novo. Tudo na faculdade era novo para o garoto que sempre foi protegido pelos pais e pelos amigos. Na faculdade ninguém ia parar de bater o pé no chão porque sabia que ele tinha sensibilidade ao som. Lá ninguém ia achar normal ele querer se isolar. Lá iriam pedir para ele se acalmar quando estivesse falando rápido quando, na verdade, estava falando em sua velocidade usual.

“Mas eu vi Atypical na Netflix, saberia lidar com um autista” - falavam os colegas de classe. Porém, ninguém sabia que Pedro tinha Asperger, para eles, o menino era só meio esquisito (mesmo ele sendo completamente normal). Nosso protagonista decidiu manter seu diagnóstico consigo, viver enfrentando um desafio a cada dia, surfando no rio formado por seu choro, mas que ele sabia que, um dia, o levaria para uma praia calma.

Há 4 anos e meio o menino atravessa a Ponte toda sexta-feira voltando para casa. E está quase acabando. Ele sabe que vai voltar um dia, afinal seus amigos decidiram continuar morando do outro lado da poça, mas, por enquanto, era um adeus. Dentro de seu carro (que tem no encosto do banco um desenho do Capitão América e, na lixeirinha, a Tardis) o garoto reflete. Jamais sentirá falta da ansiedade que o acompanha pelos corredores, mas quem sabe sentirá falta da Ponte. Esse quase historiador sabe que, por semana, mais de 1 milhão de histórias passam por ela. E ele só queria ter a oportunidade de ouvir uma delas.
Jussara Sri Lanka

Um olhar...

     Um olhar profundo e perdido vagando à procura de algo. Ao olhar para o céu, em busca de uma luz, avistou uma estrela e sob o reflexo da lua, enxergou sua alma e a imensidão do brilho de seu olhar. Olhar esse, que nunca vira mais puro e iluminado. Esse olhar, ainda é o mesmo que reflete sua perdição e alucinação, mas também espelha seu coração, que mesmo angustiado e em desespero, persiste em procurar uma imagem, avistar uma miragem perfeita, um resultado. Um fim que seja perfeito, ou melhor, aceitável aos outros olhares e corações, que hoje, não são mais tão puros e simples.
    No fim, tudo vai dar certo, talvez não hoje, mas precisa ser hoje? Que preocupação é essa com o tempo? Eu por exemplo, não tenho tempo algum, aqui e agora eu sou infinito na vida que se faz presente, sou eterno na fluidez do meu próprio pensar. 
    Então...não julgue-se, não pense em tudo, não planeje coisas ainda fora do alcance, não procure respostas em tudo, apenas viva e sinta. Porque no final, que na verdade será seu começo, você vai perceber que todo o lindo reflexo da paisagem não era nada além de si mesmo. As imagens que buscava por fora, estavam ali...do lado de dentro. A sua simples essência de ser, já é e sempre foi, o reflexo da sua miragem perfeita naquele céu de perdições. 

Shakespeare Iludido

Porta aberta

      Paisagem. Câmera. Fotografia. Xis. Click. 
      A minha foto ficou boa. O sol tímido, mas brilhante, tá no canto esquerdo e insiste em se esconder atrás das nuvens. A ponte continua com seus pontinhos de luz atravessando-a. O Pão de Açúcar tá logo ali, me fazendo lembrar que antigamente era “Pão de Assucar”. E o Cristo. Ah, o Cristo é só o cristo pra mim.

      Meu quarto é daqueles tipo tumblr- cheio de fotos penduradas em um varal. Essa foi mais uma que botei no “cordão de luz” - como chamam o meu varalzinho. Essa foi mais uma que me permiti encontrar uma história para ela:

      Pronto. Tô na orla. Deveria sentir alguma coisa? O vento batendo na minha cara só porque não posso revidar? Meus pelos pra cima por conta do frio? As formigas passeando pelas minhas coxas como se fossem estradas? A brisa do pessoal aqui do lado? O repelen.... Foca, Gato. Você não pode ser tão objetivo. Vá além dos clichês que os cartões postais do Rio já fazem. Pensa em alguma coisa, não precisa ser brilhante, só precisa ser. O que mais tem para falar? O cheiro da Baía? A Ponte de 72 metros? A diferença entre a barca velha e a nova? 

      Ih. Tem um avião voando aqui. Meu Deus. Ele tá muito perto. Gente... Vocês têm medo de avião? Porque assim... Se esse avião cai, ele cai na Baía e aí, as pessoas, além de caírem, vão se afogar. BATATA! - fazendo relação com a macarronada, mas sem queijo e presunto.
Pessoas.

      Alguém já deve ter escutado que eu não gosto de pessoas. Então, oi, eu sou o Gato. Mas não sejamos tão literal. Só não gosto da maioria. Pode soar estranho, já que faço Comunicação, mas isso vai para outro papo. O fato é que pessoas surgiram no mundo, seja pela vontade de Deus, seja pela do Universo. Animais racionais, porém ignorantes e onde habitam. Presta atenção porque agora entro no assunto. Sabe aqueles pixels da foto? Os menores pontos que formam a imagem? É isso! São as pessoas. As esquisitas. As inteligentes. As trabalhadoras. As. 

      Eu vejo o Ronaldo acordando três da manhã no Rio, pegando o carro cinco para conseguir atravessar a ponte seis e chegar no trabalho sete. Eu vejo a Gabriela no ônibus, com seu fone de ouvido - provavelmente escutando um Tim Maia -, sentada no banco que o sol bate e rindo, rindo pra quem passa, rindo para o celular. Eu vejo o Fernando com uma farda de militar, odiando vestir aquilo nesse momento político e representando quem não o representa. Eu vejo a Patrícia de salto alto e batom vermelho que aguenta todos os dias o assédio do chefe. São muitos que conseguem ser poucos. Ninguém os vê. Sempre preferimos olhar para fora. A França fez a Revolução Francesa. A Inglaterra, a Industrial. Os Estados Unidos, a Americana. E, nós? A de 64? Nunca! 

      Somos grandes. Fomos sucateados pela colonização, pelo capitalismo e pelo nosso próprio governo. Só que temos muito. Olhar para a Baía é lembrar de toda uma história e potencializar o brilhante turismo que temos. Eu sempre fico puto porque, quando viajam para fora, encaram como a coisa mais inesperada possível. EI, OLHA PARA ESSA PAISAGEM. QUANTAS DELAS TEMOS NO BRASIL? É tudo tão diverso, tão rico, tão nosso. Como podemos ter uma crise de identidade? 

      Martha, Tarsila, Chiquinha, Hebe, Carmen e Zuzu.
      Oscar, Caetano e Paulo. 
      Estes importam. Estes ficam. Estes são e serão.

      A foto representa muitos brasileiros.
      Aqueles que morreram construindo a Ponte. 
      Aqueles que se suicidam.
      Aqueles que não tem dinheiro para visitar o maior símbolo do estado.
      Aqueles que sabem que o melhor de Niterói é a vista para o Rio.
      O meu Brasil é o seu também. 
      Com os erros. Com os acertos
      Seja Bem-Vindo. 

      Toc, Toc. 
      Pode entrar se quiser. 
Gato de Botas

Descaso

A complexidade dessa paisagem se esconde por trás de uma simples baía e de apenas uma ponte de concreto. Eu vejo águas que escondem histórias tão diversas e interessantes, mas nunca irei ouvi-las. Dos primeiros contatos com os humanos, quando foi denominada de guana (seio) bara (mar) – mar do seio – pelos índios, até as várias visitas de agentes da prefeitura prometendo acabar com a poluição no local.
Seu nome original fazia uma referência a seu formato, mas também, principalmente, à fartura de pesca que o local proporcionava. Hoje, eu olho para a baía e percebo sacolas plásticas, esgoto, latinhas de alumínio e outros tipos de lixo. Nada como antigamente. Os peixes presentes estão contaminados e doentes. Os golfinhos estão morrendo em quantidades enormes. As tartarugas nunca mais vi.
Eu olho e imagino a realidade de algumas décadas atrás – um barquinho com um pescador, bem humilde, em busca de algum fruto do mar, evitando que sua família passe necessidade. Penso no seu dia a dia, ele sai bem cedo e faz várias viagens, pescando e apreciando a fartura do local, agradecendo por existir um lugar desse. Volta remando bem devagar, mas não antes de apreciar aquele pôr do sol. E que paisagem em?! Divina, encantadora, e ela só fica mais bonita. Isso já não existe mais. E se existe, não é da mesma forma.
Hoje, a gente tem a barca Rio-Niterói, mas ela não está ali para desfrutar o que a baía tem para oferecer. Ela faz a sua função, claro. Algo monótono, automático e poluente. Com passageiros cansados e apressados, num sistema que não percebe os peixes mortos e os cascos de tartarugas quebrados pelo caminho. O pôr do sol é difícil não perceber, mas apenas algumas fotos são tiradas para exibir no instagram. E no outro dia é tudo igual.
Quantas crianças vão nascer, crescer e ouvir histórias que isso aqui era onde a diversão acontecia. Várias Marias e Camilas imaginando os fuscas estacionados na orla em 1970, e seus donos fazendo um churrasco enquanto iam se refrescar em águas limpas, com peixes e aproveitando o frescor da maresia.
Eu estou aqui, de frente para a Baía, pensando na sua história e na sua origem. O que ela passou, quase morrendo, quando os humanos tomaram conta da sua individualidade, da beleza e da praticidade que ela oferecia de bom grado. Queria poder pedir desculpas a Guanabara, o mar do seio, por não poder fazer nada enquanto nos aproveitamos da sua fartura.
Austen dos Anjos

Essência

Observo o céu e toda sua palheta de cores, neste horário em especial que, colorem o céu em seus tons de vermelho, brevemente lilás. Essa palheta de cores que, por alguns momentos refletem em minha pele o tom alaranjado que me lembra ouro.

Explicar o que sinto ao ver esse cenário, quando na verdade eu só sei sentir o meu eu, exalando tudo que há em mim, é um tanto complicado. Toda essa pintura, minimamente perfeita. A reflexão do passado e todas passagens de tempo, marcando o meu presente. A luz do sol, a estrela do nosso planeta, chega aos nossos olhos alguns minutos depois, logo, já não está presente quando a vemos. Concluo que ainda é distante o caminho que nos leva ao tempo.

É estudar, mesmo sem querer, o meu eu ao observar tudo a minha volta, a ponte e suas histórias histéricas dentro de um carro ou lá atrás quando foi construída. Quantas vidas já passaram por lá? Quantas histórias jamais serão contadas do outro lado do estado?

No mar eu vejo todo o caos e paz que existem em um ser humano, toda dualidade presente em cada um de nós. Ponto seguro quase, onde eu me sinto onde realmente estou, onde minha ausência é tudo o que sou e aceito tal fato. O tempo passa, mas eu não o sinto aqui e agora, eu sinto minha pasárgada, o lugar para onde fujo e nem a distância me alcança. Eu sinto paz e me sinto, na minha verdadeira e pura essência, que sente muito por não poder escutar todas as histórias de todas as pessoas que estão sentadas neste gramado agora.

As luzes artificiais já iluminam levemente o ambiente e a lua está quase refletindo na imensidão azul que ressignifica o infinito, mas com limite. Como diria Vinicius de Moraes:
“Todos os momentos estão passando e todos os momentos estão sendo vividos”

É paz, confusa e imensa, livre e solitária. São memórias e segredos escondidos em cada alma que compõem o ambiente, é a vida. Apenas gratidão a essa insanidade incrivelmente inexplicável que é viver.
Eleonor Dummont

Minha Galáxia

Há quem tem aquela ideia de que o dia é mais bonito. O pensamento de que um belo dia azulado, de Sol a pino no céu limpo, traz alegria. Há quem prefira o final da tarde. A espera pelo crepúsculo perfeito, o laranja vívido que parece tomar toda a visão, seguindo um degradê maravilhoso. Apaixonante, sei disso. Reparo, porém, em um grande preconceito com a noite. Fria, sem graça, sem vida e sem luz.
Eu, particularmente, discordo. Tenho pena de quem não vê como a mesma é reveladora. É a parte do dia em que as pessoas desabrocham, como as estrelas que se escondem o dia todo para, então, sair. É no escuro que todos mostram sua verdadeira essência, não cabem julgamentos ou ofuscação. O que seria de nós sem as sextas à noite? É o momento em que os jovens se libertam, os adultos chegam em casa e podem finalmente falar “Ufa”.
Quem fala que é fria, nunca experimentou a paixão e euforia -ou cachaça- de um povo animado. Aquele que exclama que é sem graça, nunca ouviu ou se deu conta de que as melhores histórias acontecem quando ninguém vê. E se diz que é sem vida é por que nunca participou de nenhuma dessas história.
Sem luz, tem certeza? Sei que a fumaça é um empecilho nessa Rio-Niterói, mas cidades grandes têm seu charme. Olhe de novo. A bela confusão do que é corpo celeste com o que são luzes dos prédios. Os carros podem ser facilmente comparados a meteoros, bolas de fogo rápidas que percorrem uma trajetória unidirecional.
Quem escolhe ver prédios ou estrela somos nós. Fato é: o escuro ressalta o brilho.

 “O que você faz quando ninguém te vê fazendo, ou o que você queria fazer se ninguém pudesse te ver?”
Capitu Oblíqua

Quem vai quebrar?

Posso mentir e dizer que gosto desse jeito. Com o chão tremendo de qualquer jeito. Nessa vibração sem ritmo, métrica ou sonoridade. Posso confessar e falar que detesto tudo. Esse desequilíbrio, o arrepio e o suor sequencial. Mesmo assim, o que me faz calcular a altura, o tempo e impacto, meu estado não justifica. Disseram-me que essa tristeza vem da falta de Deus, não do pedágio. Mesmo beirando as 5 pratas. Posso concordar e aceitar Jesus em cápsula todo dia. Com o sono de muitos dias. Nesse cansaço sem ritmo, medida ou energia. Vou comprar mais frascos, pedir que Deus supra minha falta de hormônio que nada, eu juro que nada, tem a ver com as 5 pratas, o ar-condicionado, o tempo perdido e a distância de casa para vida. Ou a distância da ponte para água. Posso fingir e criar leituras bonitas de como três horas pro mundo te faz viajar. Com subjetividade adquirida a longo prazo. Sem o boleto, a hérnia, e a certeza de que tudo começa do mesmo jeito que terminou. Eu posso muitas coisas, faço pouquíssimas delas. Mas minha pílula não guarda Deus, o motorista não dá bom dia e esse cara não fecha as pernas. E quem se atreverá a quebrar o ciclo?
Dominique Casanorte

Esconderijo a céu aberto

    Tenho pena do leitor que não pode te ler como eu leio. Em cada mente vai ter um você diferente do meu, uma gota da sua essência moldada ao espelho de cada um. Mas não é isso que são as histórias? Ora, os escritores são meros provocadores de pensamentos. O verdadeiro autor é quem dá vida ao cenário na própria mente. As palavras escritas no papel são só o roteiro, livre para ser moldado ao panorama de quem vê. Pode ser abstrato ou concreto, real ou fictício, no plano das idéias ou a alguns passos de nós.
   Aquele era o seu lugar. Depois virou meu também. De muitos. Palco onde diversos atores e atrizes protagonizam sua peça do dia a dia. A grama pontiaguda e a infinitude  de insetos fazem-se convidativos àquela variedade de autores. Fuga do mar de concreto, da burocracia, da obrigatoriedade.  Recanto - que de pequeno não tem nada. Um esconderijo a céu aberto que todos querem chamar de seu.
   Talvez seja o calor do sol de fim de tarde que envolva o coração e transporta-nos para uma outra atmosfera onde se fala o que sente, quando em grupo. Mas tem gente que vem só e se conforta com a noção de continuidade ao olhar o caminho cintilante que o reflexo do sol percorre na água até a linha do horizonte. Essa água tremeluzente, dançando no ritmo dos ventos, convidando a adentrá-la. Tão perto e tão distante ao mesmo tempo, mergulhar de cabeça é fatal. 
    Nesse momento, você me olha. Igualmente convidativa, igualmente imprevisível. A luz dourada realça as mechas mais claras do seu cabelo e os detalhes do seu rosto. Seus olhos sempre  tiveram esse desenho? De uma hora pra outra, tornam-se tão brilhantes quanto as luzes da ponte Rio-Niterói brilhando ao fundo.
    Me pego imaginando se o pôr do sol nos olhasse, o que ele pensaria. Se lesse nas entrelinhas das nossas expressões e encontrasse o não-dito. Será que nos deduraria? Poderia ser nosso cúmplice. O produtor de todos esses espetáculos. Afinal, quem somos nós sentados nesse tapete verde se não meros figurantes, fazendo parte desse cenário que é a própria vida?
Toninho Rodrigues

Ondas

   Eu havia acabado de me formar. Uma pequena poça em comparação ao que hoje eu me tornei. Me lembro dos animais que vinham se refrescar em mim. Dos gigantescos mastodontes, aos pequenos roedores, todos bebiam e molhavam-se em minhas águas. Mas de todas as visitas, a visita dos meus dois amantes era a minha favorita.
  O primeiro era brilhante. Do alto de seu trono celeste, ele irradiava sobre mim o seu calor. Gostava quando a sua luz atravessava o meu corpo e era retratada e refletida. Me presenteava com o céu do mais lindo azul, devorado com nuvens brancas. A distância nunca permitiu que pudéssemos conversar, mas quando ele se punha ou nascia, parecia estar tão próximo que eu nem ligava de não poder falar do meu amor.
   A segunda não tinha um brilho tão quente quanto o seu irmão, era mais gelada, mais serena. Mesmo assim, o magnetismo que ela exercia sobre mim me deixava arrepiada, me enchia de ondas. O irmão me dava de presente o céu azul, mas a minha amada me enchia de estrelas, nebulosas e cometas. Não conseguíamos tampouco conversar, pois embora mais próxima, o horário não era adequado para diálogos.
   Um dia o Oceano decidiu que era a hora de eu crescer. Me encheu com suas águas e fez com que eu tivesse que ocupar mais espaço. No começo fiquei triste por ter que perder todos os amigos que viviam ao meu redor. Mas quando olhava para cima, percebia que haveria mais de mim para amar e ser amada por meus amantes. Mais de mim para retratar, refletir e sentir o magnetismo.
   Logo depois chegaram os primeiros homens, os que andavam pelados. Usavam suas pequenas canoas sobre mim para pescar, e construíram suas casas a minha volta. O tempo passou e eles começaram chamam a mim e aos meus amados, por nomes que ainda não tínhamos. Nos enchiam de adoraçôes, cânticos e oferendas. Eu correspondia da forma que eu conseguia, presenteando-os com peixes e chuvas refrescantes, conseguia sentir o amor deles por mim, mesmo que não falassem diretamente.
   O tempo passou e outros foram chegando. Primeiro os brancos de fala engraçada, em suas canoas gigantes, canos não, navios. Isso, navios. Logo esses trouxeram outros, de pele mais escura. Esses tinham feições tristes, mas deles eu podia sentir um calor tão grande quanto o do meu amado. Todos os homens que chegavam começaram a me chamar de nomes novos e me adorar de formas diferentes. E assim, o tempo passou.
   Hoje eu sou chamada quase que por um nome só. Eles construíram cidades enormes a minha volta. Na epoca sombria, construíram uma ponte que juntos com as barcas os ajudam a me atravessar. Consigo sentir todos, antes tão poucos, agora milhares. Milhares de histórias e lutas. O mundo mudou tanto desde que eu era uma lagoa. Eu mesma as vezes nem me reconheço mais.
   Com o tempo acabei ficando suja com os esgotos que eles construíram aqui e ali. Mas não os julgo, entendo que as vezes tomamos decisões equivocadas. Não concordo muito com as decisões políticas dele. Mas a mudança sempre vem.
   Mesmo assim, com todas essas mudanças, o meu amor e dos meus amados é o mesmo. Claro que hoje não consigo sentir tão bem o calor dele ou enxergar as estrelas dela. Mas os dois sempre me ensinaram que o amor não precisa ser dito ou demonstrado o tempo todo. Ele só precisa ser sentido.
Com amor, a Baía de Guanabara. Transcrito por 
Eclipsa B