sábado, 8 de julho de 2017

Ferrari

Nossos olhares se encontraram naquele sábado e eu não sabia que aquele seria o meu fim.

Deixei-me encantar antes que fosse capaz de me salvar do seu abraço letal. Presa como se estivesse a usar cinto de segurança cuja segurança era quebradiça e temporária, mas confortante o suficiente para enganar. Te chamo de Ferrari 812 Superfast, superequipado com tudo que precisa para seduzir quem se arrisca a lhe acompanhar em um passeio, capaz de oferecer o que esse alguém mais deseja. Seu sistema de Passo Corto Virtuale o torna ágil como ninguém nas mudanças de direção, tornando impossível decifrá-lo, desvendar as suas decisões, intenções. Faz, teoricamente, 0 a 100km/h em 2,9 segundos, velocidade metafórica para descrever a rapidez com a qual você conquista e se torna íntimo. Mesmo reservado, é mais estridente que um motor V12 aspirado; tudo se torna apenas um ruído banal quando você se faz ouvir, seja quando fala, seja através da música que faz. E ouvi-lo sempre foi intoxicante, viciante. Viajar contigo foi a minha vida. E a minha morte.

Mas você ainda vive. E mesmo vivo, ainda me assombra, mas quem me visita são os seus fantasmas bons e não os seus demônios. Como se eu não soubesse que eles existem. Como se fosse capaz de esquecer do meu sangue caindo, gota a gota, quando me feria, ao passo em que me fazia provar do gosto que não era amargo, mas doce. Você tornou o inferno céu, e eu pensei que tinha um anjo diante de mim. Me despi de mim e me revesti de você e pensei estar me cobrindo de algo bom. Tampei os ouvidos para os avisos que julguei serem equivocados e mergulhei na sua escuridão, que não era negra, mas rubra. Vermelho não era a cor do amor. Era o alerta de fuga que ignorei. E aquela madrugada que passamos juntos se tornou pano de fundo do resto dos meus dias; o céu estrelado era o nosso cenário quando nossas conversas profundas seguiam noite adentro, mas eu podia sentir as estrelas caindo sobre mim quando as madrugadas eram o momento em que meus joelhos encontravam o chão e os olhos doíam a cada lágrima que caía ardendo como ácido.  

Meu sonho de infância era ter uma Ferrari e eu fui arruinada por ela.

Meu coração se tornou uma massinha de modelar para o divertir até se desfazer entre os seus dedos e deixar um vazio no qual o seu nome ecoa. ”Aquele que ensina” não só ensinou com as feridas que causou, mas deixou marcas, cicatrizes tão reais que quase podem ser tocadas; lembranças de uma criatura arrasadora que contaminou e se espalhou como uma metástase que ainda queima quando ressurge. Suas mãos que antes ofereciam carinho me despedaçaram, mas me fizeram uma bela obra de arte degenerada e lascada nas beiradas e no interior.

Nossos olhares se encontraram naquele domingo e eu não sabia que aquele seria o meu recomeço.

Serena Frangipane.

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