sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Não se pode banhar duas vezes no mesmo rio

Verão carioca quente e úmido. Cenário perfeito para aproveitar a máxima beleza
natural: a praia. Não, dessa vez faremos uma viagem em família para um destino
também ensolarado. Começamos pela visita a pontos turísticos e compras pelo centro da
cidade. O momento mais esperado pelas crianças chegou: parque aquático. O itinerário
ficava a escolha dos pequenos. Vamos nesse. Não, quero ir no outro. No entanto, os
adultos mantinham a palavra final. Vamos tomar sorvete, mas só depois do almoço.
Depois do descanso um novo brinquedo. Eu com espírito de leão - não pelos astros - por
vocação disse: vou primeiro. Subo correndo as escadas do toboágua. O instrutor explica
que o escorregador é fechado e cairia direto na água, estava explodindo em empolgação
para prestar atenção. Enquanto deslizo, planejo o impulso que daria ao tocar o fundo da
piscina e imagino a próxima atração. Tinha uma que parecia ser bem legal no caminho.
Estou submersa. Busco colocar os pés no piso. Não consigo alcançar. Paraliso. Escuto
meus batimentos como os de um bebê no ultrassom. Estendo os braços na tentativa de
chegar a superfície, afundo. A água vai entrando. Abro meus olhos. Tudo é azul e turvo.
Estava com tanto medo e tudo parou. De repente, vejo um borrão vermelho vindo na
minha direção. Isso é morrer: sem anjos ou luz branca para guiar? O que seria minha
prece final foi interrompida por uma enorme mão a me puxar. Do lado de fora, num
misto de embaraço e euforia, cresce a dor latente de água no nariz. O salva-vidas
pergunta se estou bem, balanço a cabeça e corro para os braços de minha mãe. Alguns
minutos depois do susto retomamos as atividades do dia. O tempo é tão diferente
quando se tem nove ou dez anos. Heráclito estava certo. Pela manhã, estava imersa mais
uma vez, só que agora apenas na minha cama.

Brás Cubas 171

Quieta, no banco de trás.

Ela desceu no elevador do prédio, como sempre, afrouxando o rabo de cavalo bem
alto e apertado que seu pai fazia lhe repuxando a testa toda. Foi, como de costume, esperar o
carro que vinha buscá-la para ir à escola. Esperou o tempo passar, brincando com o porteiro,
sempre muito paciente, de jogo da velha e adivinhação. O carro chegou e a senhora que
dirigia dessa vez não estava sozinha. Levou seu filho para ajudar com as crianças. Alto,
branco, magro e de nariz grande. Observações da menina, que entrou e sentou no banco de
trás, logo atrás do carona. Sempre era a primeira da rota e o rapaz conduzia o carro desta
vez.
No dia seguinte, o rapaz estava sozinho e, durante a viagem, a menina olhava através
da janela o dia começar a acontecer e a cidade a ficar movimentada novamente. Foi quando
sentiu a mão do rapaz em sua perna. Olhou para ele, acreditando estar sendo chamada, mas o
mesmo não desviou os olhos do trânsito. Aquela mão enorme, se comparada a da menina,
permaneceu ali. Nunca foi de falar, então permaneceu em silêncio, sem entender a natureza
do toque, que avançou para a beira de seu short-saia azul da escola. Um desconforto tomou
conta da menina ao se sentir tão vulnerável, impotente e exposta. Claro, não sabia na época
identificar esses sentimentos, só sabia que algo estava errado. Ele recolhia a mão apenas
quando necessário ao dirigir o veículo. Um toque frio e desconcertante, que fazia a menina
quieta desejar cada vez mais a entrada da próxima criança no carro.
A menina não comentou com ninguém sobre os toques e caricias. Não via motivo
para importunar seus pais com algo que ela nem sabia dizer o que era. Estava sabendo lidar
com a situação, afinal de contas. Era só se desligar durante o caminho e fingir que não era
com ela, mandar a imaginação para outro lugar e observar, quieta, a cidade acordar enquanto
a mão do rapaz deslizava por debaixo de seu uniforme. O episódio se repetiu por alguns
dias, fazendo com que ela já não ficasse pronta na hora, sempre torcendo para o carro seguir
seu caminho sem ela que, com o atraso, seria levada por seus pais, mas não obtinha muito
sucesso em sua estratégia.
Um dia combinou consigo mesma, em frente ao seu espelho cheio de adesivos, que
não iria mais sentar naquele lado do banco. Decidiu que não era bom sentir vulnerabilidade,
impotência e todas aquelas coisas ruins que não sabia nomear. Desceu, esperou e entrou no
carro, logo mudando de lugar. Foi questionada pelo rapaz, que dizia para ela não sentar atrás
dele e, sim, atrás do banco do carona, como sempre. Ele dizia que dali não conseguia vê-la,
quando, na verdade, não conseguiria tocá-la. A criança permaneceu onde estava, quieta. O
rapaz aceitou, percebendo que ela já tomava consciência de seus atos. Os toques daquela
mão grande e fria pararam, quando a menina continuou escolhendo o outro lado.
A criança, sempre quieta, permaneceu quieta. Aconteceu, mas não lhe feriu o físico.
Na verdade, não entendia o que aconteceu. Não teve pesadelos e o rosto do rapaz não
assombrou sua vida, como acontece nos filmes. Então está tudo bem. Ela foi só mais uma
quieta no banco de trás.

Edmundo Pevensie

A família do andar de baixo

Quando eu era pequeno, morava com meus país e meu irmão no segundo andar do meu prédio, logo a abaixo da gente, no primeiro andar, morava tia Karla com o tio Léo e seus três filhos; Laís, Talíta e João. Por eles morarem exatamente em baixo da gente, nós conseguíamos ouvir tudo o que acontecia na casa deles, as brigas, as discussões, as comemorações, enfim, tudo. Eu, Laís e Talíta eramos muito amigos, tínhamos mais ou menos a mesma idade e costumávamos brincar juntos no play do nosso prédio, isso faz com que a história que vou contar para vocês se torne mais horrível para mim, do que ela já é naturalmente.
Um belo dia das férias eu estava em casa com a minha família, não lembro o que estava fazendo, provavelmente alguma coisa de criança, como brincar com bonecos ou ver desenhos na televisão, de repente começo a ouvir gritos, não soube na hora de onde vinham, mas logo percebi que eram gritos das minhas amigas que moravam no apartamento de baixo. Naquele momento meu coração acelerou, olhei para os meus pais tentando entender o que estava acontecendo, minhas amigas estavam desesperadas por algum motivo. De repente, depois de muitos gritos, ouço tia Karla gritar soluçando "Leonardo para, por favor, para", logo depois barulhos de vidro quebrando e mais gritos, nesse momento eu entrei em desespero, o que estava acontecendo na casa das minhas amigas ??? O que tio Léo estava fazendo para sua família estar tão desesperada??? Os gritos continuaram, e comecei a ouvir minhas amigas gritando "Pai, para pai, pelo amor de Deus para" seguido de barulhos que pareciam ser de tapas. De repente me dei conta do que estava acontecendo, tio Léo, o homem de família, o bom moço que todos no prédio conheciam, estava batendo na sua mulher e nos seus filhos, sem a menor pena. Comecei a chorar e implorar aos meus pais para irmos la ajudar, minha mãe só me abraçou e tampou meus ouvidos para que eu não ouvisse o que estava acontecendo. Infelizmente não adiantou tampar meus ouvidos, continuei ouvindo os gritos de desespero, os socos, os tapas e as coisas quebrando.
Aquele dia me traumatizou para sempre, não tem como descrever o sentimento que é ficar ouvindo uma mulher e seus filhos serem espancados, pelo próprio pai e marido, sem que você possa fazer nada para ajudar, simplesmente ficar sentado no sofá, rezando para Deus que aquilo acabe logo. Infelizmente aquela não foi a única vez que isso aconteceu, quase todo final de semana era comum tio Léo chegar bêbado em casa e agredir sua família, e eu uma criança sem muita consciência do que fazer, ficava parado ouvindo tudo.

Oswaldo do jae

Amanda Valente

Uma garota feliz. Feliz e azarada. Acho que assim podemos definir Amanda. Na sua
vida, a menina colecionou momentos que ficariam guardados na memória de qualquer
um, inclusive do leitor.
Só que, claro, momentos inesquecíveis não é sinônimo de coisa boa. Podem ser
traumáticos. Amanda viveu, no Brasil, a década de 90, era que seria dourada para uma
criança. Contudo, era um país que sofria uma grave instabilidade desde os anos 80.
Hiperinflação.
Garota inteligente. Depois de anos sendo uma das primeiras da classe no colégio, foi
aprovada em uma universidade federal para cursar Direito. Logo em seguida, sofreu de
crise renal.
A graduação veio. Com ela, a carteira da OAB. É válido destacar que antes da segunda
fase da prova, Amanda sofreu um acidente. Quebrou a perna. Na véspera. Bem... Já
sabemos que ela passou. Guerreira Amanda.
A época dos concursos havia chegado. Entretanto, Amanda convive com uma nova
estagnação no país. Mais uma recessão, menos concursos. Depois disso, veio a
depressão. Superou.
Superação. Uma garota feliz, azarada e valente. Pronto. Agora sim.
Ah, não citei que ela é botafoguense, não preciso dizer mais nada.

Peter Luís

Às 22 horas

Verão de 1964, minha rotina era diferente das outras meninas de quatorze anos. Eu ia
para o colégio, fazia comida para os meus dois irmãos, estendia as roupas e limpava a
casa. Cresci numa família rica de amor e de bons sentimentos, porém, nossa situação
financeira não era muito agradável, o que gerava aflição e causava algumas brigas
dentro de casa. Minha mãe trabalhava de diarista na casa da Dona Rose e meu pai era
pedreiro, ambos lutavam muito para nos criar, eram os meus exemplos de vida e de
superação. Eles trabalhavam o dia todo e costumavam chegar em casa às 22 horas,
jantavam, faziam algumas tarefas em casa e iam descansar. As rotinas eram corridas,
mas já estávamos acostumados e vivíamos bem com isso. Lembro como se fosse ontem,
uma sexta-feira que nunca terminou. O relógio bateu meia-noite e ele não chegou.
Procuramos em hospitais, delegacias, IML, em todos os lugares, mas não encontramos
nenhuma informação. Ele se foi, sem dar explicação, sem dizer o porquê e sem se
despedir. As comemorações nunca mais foram as mesmas, os comentários da família
nas datas importantes, o dia dos Pais no colégio e a falta da figura paterna retratando
segurança e acolhimento eram acompanhadas de tristeza e dúvidas. Minha mãe foi forte,
exercia bem esses dois papéis e procurava não pensar no que tinha acontecido no
passado, sempre seguindo em frente e lutando para nos proporcionar o melhor. O tempo
passou. Eu cresci, me formei, casei e tive um lindo menino. Mas não escondo que, até
os dias atuais, quando o relógio marca as 22 horas, lembranças vêm e o turbilhão de
sentimentos é inevitável. O adeus mudo que tanto me fez sofrer habitará para sempre
dentro de mim.

Jerry Uffiano

Sobre traumas, saudades e a dor do que já passou

É uma manhã de terça-feira, estou parado de frente para a televisão. Enquanto está um cheiro
de café bem intenso pela cozinha eu levanto e vou fazer um Nescau. Volto e meu avô se
encontra sentado no sofá lendo suas palavras cruzadas, deito no colo dele e assisto à um
desenho que está passando na Tv Globinho.
Minha avó me chama, o almoço está pronto. Começo minha refeição assistindo meu desenho
preferido ao lado do meu vô, e logo após vou escovar o meu dente. Estou me arrumando para
ir a escola, e como um vendedor de shopping que convida um cliente que está apenas
passeando a adentrar a loja, meu avô me convida pra sair em uma caminhada até a escola.
No caminho passo pela minha banca de jornal preferida, onde gosto de comprar figurinhas para
meus albuns e gibis da Turma da Mônica. Meu vô, para não perder a viagem, leva mais
palavras cruzadas. ainda passo por um armazém e compro o lanchinho que irei fazer na escola
mais tarde. Faço o mesmo caminho todos os dias como se fosse a primeira vez. Com o mesmo
entusiasmo de toda primeira vez que temos ao decorrer da vida.
Meu dia estava sendo ótimo, até o momento em que eu acordo. Levanto da minha cama e
percebo que tudo foi apenas mais um sonho. Nada mais está aqui, nem a Tv Globinho, nem
meu avô. Fica a saudade e a inocência da infância, onde tudo parecia mágico, agora são 6 da
manhã, preciso me arrumar para a faculdade, e infelizmente dessa vez a "caminhada"não será
tão boa assim sem meu velho comigo.

Pierrot 

DESESPERO

Eu tinha seis anos quando tudo começou, seis anos, quando eu descobri que estar em família
não era sinônimo de segurança, muito menos de paz. Há pouco tempo a minha mãe havia se
juntado com um homem, e logo em seguida me deram uma irmã, depois veio um irmão e
pouco mais tarde outra irmãzinha, agora eu tinha companhia, isso ia ser incrível. Eu gostaria
de dizer que era tratada como filha, mas eu não era. O meu padrasto sempre teve uma arma
guardada no armário, e vira e mexe eu era colocada de castigo sem nem ao menos saber o
motivo. “Ela está muito respondona! Vocês todos podem ir pra casa da vovó. Ela vai ficar
aqui levando tijolos para cima comigo.” E então começava. E eu ouvia “Se você contar pra
alguém eu mato seus irmãos e sua mãe, isso não pode sair daqui.” Eu era tocada como uma
adulta, era olhada com olhos de desejos que eu nunca vira antes, e com uma arma na cabeça,
era obrigada a agir como uma mulher, quando na verdade eu deveria estar brincando como
uma criança. Eu ficava desesperada, mas ainda assim, sabia que ele podia ser capaz de
cumprir as promessas, então eu me calava. E os anos se passaram, a situação sempre se
repetia, ele sempre conseguia uma desculpa para ficar sozinho comigo. Quando estava no
ensino médio, eu tive a minha primeira paixãozinha, e como uma adolescente ingênua, contei
para minha mãe. E ela contou pra ele, então ele me bateu. “Você deve ir pra escola para
estudar” era supostamente o motivo pelo qual eu estava apanhando. Algumas vezes eu
tentava contar, mas não conseguia fazer nada além de afirmações vazias. “Você não sabe o
que eu sofro nesta casa.” eu dizia para a minha mãe. Mas ela nunca fez nada, nunca
desconfiou de nada, nunca achou essa possessão dele em relação a mim estranha, ou talvez,
apenas ignorava. Eu sofri abuso desde os meus seis anos, e ninguém nunca percebeu o meu
desespero, algumas vezes eu chorava, implorava. “Mãe, não deixe que ele me coloque de
castigo, eu não quero ficar aqui. Por favor, me leva com vocês.” e nada. Talvez eu merecesse
isso. Tudo o que eu mais temia era perder os meus irmãos, mas houve um momento em que
já não dava mais para pensar nos outros. Certo dia após a escola eu fui para a casa da minha
avó materna e desabei. Contei tudo o que podia e até o que não podia, e lá eu recebi tudo que
eu estava precisando desde os meus 6 anos de idade. Acolhimento. O meu avô me passou
segurança de que isso seria resolvido, e foi, doze anos depois. E nesse período eu perdi o
contato com a minha família, tudo aquilo que eu sofria para os proteger foi em vão. Eu os
perdi de qualquer forma. E hoje, tudo o que eu tenho são traumas. Como eu, uma criança de 6
anos poderia merecer coisa desse tipo? por que ninguém nunca desconfiou? por que só eu
quem ficava de castigo? Por que eu era ameaçada e sofria tudo aquilo tentando protegê-los,
mas não tinha ninguém protegendo a mim?

Alasca Young

Traumas Insólitos

- Mãe, anão é do mal?
Claro que não, que história era aquela? Expliquei: eu estava brincando na água e
sem querer caí em cima daquele anão ali. Daí ele me deu um tapa na cara, me xingou e
mandou eu sair de perto.
Perder-se no meio da multidão, passar apuros no mar, vivenciar um arrastão. Há
algumas maneiras triviais de uma criança sair traumatizada após ser levada à praia. A
capacidade que a mente humana tem de criar fantasmas, contudo, deve mesmo ser
inesgotável: fui à praia e voltei com trauma de anão. Tapa na cara é foda, convenhamos.
Não adiantava crescer e ganhar maturidade - nunca era o suficiente para que a
resposta negativa de minha mãe fosse, de fato, assimilada por mim. Cresci sem gostar
de anões, devo admitir. Sentia um desconforto aflitivo quando me deparava com um.
Pior: culpa, afinal, formava-se em mim a abominável casca do preconceito e eu tinha
consciência de que aquilo era errado. O difícil era conseguir quebrar tal casca.
Mas, vejam só, ela se quebrou fortuitamente, a partir de um novo episódio. Já
adulto, ao ir a São Paulo e hospedar-me em um albergue, fui surpreendido com a
presença de inúmeros hóspedes anões, membros de dois ou três times de futebol que
haviam saído do Nordeste para jogarem um campeonato. As circunstâncias nos levaram
a interagir e eles foram absolutamente amáveis: conversavam entusiasmados, contavam
histórias hilárias, faziam troças ótimas, eram simpaticíssimos. Teve até pizza no fuzuê.
Quando vi, anão era legal.

Jamir Ávila

Roda Gigante

Diante de uma grande expectativa e grande entusiasmo, uma viagem de carro
para o Espírito Santo começava no ar puro da nossa querida cidade. Dentro do conforto
de um Sandero Stepway, novidade da época, estávamos todos instalados e bem seguros
com o cinto de segurança, aquele mesmo que muita gente não gosta mas salva muitas
vidas. Muito verde, ventinho na cara e ao som de Belchior, surgiam atrativos para um
cochilo no carro.
Ao cair da tarde, com o campo de visão mais escuro, curvas acentuadas e a alta
velocidade eram motivos para uma preocupação, principalmente materna. Até que em
uma determinada curva, uma dessas acentuadas, vinha um caminhão, que de maneira
infeliz soltou duas das quatorze rodas que ele tinha, cada uma de 1,2 metros. A
primeira bateu em um caminhão menor mais na frente, com o barulho, o extinto
materno aflorou e soltou um grito: “Que barulho foi esse?”, no inconsciente do cochilo,
já acordei no susto vendo meu pai jogar o carro pra cima de um pequeno barranco,
como última opção, assistindo de perto o monstro de 1,2 metros passar pela minha
janela com uma velocidade absurda e levar o retrovisor e um pedaço da porta. Parecia
cena de filme, foi questão de centímetros ou de ter um barranco com queda, que hoje eu
não estaria contando essa história.
Até hoje, mesmo com o passar do tempo, quando mencionam caminhão, estrada
ou roda, a lembrança revive e surge um questionamento interno. Você conseguiria
esquecer essa imagem?

Mim Acher Descubra

Por que tenho trauma de baratas?


“Sei lá, desde que me entendo por gente acho nojento.” A irmã insiste, “mas o que é que tem nelas que você acha tão nojento?” “Não sei explicar”, responde o irmão, “só sei que quando vejo uma, me sobe um nojo e dá vontade de matar.” A irmã aponta para uma tatuagem no braço do irmão “já borboleta você acha bonito, né?”, o irmão olha pro pulso, “acho lindas.” “Toda borboleta já foi lagarta. Não acha lagarta nojenta também?”, o irmão revira os olhos, “não gosto de julgar o passado dos insetos”, a irmã ri, “barata voa que nem borboleta também, você sabe, né?” “Ai, que bobeira é essa? Você quer comparar bicho que voa em esgoto com bicho que voa no verde, na cachoeira…” “Cara, só acho que você foi ensinado a odiar barata”, o irmão pega o controle e liga a TV, irritado com o assunto, “ai, garota, você não entende. Não é medo, é trauma.” “Pois é, toda vez que aparecia uma barata, mamãe gritava e papai vinha matar. Foi papai que te ensinou que o jeito mais fácil é matar.” O irmão muta a TV e olha indignado pra irmã, “e tem que matar mesmo! Depois essas baratas se reproduzem, aí eu quero ver. Arranja uma de estimação, ué!” A irmã ri ironicamente e faz sinal de negativo com a cabeça, “você não quer entender mesmo, né. Fala a verdade, você só tem nojo de barata porque elas vêm de um lugar que você acha nojento.” O irmão arregala os olhos, indignado, “tá de sacanagem, né? Você vai problematizar esgoto comigo agora?” A irmã ri, “sabe o que eu acho engraçado, você vai fazer 18 anos e ainda não tem coragem de matar uma barata sozinho. Se acha que tem que matar todas mesmo, por que não mata você? Lembra daquele dia que papai falou pra virar homem? Vai lá, se isso é ser homem pra você, toma uma postura.” O irmão suspira e desiste. Aumenta o som da TV e assiste o jornal. A transmissão mostra um grupo de adolescentes invadindo um ônibus perto da praia. O irmão diz, sem tirar os olhos da TV, “parecem baratas, né.”

Alcione 77

A noite mais escura

O relógio marcava 23:53. Todos na casa já haviam ido dormir. Como de costume, o
menino Arthur se levantara para buscar um copo d’água na cozinha. A luz estava acesa.
Seu pai andava de um lado para o outro, enquanto esbravejava algumas palavras de
desespero ao telefone. Era o terceiro emprego no semestre que o homem perdia. A
situação se dificultara ainda mais, a casa estava hipotecada, em breve a família não teria
um teto. O senhor largou o aparelho e, com as mãos sobre a cabeça, viu a desesperança
tomar seu coração. Com um semblante marejado, olhou para o lado e acendeu um
cigarro. As mãos tremiam, a cabeça fervilhava, o suor era gelado. Encarava o céu
escuro, ao mesmo tempo que seus problemas passavam por sua cabeça como lâminas
afiadas. Não existia mais luz.
Naquela altura, a janela parecia ser a solução mais fácil. Resolveu escrever uma carta
de despedida. Precisava explicar, de alguma maneira, a tragédia que estava por vir.
Assim que terminou, dobrou-a, colocou-a de lado fez o sinal da cruz. Deu um passo à
frente. Seu filho assistia à cena de filme de terror que se concretizava. O pânico engolia-
o vivo e sufocava seus gritos e choro. Estava imóvel, seu mundo desabara. Pegou a
carta, lendo-a com muito cuidado. As primeiras lágrimas começaram a escorrer. O
jovem não conseguiu abandonar o local do incidente aquela noite. Permaneceu sentado
até o amanhecer no chão frio, com o coração vazio, abraçado em sua dor. Parecia ter um
pequeno fio de crença de que aquilo tudo era somente um sonho, mas infelizmente
tratava-se de um pesadelo que virara realidade.
Uma vida e uma infância foram tomadas naquela madrugada sombria. Foi a última vez
que o garoto, com apenas 8 anos, viu seu pai.

Rômulo Zaragoza
A primeira vez das coisas a gente raramente esquece, sendo coisas boas ou ruins. Quando as coisas são pra serem boas e se tornam ruins é muito estranho, mas acontece. Vou falar um pouco do meu trauma, e já vou logo avisando. Se rir, vai tomar porrada. 
Minha família era muito acostumada a pôr sardinha em tudo. Em arroz, pizza, suco, sopa, enfim.. Um belo dia eu tinha acabado de comer um hambúrguer de sardinha e fui dormir. Naquela noite, eu tive um sonho com a sardinha. No sonho, eu estava indo comer ela, e quando eu ia comer, ela virou no Jiraya, e me disse: 

-Olha só, a cada vez que você me comer, teu time fica 1 ano sem título, meu time fica 1 ano ganhando do teu, você vai passar 1 ano iludido e sendo reconhecido por sentir cheirinho. Ah, e o Rodinei fica 2 anos sendo seu lateral!!!

A sardinha tava com a camisa do Vasco, eu acordei nervoso. Mas pensei que era só um sonho. Fui almoçar, e comi o que? Vocês sabem né, fui pagar pra ver. No dia seguinte era Flamengo x Vasco, o resultado foi que o Flamengo perdeu e depois daquilo não ganhou mais do Vasco naquele ano. Depois disso, eu nunca mais comi sardinha e nem quero chegar perto. Desculpa nação, por até hoje o Rodinei ser nosso lateral e a gente não estar ganhando nada. Não comam sardinha.

DJ Rogerinho Do querô

Lourdes

O aviso de sua ida foi de madrugada. Ainda criança, não fui capaz de interpretar minha
própria dor. A casa era a sua, a mesma que passei longos anos após sua ida para cuidar
do pai do meu pai, que até então te sugava toda sua energia. Sua luta existiu. Só pude
ver tarde demais. As lágrimas de agora não são as mesmas daquela noite, hoje carregam
arrependimento infinito.
Das flores artificiais, das frutas de plástico, dos majestosos santos e até daquele lustre
feito de barbante, são fragmentos de que nosso amor existiu. Embora nunca
evidenciado, na época, do jeito que eu demonstro agora, do jeito que eu amo agora e do
jeito que te sinto agora.
Quando você passeia pela minha mente e minha memória, gosto de te sentir na minha
alma até minha áurea. Hoje sinto que o pior momento da minha vida foi sua ida, mas
sinto a mais pura gratidão de ter tido sua passagem na minha vida.
Eu te amo.

Alaska Pett

Bira e Lena

Aprendi. Não só nasci e cresci, com vocês eu aprendi! Entendi que valores, moral, ética,
ideologia vão além de casa. A vida também ensina e marca, de formas boas e ruins, e vocês me
trouxeram os dois lados.
Posso não lembrar ao certo o dias que os ganhei, mas nunca esquecerei daqueles em que os
perdi. Mas tudo bem, a vida também é feita de memórias, é por elas que os mantenho comigo.
Tiveram uma vida juntos. Se conheceram jovens, ele com 17 e ela 14 na zona norte do Rio. Ali
pela vida seguiram e nunca partiram.
De casados foram 47, namorando outros 10 e eu, dentre tantos, desfrutei dos últimos 19.
Infelizmente o corpo tem data de validade e sucumbe aos enfermos.
Primeiro o câncer, ilustrando o final inesperado de “a culpa é das estrelas”. Depois a doença
degenerativa, um choque! Olhei em seus olhos e disse: – Vai ficar tudo bem – e ela, sem mais
nenhum controle sobre seus membros ou boca, fez o esforço de em um murmuro, responder:
“ – tá bom...”.
E se foi também.
Entre tantas palavras a única que pode minimamente representar tudo o que fizeram é:
obrigado.
Obrigado pelos jogos assistidos e discussões que me fizeram crescer. Obrigado pelas ligações
nas quais eu sabia que antes mesmo de atender seria, “filho, onde cê tá?! Volta pra casa!!”
Pelos conselhos e broncas. Por cada “sim” e “não”. Dos “vai com Deus meu filho, nós te
amamos!”.
Obrigado.

Almirante Uff

Mais comum do que você imagina.

Confesso que o primeiro dia de aula sempre me deixa ansiosa com direito até a noite mal dormida e embrulhos no estômago, afinal era fevereiro, o 7 ano estava prestes a começar. Eu podia ver cabelos com tererês e rostos bronzeados sem a preocupação de expressões matemáticas, no entanto também fui capaz de ver o triste olhar de minha amiga Maria, que tinha seus cabelos loiros mais claros acredito que por causa do sol de verão, ela veio até mim e disse:
- Senti sua falta. Aconteceu algo... Não sei como dizer sem parecer culpada. Mas a intenção não era... Juro de dedinho.
- O que foi? Minha mãe me mostrou fotos que seu pai postou, que pousada linda sério, e você parecia de boa.
- É... Até que eu estava, mas passei o resto da viagem com medo. Você guarda um segredo?
Assenti e vi os olhos dela se enxerem de lágrimas enquanto via se alguém escutava tudo.
- Desde o primeiro dia que eu cheguei lá no hotel, vi um funcionário que era um pouco mais velho que nós... Tipo uns 18 anos, e achei bem bonitinho. O que eu não esperava era que ele pensava o mesmo de mim, e ficava me encarando.
- Eai? Você não queria perder o bv?
- Até que queria. Deixa eu falar, sério. Os dias se passaram e quando fui buscar comida sozinha no hotel, ele foi atrás e me chamou pra conversar em um lugar reservado, então fomos ao corredor de quartos de funcionários. Lá, ele me contou como seu trabalho era importante, como já tinha aparecido na Tv em um noticiário, como uma luta era sua vida. Até aí, tudo bem. Mas ele me convidou para entrar no quarto e eu fiquei sem graça de dizer não... Sentei na cama dele, e logo depois nos beijamos, minhas mãos ficaram bem suadas nessa hora, então, eu ia começar a contar da nossa amizade, de como sentia saudade, mas ele me empurrou e começou a se esfregar com muita força em mim, comecei a gritar que estava doendo, que queria que ele parasse, mas amiga... Ele disse que não, que estava bom assim.
Eu a interrompi, naquele momento eu a abracei pensando no pior que poderia ter acontecido nas férias. Lembrei-me de tudo que minha mãe tinha me contado sobre como não dar moral a estranhos e perguntei:
- Fala o que aconteceu... E seus pais?
- Logo depois dele me empurrar, tirei uma força não sei de onde e empurrei ele e sai correndo... Meu coração ficou muito disparado... Parei para beber água e vi um velho senhor que disse “o próximo sou eu” comecei a chorar... E quando contei a minha mãe ela falou que “procurei sarna pra se coçar” e repetiu várias vezes como eu fui imprudente.

Hippolyte Leon

Nervo Óptico

Talvez você me olhe de outra forma. Tantos olhares se colidem pelas ruas, cortando e dissecando
camadas superficiais da desilusão conspiratória de um mundo onde não há martelo a ser batido,
caminho certo a ser seguido. Mas de todos eles, o seu é o único que quebra as barreiras que
delimitam onde o meu começa e o seu termina.
Talvez esse olhar incomode. Sangre. Ou talvez a vida cicatrize e deixe se dissipar no ar. E se por
acaso se dissipa, e realmente nada se destrói e tudo se transforma, ele se tornou esse espectro que
assombra minha existência a cada passo errático que dou, a cada atitude desconcertada que tomo. E
toda forma de tentar mostrar ao mundo que tenho capacidade de ser algo além do que você era cai
por terra enquanto estamos a sós, e sua voz assustada me diz no pé do ouvido que não há como
escapar desse medo constante que é te sentir novamente.
Talvez seja seu olhar que assuste. E essa raiva que sentia de cada olhar que te estranhava seja culpa
sua. Ninguém é obrigado a suportar essa presença incerta, olhando de um lado pra outro, sem saber
pra onde vai, perdido em um universo de possibilidades intocáveis e amores impossíveis. Ah é, pois
não há como amar algo assim.
Mas, talvez seu olhar ainda seja o meu. Em cada espelho que olho e rezo pra que não volte, você
está lá. Nessa falta de confiança que me cega e me impede de impor minha própria visão nas
escolhas que tomo. Seu olhar corta e disseca todo o meu, e mesmo que você não esteja mais aqui
fisicamente e eu tente te apagar da minha história, quando fecho os olhos nós somos um só.
Talvez eu ainda te olhe da mesma forma.

Julian Castella

Sob o Mesmo Céu

Era tarde, o sol já estava se pondo quando ele apareceu. Estava cheirando a bebida e a
cigarro, o seu hálito de whisky era tão forte que ardia meus olhos. Eu tinha 12 anos, ele,
42. Lembro de tudo claramente: a cor alaranjada do céu, o controle remoto jogado no
sofá, uma mosca zunindo querendo ultrapassar o vidro da janela do quarto e seus olhos
famintos me fitando. Ele me tocou. Meu tio me tocou. Passou a mão na parte de dentro
da minha coxa e a subiu a mão para o meu quadril.
- Você está virando uma linda mulher, ele disse sussurrando no meu ouvido enquanto
abaixava a alça do meu vestido
Meu corpo dói só de lembrar. Era difícil não poder contar para ninguém por medo e
vergonha, era difícil esconder minhas mãos tremulas e a vontade de chorar quando ele
aparecia no almoço de família e logo vinha me cumprimentar, e era mais difícil ainda se
relacionar com alguém. Tentei por anos não sentir medo de me apaixonar, de me
entregar, mas a aproximação e o toque continuavam sendo pavorosos. Eu não queria
sentir medo, eu queria sentir amor. Foi então que encontrei o Dani, senti uma conexão
instantânea com ele. Tudo parecia ser diferente, me apaixonei e o beijei, um medo foi
vencido. Mas quando ele tentava me tocar eu entrava em pânico, sentia uma febre que
surgia dos meus pés e esquentava todo o meu corpo, arranhava minhas coxas e chorava
pedindo para ele parar. Eu me frustrava, mas ele entendia. Dani sabia tudo o que tinha
acontecido 16 anos atrás, era a única pessoa que sabia. Queria tentar de novo, mas não
sabia se iria conseguir, o medo já estava instalado em mim.
Era de tarde, o sol já estava quase se pondo, aquela era a hora. Decidi não sentir mais
medo e nem chorar, decidi que queria amar. Dani sentou à minha frente, segurou uma
de minhas mãos e olhou nos meus olhos. Eu lembro de tudo: De seus olhos de cores
diferentes, do cheiro refrescante que ele emanava, e da empatia em seu olhar. Olhei para
baixo e vi sua outra mão em minha coxa, respirei fundo.
- Não tenha medo, ele disse enquanto a subia pelo meu quadril
Então percebi que era por isso que esperei tanto, era aquele amor que esperei tanto. Eu
estava sob o mesmo céu alaranjado, mas não sentia medo. Só senti que, naquele
momento, mal podia esperar para ele abaixar a alça da minha blusa.

Cigana Oblíqua e Dissimulada 47.

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Casa Verde

O candidato honesto apareceu em frente às câmeras e se apresentou. Os jornalistas
presentes no local, os tuiteiros de plantão, a dona Rosa que zapeava com o controle, e
acabou parando em tal canal, todos observavam o candidato com a Bíblia na mão.
Desconjuntado, o típico personagem que só aparece de 4 em 4 anos, como uma Copa do
Mundo que ninguém se anima a assistir. O candidato baseia toda a sua honestidade em
seu advogado fiel (Sérgio Moro não, Jesus Cristo). O aspirante a presidente destila seu
discurso inspirado em contos delirantes, numa realidade que a Dona Rosa bem queria
que fosse alternativa. Mas alternativa mesmo, não há. Tudo nesse país parece virado de
pernas pro ar, ela diria. Talvez uma intervenção militar não seja o suficiente, quem sabe
uma intervenção psiquiátrica...

Ricardo Reis
Após o início da campanha eleitoral, os dias seguem longe da costumeira rotina comum à um candidato a ocupar o mais alto e importante cargo do país.
Seus dias têm sido preenchidos pelas artes, músicas e livros. Junto de uma boa dose de esperança em dias melhores.
Fazendo questão de sempre reafirmar que se sente tranquilo em relação ao que está vivendo e que acredita na justiça.
Justiça essa que apesar da falta de provas o condenou por suas convicções.
Mesmo tendo rejeição de uma parte população,  não se pode negar sua popularidade. Ele ainda conta apoio de boa parte da população.
Assim como de muitos artistas influentes no país.
E mesmo com toda essa situação, mantém o contato com seus apoiadores por meio de cartas públicas ou vídeos divulgados e compartilhados amplamente na internet.
Reafirmando sempre que "Onde querem silêncio, seguiremos cantando."
Sigamos!

CastroAdez
Mulher jogando bola? Ou é “mulher-macho” ou “só quer chamar atenção dos meninos”.
Não existem dúvidas de que o futebol é, historicamente, visto como um espaço
masculino. Mulheres que tentam ingressar na área não chegam perto do reconhecimento
dado à Neymar e Cristiano Ronaldo, por exemplo. Mas, uma brasileira é um grande
exemplo para as meninas que têm o sonho de serem jogadoras.
Uma jovem de apenas 14 anos, nascida no interior de Alagoas, viu no futebol a
oportunidade de melhorar de vida. Na sua cidade, participava das peladas e dos
campeonatos da escola no meio dos meninos e deixava muitos deles no chinelo. Se
sobressaiu. Correu atrás. Saiu de Alagoas para o Rio de Janeiro. Logo depois, começou
sua carreira internacional. Enfrentou preconceitos. Foi eleita a melhor jogadora do
mundo por cinco vezes consecutivas, ganhou o prêmio Bola de Ouro três vezes e levou
o troféu Chuteira de Ouro. Ainda assim, seus salários e patrocínios não chegam aos pés
de Neymar.
É inegável que a sua brilhante atuação deu mais visibilidade para o futebol feminino
brasileiro, mas, ainda hoje, ela sonha com o dia em que as mulheres terão o mesmo
incentivo que os homens. E, para a tristeza dos mais machistas e conservadores, ela é
embaixadora do Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento Humano, onde
mostra a sua força e incentiva as mulheres à ocuparem os espaços que elas quiserem.

Cecília Meireles
Era só um garoto que queria tocar o céu. E ele tinha talento para isso, declarou amor ao desconhecido
em seu trabalho em melodias que tocavam de forma suave e inspiradora o coração de qualquer um que
ouvia.
Porém, não é só sobre o espaço que ele escrevia. Era como um metamorfo, mudando sua temática
lírica e física ao longo de sua carreira, se adaptando às suas emoções em relação ao mundo em que
vivia. Foi uma figura controversa, que quebrou padrões na indústria pop, acolhendo todos aqueles que
achavam que não se encaixavam nos padrões desse meio.
O glamour das ruas largas dos grandes centros culturais americanos, iluminadas por grandes estrelas,
e também toda a luxúria e selvageria disparadas por cada uma de suas esquinas o inspirou a se tornar
um símbolo de todas as mazelas de quem vivia ali.
Mas mesmo em seus últimos trabalhos aquele garoto que queria alcançar as estrelas ainda se
manifestava. E em seu momento derradeiro, se tornou uma delas.

Julian Castella

Rede em alto mar

A internet caiu mais uma vez. Desliga. Liga. Repete. Voltou. Sinto uma
breve calmaria no distanciar dos tempos tenebrosos da conexão discada. O
ofício de desbravador é, constantemente, resgatado pela expansão
tecnológica, e como os povos ibéricos nos encontramos sujeitos a
naufrágios, mas também, à potência da grande glória. De fato, a vida
volúvel, em suas marés, permanece imprecisa. Desse modo, meu caro amigo
lusitano bem observou a vitalidade da navegação, mas não foi capaz de
avistar, em terras longínquas, que o advento de buscadores mais exatos do
que naus, astrolábios e bússolas juntos tornariam as águas ainda mais turvas.
O mar de informações coleciona uma combinação pungente de salgadas
lágrimas, substituindo odes por “likes”. Todavia, tal desvio inicial de
cálculo não compromete a saga do homem descobridor ao encontrar o
tesouro atemporal do conhecimento. Sendo assim, sábio é aquele que
conforme o mestre dos heterônimos evoca cautela ao cruzar todo oceano
capaz de apequenar o mais valente dos espíritos.

Brás Cubas 171

Ainda é tempo pra ser feliz

A vida é um sopro. Conquista-se objetivos, cria-se costumes e propaga-se
mensagens. Um mensageiro, encarregado de entregar informações, muitas das
vezes não reconhece o valor do seu trabalho e a responsabilidade que carrega. A
vontade pelo o que faz e a simplicidade do sujeito torna o ato natural e de
grande satisfação. O tempo passa e a rotina agitada da sociedade nos ensina a
seguirmos sempre em frente. Os mensageiros seguem assegurando a garantia da
entrega das mensagens. Porém, o que não nos damos conta é que todo
mensageiro, em determinado momento da vida, vira destinatário. A partir desse
momento, a necessidade de alguém lhe repassar as mensagens é de grande
importância para a vida do sujeito que, por tanto tempo, teve esse papel e
exerceu com tanto êxito. A empatia é essencial nesse momento da vida. Saber
reconhecer e servir de mensageiro para aquele que se encontra impossibilitado é
um ato de gratidão e de evolução. Talvez seja esse o sentido da vida. Fazer o
bem sem olhar a quem, pois o ciclo é enorme e a transformação em destinatário
é constante.

Jerry Uffiano

Sobre ambulantes, jornalistas e SuperVia

-Pô, tô ligado, não.
-Claro que tu tá ligado, Marquinho. Ela veio fazer uma entrevista com a gente outro dia.
-Entrevista? Quando foi essa porra?
Marquinho era o vendedor oficial de Crock Roll no trem. Foi ele o primeiro a introduzir o
conceito de “canudinho feito com Nutella”, que todos sabem que é mentira mas se forçam a
acreditar que é verdade.
-Ih, não. Falei errado. Quem tava esse dia era o Boquinha do Saracuruna. Mas tu sabe de quem
eu tô falando, pô. Tu não vê jornal?
-Quando dá, eu vejo o RJ.
-Porra! É esse mermo! A mulé é do RJ. Aquela maluquinha.
-Sei não.
-Tu não disse que vê RJ?
-Só quando dá.
-E qual foi a última vez que tu viu?
-2015.
-Caralho!
-Eu falei “só quando dá”, meu parceiro. Acontece que nunca dá. Tu já pegou o Japeri meio dia e
seis horas da noite? Gostosinho no azeite! Vendo pra porra.
-Porra, tu tá maluco, dá nem pra se locomover.
-Você é covarde.
-Coé, Marquinho? - Jorge para de ensacar seus amendoins e olha pra Marquinho,
desafiadoramente. - Vai faltar com o respeito comigo na frente da Supervia toda?
-Foi mal, Jorge. Mas senta aí... E a mulé?
Jorge senta e volta a embalar, mas ainda levemente aborrecido.
-Maluquinha...
-Maluquinha como?
-É que tu não vê RJ. Aquela mulé fuma alguma coisa. Sobe em árvore, balança em brinquedo de
criança...
-Papo reto?
-Meu parceiro, outro dia ela pegou um barquinho e nadou no meio da poça d’água em Nova
Iguaçu.
Marquinho ri.
-Qual o nome dela?
-Pior que esqueci, cara. Mas enfim, ela veio entrevistar a gente aí, pra falar daqueles buracos que
tem entre o vagão e o trem no Santa Cruz.
-Porra, tu acredita que eu vi um tiozinho prendendo a perna nessa porra um dia desses?
-Tem que ser muito otário...
-Que isso, Jorge - Marquinho dá três tapinhas na boca de Jorge. - Pede perdão. Era senhor idoso.
Agora foi a vez de Marquinho olhar para Jorge desafiadoramente.
-Mas e aí, deu o quê?
Jorge, num misto de puto e constrangido, respondeu:
-Porra nenhuma. Marcou num calendário gigante de voltar em outubro. Coisa de maluco...

Alcione 77

Mais um

Ele era apenas mais um, mais um menino negro, sem pai e pobre. Nascido nos Estados
Unidos, foi criado por sua mãe, Louise. Empregada doméstica e filha da violência,
Louise foi concebida após sua mãe ter sido violentada por um homem branco. Violência
essa que como um fantasma do passado, voltou, matando o marido de Louise. Espancado
por ser um ativista do movimento negro americano, foi brutalmente assassinado e jogado
nos trilhos.
Louise então teve que cuidar sozinha de 8 filhos, um deles, o menino em questão. Mais
um menino que brincava, estudava e se divertia como qualquer outro menino. Costumava
ser um bom aluno, até que um dia escutou da boca de um professor, após comentar sobre
seu sonho de tornar-se advogado, que era absurda a idéia de um negro ser advogado, que
deveria se contentar com a profissão de carpinteiro. Tal declaração fez com que esse
menino mudasse completamente o seu comportamento, mais uma vez o fantasma do
racismo, que assombrou a vida de seus antepassados, volta como um bumerangue em seu
caminho.
Na adolescência, o menino começou a cometer pequenos delitos, até ser preso por roubo.
Na prisão teve uma grande transformação, o alcorão apareceu em seu caminho.
Convertido ao islã, após sair da cadeia, transformou-se em um dos lideres negros mais
influentes dos Estados Unidos, saindo pela américa pregando o islã e reivindicando
direitos do povo negro.
Até que em 1965, quando palestrava no Harlem, foi assassinado. Alvejado por vários
disparos que penetraram seu corpo em um banho de sangue e pólvora. O menino, como já
mencionado, cometeu alguns crimes durante a vida. O mais grave deles foi ter levantado
sua voz, pagou com sua própria vida.

Pierrot


Pensando rápido associo bifes a pratos feitos, sangue ao que está em nossas veias e a exames de saúde rotineiros, no entanto, posso afirmar que essa artista rompe com essas ideias habituais e a sintetiza em seus vestuários. Gostaria que soubessem que essas maneiras exóticas de representação são uma forma de protesto ou chamar atenção por ser diferente e assim, vender seus álbuns do estilo pop. Ela, que na maioria dos eventos tem os cabelos loiros quase platinado, já se apresentou como homem e não tem medo de se mostrar e assumir diferentes personagens e suas histórias variadas. Além disso, uma das suas músicas mais famosas é uma referência na comunidade LGBT, na qual a cantora que também é atriz de um seriado de terror mostra que independente de sua orientação sexual, gênero ou cor, você tem uma beleza única e se amar a si mesmo  tudo se tornará simples e melhor.
Hippolyte Leon

Bote da Víbora

Na minha infância viajei com minha família pela América Latina numa caravana de fanáticos religiosos.
Nessa seita, o sexo era tido como a maior manifestação do amor de Deus, assim, era comum que as
crianças fossem iniciadas nas práticas sexuais por volta dos 5 anos. Isso e a necessidade de prover para
ajudar a sustentar meus cinco irmãos mais novos, trabalhando como ator e músico de rua, me levou a
desenvolver um personagem do qual eu nunca mais sairia, e o vício era intrínseco a ele.
Para o mundo, eu era uma jovem estrela em ascensão em Hollywood. Bem sucedido, ético, vegano,
engajado em causas sociais, um modelo para os jovens da minha geração.
Fato é que já são oito da manhã e não consigo levantar da minha cama. Minha mente dói e meu corpo não
responde. Dormi sobre minha guitarra, na minha cama um corpo nu, desconhecido e ainda quente, a deixo
e vou cambaleando ao estúdio pra finalizar a gravação de meu ultimo filme.
Saindo de lá vou ao Covil da Víbora, uma boate que pertencia ao meu ídolo e astro de Hollywood. O
mesmo havia me convidado a tocar com sua banda naquela noite. Chegando lá meu amigo Mosca, um
baixista mundialmente reconhecido que também tocaria com a banda, me dissera que eu havia sido
cortado da banda, que eu não parecia bem e deveria descansar. Me sinto frustrado e sucumbo as drogas
novamente.
Meu peito dói, meu corpo treme, eu vomito. Dois de meus irmãos que foram me assistir tocar me
arrastam para fora e me deitam no cimento, posso sentir a vida se esvaindo de meu corpo, estou tendo
convulsões. Ouço pessoas gritando e chorando e também uma sirene, devem ser os paramédicos
chegando. Eu gostaria de poder dizer a todos que ficaria tudo bem, mas não há mais tempo, eu já estava
morto.

Não é Johnny
Em uma família com seis filhos, chega o sétimo. Katherine celebra. Joseph afirma que o
sétimo (seria, nesse caso, o número da perfeição?) será um grande trabalhador e ajudará
na casa localizada em Gary, no estado de Indiana. O tempo passa. O garoto – podemos
chamá-lo de ‘’Sétimo’’ – se torna Testemunha de Jeová, assim como seus irmãos, por
desejo de Katherine.
Entretanto, Sétimo desejava ser livre, seus irmãos demonstravam a mesma vontade.
Joseph trabalhava até de madrugada e impôs uma regra: ninguém fora de casa ao
anoitecer e casa trancada por garantia.
Obviamente, com este choque de pensamentos, a coisa não ia ficar assim. Sétimo e seus
irmãos, brincalhões, procuravam um modo de escape, em uma espécie de jogo que tinha
apenas um obstáculo. Conseguiram. A vizinhança abrigava os garotos. Nessa
brincadeira, descobriram o talento musical.
Katherine e Joseph tomam consciência dos atos. Contudo, ao invés de um castigo, que
seria natural, a ambição falou mais alto. Joseph decide investir no talento dos garotos. A
Califórnia é o destino e a Motown Records contrata o futuro grupo, que se tornaria
mundialmente famoso.
Depois de um tempo, Sétimo, o mais talentoso do grupo, decide seguir carreira solo. O
resto é um suspense.

Peter Luís
Gênio, humilde e incessantemente criticado. Atua em um campo de muitas
polêmicas e vive se esquivando delas, pelo menos tentando. Nada na vida é fácil, não
seria diferente para esse sujeito, que apesar de gênio continua sendo um ser humano
como nós. Na contemporaneidade, com o advento das redes sociais, muitos têm em
mãos o poder da crítica, de maneira que emitem ofensas e desabafos sem mesmo
pesquisar ou se informar, sem qualquer embasamento sobre a história desse
determinado indivíduo. Críticas sempre serão bem-vindas, com propósito de melhorar,
evoluir e não com tom de denegrir a pessoa. Vale ressaltar que essa personalidade é
fortíssima, que independente de qualquer comentário, sempre representou sua nação da
melhor forma possível, do topo da cabeça até a ponta dos pés.

Mim Acher Descubra
Feita de amor próprio, hoje sabe o que é liberdade. Não como muitos esperam, mas a liberdade que construiu dentro de si... a liberdade de ser desprendida de qualquer sentimento que possa bloqueá-la de se auto conhecer. O suficiente para si mesma, esse é o lema que carrega consigo. O que os outros vão pensar já não consta mais nos seus registros. Inspirou-se em muitos, mas hoje quer ser inspiração. Sua própria inspiração. Sonha em cada dia mais poder descobrir e se redescobrir, se explorar e se aventurar em suas próprias curvas imaginárias e autossuficientes para o teu próprio sorriso. Quando se trata de si mesma, não gostaria de ser nenhuma outra pessoa. Confiante e dona de si... para alguns, causa receio. Para outros, causa coragem, causa vontade... ​
Billie Jean
Comecei minha carreira muito cedo, aos 14 anos de idade ja trabalhava como reporter de rádio. Passei
por diversar radios e emissoras de TV, trabalhando como reporter, jornalista e apresentador, porem foi em
1977 quando foi convidado para trabalhar na Rede Globo que eu realmente me descobri.
Todos conhecem meu programa de final de tarde que passa todos os domingos na maior emissora de
TV do país, um dois mais antigos programas da emissora e que prevalece no ar até os dias de hoje.
Diversos bordões que foram criados por mim como "Oh louco meu", "Esta fera ai meu" e "Quem sabe faz
ao vivo" ajudaram a criar a marca do programa e torna-lo memoravel.
Definitivamente na Globo eu encontrei o meu lugar, criei diversos quadros para o meu programa de
TV, alguns de muito sucesso e outros de nem tanto, mas que a verdade seja dita, o sonho de todo artistas e
jornalistas brasileiro é participar do aquivo confidencial e ganhar o premio de melhor do ano no meu
programa.
Eu sei que muitos dizem que o meu programa esta acabado e eu mesmo ja estou saturado, porem eu
digo para voces que eu ainda tenho uma carreira mutio longa pela frente, meu programa nunca acabará,
ele sempre se reinventará, trazendo alegria, entretenimento e algumas criticas socias para todas as familias
brasileiras que sentam no sofá domingo a noite para verem um programa de qualidade na TV aberta.

Oswaldo do jae
Sempre fui um moleque sonhador e minha mãe dizia que eu tinha que correr atrás dos meus sonhos, então eu fui lutar. Fazendo bicos, shows em bares, mas nada fluía, tive até que por um momento catar latinhas. Tudo começou a mudar quando conheci minha esposa, que largou tudo da vida dela pra me ajudar e investir em mim. Tivemos uma filha e finalmente depois de passarmos por momentos em que não tínhamos o que comer, o sucesso chegou. Nessa hora ela quis fazer um procedimento estético, uma lipoaspiração. Fui acompanha-la e quando ela foi entrar, dei um beijo nela e desejei boa sorte. Ela demorou muito pra sair e quando saiu, estava com muito sangue na roupa e sem ar. Fiquei desesperado, mas o médico disse que era normal, eu me tranquilizei e ela voltou para sala. Depois disso, nunca mais tive a oportunidade de vê-la viva. Quando soube que ela morreu, não acreditei. O choro veio, a raiva, a vontade de quebrar tudo. Fiquei horas chorando e gritando nos corredores do hospital. Chegando em casa, olhei para minha filha e pensei com eu iria contar para ela que a mãe dela tinha morrido, como minha filha iria viver sem a mãe.  No dia do enterro eu ouvi a sua voz,  me dizendo para continuar e fazer valer a pena todo o nosso esforço até ali. Mais uma vez eu chorei, olhei para o céu, fechei os olhos e decidi prosseguir para honrá-la. Hoje eu conquistei meus sonhos, minhas músicas estão entre as mais tocadas do país e cada vez mais me sinto abraçado por essa nação. Com meu cabelo ruivo e minhas músicas românticas inspiradas nela, espero cada dia mais subir um degrau da minha vida. Enfrentando uma luta por dia, cheguei até aqui.

DJ Rogerinho Do querô
Tinha mais ou menos 11 anos quando o conheci. Naquela época ainda pensava em ser
estilista. Recortava retalhos e costurava dias inteiros, elaborava esses meus pequenos
projetos artísticos no cortiço que havia no meu quintal e que eu fazia de quarto de
brinquedos. Além de recortar retalhos também recortava figuras ou palavras de um livro
velho de sobre redações com folhas amareladas, e foi em uma dessas páginas que vi a
letra dessa música: grande, crua e linda. Esse cantor demostrava um mar de
sentimentos: amor, impotência e vontade de liberdade. Além disso, ora ele parecia
bravo, ora ele parecia contente. Passei a pesquisar mais sobre a mensagem da música e
como ela foi influente na época que em que foi lançada: 1967, um ano marcado pela
Ditadura Militar, opressão artística e censura de opinião. Foi naquele momento em que
comecei a pensar em ser Jornalista. Tive uma sede insaciável de conhecimento, queria
saber mais sobre ele, queria saber sobre seu autoexílio, suas inspirações, suas críticas
sociais sobre o Brasil hostil e boçal dos anos 60 e também sua comida favorita! Queria
saber até qual era o nome da sua esposa, seu sorvete e preferido e se ele gostava de
jujubas. Depois disso, praticamente todos os dias, eu declamava aquela música no meu
cortiço, não declamava para uma pessoa, mas sim para mim mesma. E declamava só
para saber que eu poderia ser como ele. Que eu poderia mandar no meu próprio destino,
ser destemida e escrever como ele. Mas só havia uma única coisa que eu não pensava e
nem poderia ter como ele, era a imensidão azul no seu olhar.

Cigana Oblíqua e Dissimulada 47

A conquista do mundo pelos pés de Roberto

Durante sua árdua infância no munícipio de Bauru - SP, Roberto nunca poderia
imaginar atingir o mais alto patamar da fama, bem como o do prestígio social. Seus
pais, ambos faxineiros de ofício, trabalhavam duro para garantir o difícil sustento à
família. A vida havia sido dura, na maioria das ocasiões, para o rapaz. O jovem, todavia,
possuía um sonho, o de conquistar o mundo por meio do esporte mais popular do
planeta, o futebol.
O mancebo tinha a certeza de que não seria nenhum pouco fácil. O contexto social no
qual estava inserido dificultava ainda mais o objetivo. O desporto, na época, era visto
como uma atividade designada aos financeiramente abastados. Não havia um futuro
profissional garantido, assim como reforçava diariamente sua mãe. A chama de seu
desejo, entretanto, parecia não ter fim. As tentativas de se tornar jogador se tornavam
gradativamente mais recorrentes. No momento, era o que mais lhe importava.
Com ajuda de seu pai, treinava com mangas no intervalo de trabalho de seu progenitor,
além de recorrer a testes em clubes na região. Certa vez, as tentativas se tornaram algo
concreto, tratava-se de uma suposta reviravolta em sua vida. Roberto fora convidado
para jogar em um time grande em uma metrópole paulista. A determinação do homem
possibilitou-lhe abrir todas as portas de sua existência, a partir de seu dom inigualável
no desporto o qual disputava. O mundo o qual Roberto havia sonhado conquistar ficara
pequeno perto de sua sede de vitória. Teve de ganhá-lo três vezes.

Rômulo Zaragoza

De cabo a rabo

Ano de eleições para presidente do Brasil. Candidatos expõem suas ideias. Direita ou
esquerda. Propostas. Prioridades. Pesquisas de intenções. Bíblia. Isso mesmo! Argumentos
políticos sendo fundamentados em fé. Na roda de debate só não vê quem não quer: a estupidez
humana leva à falta de senso do ridículo. Ai daquele que não diz “Glória a Deus!” no início do
discurso, elemento importante para que o decorrer do debate esteja dentro do planejado. Mas e as
pesquisas? Não divulgaram seu nome nem para botar 0% de intenções. Um absurdo! Evidente
que sua campanha está inteiramente prejudicada por motivos como esse.
“Ora, mas ninguém é obrigado a concordar com determinadas legalizações”.
Correto! E por que o candidato discorda?
“Diz na Bíblia!”
A roda viva de argumentos mais parece uma exposição do que NÃO ser.
Uma revelação que abalou o país inteiro, deixando todos com medo do que há de vir: a
URSAL. Todos sabem que é uma obra por trás daqueles que já detém o poder em suas mãos.
Plano maligno. Uma vergonha. O brasileiro não sabe o que fazer com uma informação dessas
nas mãos. O que era um segredo agora está exposto. Nação brasileira, o que será de você?
Dentre tantas opções ruins ainda existe quem se esforça para ser pior. Há quem prefira
acreditar que é brincadeira, melhor crer que não é real. Quem diz “só morro depois que vir de
tudo”, já está pronto para morrer.

Edmundo Pevensie
Um menino, esse, de Madureira, dizia querer ser jogador. Habilidoso com a bola nos
pés, junto à ela, havia holofotes em cima de si, sem a mesma, mantinha-se quieto, fiel
amigo da sua timidez.
Pouco tempo durou até chegar na base de um dos grandes do Rio, o famoso gigante da
colina, onde ali, com a cruz de malta, provaria seu dom com a bola.
O jovem franzino de cabelo ondulado logo se destacou, por seus dribles, jogadas,
passes, só pecava apenas no gol, preferia ser “garçom”.
Jogo após jogo seguia o menino fazendo fila, um por um ele passava com seus dribles e
tabelas dentro da quadra, mas o que ainda faltava era o arremate no último terço do
campo. Pois então, um dia seu pai falou, que a cada gol que fizesse seria um “trocado”
que o menino ganharia, e dali desandou, junto aos seus passes perfeitos e seus dribles
fantásticos vieram bolas e bolas de seus pés arremessadas balançando as redes de seus
oponentes, muitas delas vindas de fora da área de defesa, quase todas implacáveis!O
garoto cresceu e não durou muito pela América, a Europa o chamava. Aos dezoito anos
de idade lá foi ele, mostrar seu talento ao mundo. Na Itália pouco convenceu, em sua
primeira passagem pela Catalunha também não vingou, e assim, retornou ao país azul.
Em 2013, com seus vinte anos, conheceria a cidade da rainha, vindo para os “reds” da
Inglaterra, onde, de fato, mostraria seu verdadeiro dom. Ali se mostrou ser o “pequeno
mago” que hoje é entitulado mundo afora. Viria a retornar à Espanha, agora no gigante
do “tic-tac”, encantando o mundo com as suas duas camisas, a canarinho e a grená.

Almirante Uff

Decisão

A manhã é saudável e agitada. As louças repletas de frutas aglomeram-se sobre a mesa. A balanceada dieta inicia o movimentado dia que está por vir. No luxuoso hotel, as roupas dão inicio aos rituais. A blusa. Os tênis. A bandana. Os repetidos símbolos do patrocinador. As vestes próprias situam o atleta. É dia de jogo decisivo. As enormes bolsas já estão prontas. Os músculos alongados. As crenças e transtornos tomam os minutos finais da preparação. Lá fora, o carrinho de golf aguarda a demorada aparição do competidor. É hora de embarcar em mais uma partida. As câmeras disparam flashes. Os fãs acenos. Os telespectadores torcem de seus assentos. O vestiário serve apenas de passagem. A superstição não pode ser abandonada. Os pulos contados, os movimentos de braço, a repetida rotina de jogo. Ovacionado, entra em quadra um dos maiores esportistas da atualidade. As palmas. Os gritos. Os vocativos. A aparência que antecede o duelo é impecável. Imergem-se na clamorosa recepção da Philippe Chatrier os atletas. O “tic tac” dos relógios esquenta a Final. Os incontáveis cacoetes se apressam, em agonia paranormal. O rito deve ser completo para que se ganhe o jogo. As garrafas que apontam. O não pisar das linhas.  A toalha que seca. Os fios de cabelo. O nariz. A incômoda cueca. O silêncio toma conta da arena. A concentração faz cessar a angústia. O quicar das bolas. O tempo. O jogo começa e tudo se resume às consecutivas e repetidas onomatopeias de esforço.

Zé Zepilim
Minha magnitude é inegável. Meu legado é visível quando questionado a qualquer
infância brasileira. É difícil de esquecer os meus cabelos loiros e baixos, ou minha
personalidade marcante e envolvente. Não sou uma pessoa narcisista, muito menos
mentirosa, portanto, me descrevo com base em meu exército de crianças, hoje adultos,
que me consagraram tudo isso. Músicas, filmes, programas, comerciais, toda a marca
que hoje possuo é erguida com meu próprio nome.
“Rituais satânicos, fez pacto com o tinhoso pra ter tanta fama” são rumores que
circulam quando o carisma foi, e ainda é, a única escada para meu sucesso. O final do
século XX e o começo do século XXI foram momentos que nunca serei capaz de
esquecer. Em meu auge, vivi intensamente, e, de meu ventre, tive o ser que sou mais
apaixonada, que sempre foi meu motivo de felicidade.
Apesar de uma infância marcada de traumas, externei todo o amor possível em minhas
oportunidades, e talvez daí tenha sido o segredo do sucesso que me cerca. Os baixinhos
e eu teremos sempre ótimas lembranças do xou que foi viver a infância com tanta
intensidade.



Alaska Pett