sexta-feira, 27 de novembro de 2020

reino das imprevisibilidades


se arrastam os dias

minha cama antes tão pequena 

hoje se faz um mundo inteiro 

eu me perdi por muito tempo no espaço entre ela 

e o medo que cerca o que habita fora do meu quarto 

fora do que eu conheço e tenho certeza 

buscar certeza em tudo me levou ao desespero 

pra nessa realidade alternativa que agora é a única que conhecemos mesmo que muitos neguem que ela esteja acontecendo 

descobrir que a certeza não existe em canto nenhum desse mundo 

nesse reino das imprevisibilidades 

por anos me sufoquei dentro de mim 

pra não existir no mundo lá fora 

pra não correr o risco de perder o ar 

e hoje entre as tragédias no jornal 

os dias se arrastando 

e o ar que passou a fazer tanta falta pra milhares de pessoas 

eu sinto saudade dessa liberdade que por tanto tempo neguei a mim mesma de poder correr livre fora da minha cabeça 

de poder ver o outro existir e o tempo passando corrido 

as risadas dos meus amigos e a noite virando dia 

de poder decorar os entalhes na madeira que marcam a história de um povo e encontrar no mundo respostas para o que achei existir so em mim 

eu perdi muito tempo no espaço da involuntariedade dos medos que minha cabeça criou esse medo irreal de me perder sozinha na multidão 

do meu coração disparar tanto até parar de bater 

do mundo cair em cima de mim 

e dos homens que acham que são donos do meu corpo 

e agora que o tempo se fundiu em muitos que nunca acabam 

eu me sinto em constante represa 

constante tentativa de me guardar pra me ser outra hora 

mas nesse tempo que vivemos a outra hora é tão incerta 

quanto o presidente ler livros e saber história 

então, eu busco a cura de dentro de mim 

me lembro de respirar sempre que me falta ar 

enquanto a única fração de sol que entra ao meio dia pela brecha da janela toca minha pele eu aguardo o momento que vou poder recuperar o que perdi 

e pacientemente, espero esse mundo se curar.


                                                                                                                Filha de Oyá


A felicidade dos finais de semana

 Por cerca de uns 17 anos, todos os finais de semana tínhamos almoços em família. Nos de verão, aos sábados e domingos. Minha casa vivia cheia, com minhas tias, tios, primos e avós. Era aquele churrascão, que começava as 12h e terminava as 22h com o “enterro dos ossos”, que por sinal, minha avó saber fazer isso como ninguém.

Eram aqueles dias que eu acordava animado por saber que os primos iam vir para minha casa. Acordava cedo, colocava a sunga/short, tomava meu nescau e ia para a churrasqueira ajudar meus pais a ligar o freezer e temperar o frango e o coração. Sempre era na minha casa, eu morava num casarão lindo. Piscina (que tinha mil acessórios, por ex.: uma rede de vôlei), sauna, churrasqueira, forno a lenha.

Eu e meus primos ficávamos na piscina a tarde toda, claro que depois que comíamos tínhamos que esperar uma hora para voltar, porque se não faria mal. Saímos com os dedos todos enrugados e, mesmo passando protetor a cada hora, ficávamos igual pimentões. Nossos pais ficavam oscilando entre a piscina e a churrasqueira para pôr o “refil” da cerveja. Quando eles já estavam “altos”, começava a rolar as músicas e as danças que eu amava. Não sei se minha dinda sabe, mas eu namorava ela a cada passo de dança que ela fazia. E o meu tio maluco, entrava na piscina para brincar de afogar as crianças, a gente amava, mesmo pedindo parar. E ele não parava (ainda bem), só quando minha tia chegava e falava que já estava demais.

Acabava o fim de semana e a rotina de escola e trabalho dos pais voltavam ao normal. Mas, mesmo assim, tínhamos os lanches da tarde na casa da vó e, por algum tempo, não me lembro o quanto, jantávamos todas as quartas juntos. A família toda, sempre. Chegava o próximo final de semana e...... mais um churrascão daqueles.

Para mim, aquilo era super normal. Na época não era algo que eu dava o valor que era merecido dar, já que desde que nasci acontecia aquela festa todos os fins de semana.

Até que um dia, minha dinda conta que ia se mudar para outro estado. Para a família toda foi um baque. Ela é a pessoa mais animada para fazer coisas. Para mim, foi um baque duplo, porque além disso, a pessoa que eu era mais grudado no mundo ia sair de perto de mim. Meu primo. Éramos como irmãos, era impossível conhecer um sem saber do outro. 

Hoje em dia, mesmo a gente indo e eles vindo, a saudade ainda é a mesma de desde o dia que eles foram. E, de todos os churrascos, lanches e almoços.

Continuamos sendo uma família muito unida. Quando vamos para lá, é festa o dia todo, todos os dias e, quando eles vêm para cá, a mesma coisa.

Sempre soube que eu sentia saudades disso, mas hoje, escrevendo isso e vendo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto, pela falta de tudo daquela da época, eu tive mais certeza ainda da falta que isso tudo faz. 

                                                                                                   Rita Skeeter


Ruínas de Guerra

 Eu travo guerras na minha cabeça, entre os muros que construo e os demolidos por forças externas. Minhas trincheiras são apenas poças quando comparadas aos danos causados pelas bolas de demolição inimigas. Porém, a reconstrução e as marcas da batalha são muito mais doloridas depois que o frenesi e adrenalina do combate esvaem-se em lágrimas.

Creio que uma prolixa subjetividade e pedantes metáforas sejam tentativas falhas de recolocar os tijolos do meu muro destruído e remendado tantas vezes, excedendo qualquer capacidade  de contar. Cada vez que não me permito sentir minhas próprias emoções, respondendo na pior face da moeda, sua frágil estrutura é reforçada. Porém, quando concedo passagem ou me obrigam a abrir caminho para vulnerabilidade, o muro desmorona junto comigo, em corpo e alma.

Com palavras mais concretas, desde a infância fui atacada da pior forma, com palavras. Das poucas vezes que essas agressões foram materializadas, a ferida foi muito mais superficial. Definitivamente, a dor de olharem nos seus olhos, apontarem cada falha sua e insultarem cada parte do seu corpo, ainda em formação, é mais forte do que um empurrão contra a parede. 

Esses constantes abalos físicos e emocionais fizeram com que eu criasse uma defesa própria e utilizasse palavras chapiscadas contra qualquer investida, mesmo que ela fosse uma bandeira branca. Eu acreditava piamente que essa armadura de insolência me protegia, quando na verdade, ela impregnava  minha mente com ferrugem e angústia.

Hoje, apesar de não ter vozes púberes me rebaixando regularmente, seus ruídos ainda me assombram. E, em meio a devaneios da madrugada, quando o volume dos ecos aumenta, o remorso bate na mesma intensidade. 

Arrependo-me de ter deixado palavras vazias, minhas e alheias, me consumirem. Arrependo-me de ter sido um alvo fácil, meus contra-ataques abriram mais brechas do que avançaram em território rival. Arrependo-me de esconder mais singelos traços por trás da fúria e da arrogância. Arrependo-me de não ter sido honesta comigo mesma. Arrependo-me de ter afastado quem me estendeu a mão por medo.

Não sei se um dia serei capaz de transformar essa ruína em um abrigo. Infelizmente, não há protocolo para consertar meu muro nem meu coração quebrado. 


                                                                                                                  Glen Coco

Olhos Abertos

 Observar é algo que faz bem.

Ou pelo menos acha que faz bem.

Tem medo de deixar algo passar, mas acaba deixando.

Não gosta de ignorar sinais, mas sem querer, ignora.

Sem querer? Claro, sem querer.

Assim como muitos ao seu redor, já se arrependeu. 

Ela acha que com sorte consegue contá-los em uma só mão. Alguns são latentes, a visitam à noite. Chegam sem avisar, deixando o peito apertado, os olhos marejando e a mente implorando para esvaziar, pra ficar em branco. “Como não percebi? Como pude?”

Outros não são assim tão cruéis. Há casos em que não tem certeza se realmente perdeu algo ou se livrou-se de algo, mas sabe que já sentiu aquele estalo, quase como uma epifania de que era tarde demais em algumas situações.

Aquele estalo de que gastou tempo e energia em coisas que hoje não fariam nem cócegas e antes eram a famosa tempestade em copo d’água. Aqueles pensamentos de “e se...”. Mas acontece que o “e se” não muda nada, na verdade, ficar preso dentro de pequenas possibilidades só piora as coisas. Torna o arrependimento pior.

Ela já se abriu sobre alguns deles, sublimou muitas coisas no documento do word. Não fazia ideia de como isso lhe faria bem de alguma forma. Já falou da perda de quem ama e de como queria ter feito diferente. Como queria. Já falou dos desejos que tinha e que ao realiza-los viu que estava fazendo besteira. Demais. E hoje com os olhos abertos, espera conseguir pelo menos aproveitar o que tem, se entregar enquanto tem, viver enquanto tem.

Fazer de tudo... Enquanto tem.


                                                                                                           Gato de Chita

A gente só serviu no sonho/ A gente só prestou dormindo

 Se o sonho é a realização dos desejos inconscientes, é nesse território em que procuro me decifrar. Lugar que se fosse pintado com tinta, seria de carmim e cor de neblina. Não dá pra ser imaginado nos moldes humanos, com casinhas e ruas, apesar de ser residência das minhas vontades, meus maiores medos e traumas. Território onde fico presa quando não consigo acordar e onde posso me liberar sem censuras ou juízo moral. O único canal direto para mim que possuo, onde tento tento me encontrar e me conhecer verdadeiramente, mesmo com todas as sombras. 

E nesse local onde me encontro, que o encontro. A primeira vez que o vi por aqui foi depois de ir a uma festa em que ele estava presente. A partir desse dia, me recordo de vê-lo habitar meu espaço algumas vezes. Chegou despretensioso, me acompanhando em eventos e me fazendo companhia, surgindo inesperadamente em dias específicos. Era bom, mas não o suficiente. 

As conversas e trocas que duravam horas se tornaram reais, e ele entrou no meu caminho, existindo não mais apenas nos meus sonhos. Finalmente era bom, e eu acreditei que poderia concretizar aquilo que preenchia cada vez mais minhas noites de sono, e talvez assim o tiraria da cabeça. Uma tentativa em vão, pois todos aqui no território já sabiam seu nome e suas aspirações de vida, seu gosto pra música e em quem se inspirava, ou como ele costumava dizer, seu alter ego. E suas visitas se tornaram quase diárias. Estava contaminada por ele, como uma mancha que ao limpar, se espalha completamente. 

Tudo desandou. Não é que tenha dado errado, só não era real. Minha falta afetiva dele era fruto de sonhos, do onírico, de apelos do inconsciente, que se tornou uma paixão que só fazia sentido pra mim. E a realidade material, que se mostrou mais difícil ainda de ser prevista, não pode de forma alguma se equiparar ao imaginado. Não supre a incompletude da vontade, que apenas permanece quando está intocada. Irrealizada. 

Ele ainda está aqui. Agora, de forma diferente, aparecendo no fim de acontecimentos só para posar pra foto (e isso é a cara dele), como um mero figurante que ainda rouba a cena. Na vida, amigos. Na verdade, colegas que conversam muito quando se esbarram por aí. Melhor assim. 


                                                                                                      Estela Lia


Querida ex-amiga

 Querida ex-amiga,

Com você eu sorri, chorei, aprendi, vivi!

Para você prometi ser inseparável, mas não pude cumprir minha promessa.

Confesso aqui, hoje e agora, que gostava até quando nós não concordávamos em tudo e você ficava brava, sinto saudades de quando você me alertava sobre meus medos, e, além disso, sinto falta da nossa cumplicidade.

Nossa amizade era perfeita e quem olhasse de fora nunca poderia imaginar que chegaria ao fim, só que ela chegou!

A vida resolveu mandar cada uma para o seu lado, tudo desandou, nossa amizade perdeu o brilho e ganhou a distância.

Deixei você de lado!

No começo eu ainda tinha você, mas depois fui te perdendo. Eu vi você partindo aos poucos, e por conhecer novos amigos te deixar de lado e acabei te substituindo.

Hoje não conversamos mais, já não tenho seus conselhos, não sorrimos ou choramos juntas a cada vitória, ou derrota e só posso me arrepender por isso.

Precisei te perder para ver o quanto nossa amizade era importante para mim!

Hoje quando vejo você conquistando algo contínuo feliz por você já não é a melhor amiga com quem você quer compartilhar as suas conquistas, mas não posso te desejar nada de mal, já que a escolha foi minha.

Sinto muito pelo fim da nossa amizade!

Agora posso dizer que se tem uma coisa que eu me arrependo, querida ex-amiga, é de ter deixado você partir e a nossa amizade acabar.

Um grande abraço da sua ex-amiga! 


                                                                                                                       Sol e Luz


Vai doer no peito

 Ruim é passar os domingos sem comer da sua comida, sem poder sentir o cheiro da roupa de cama lavada que só você sabia deixar, sem nunca mais comer dos docinhos de leite ninho em formato de bichinhos que você fazia pra mim. Pior ainda é nunca mais poder sentir o aconchego do seu abraço…


Ainda sinto sua falta, acho pra sempre sentirei. Odeio pensar que a senhora não esteve presente na minha formatura da escola, nem vai estar na da faculdade. Queria que você estivesse sentada no primeiro banco no meu casamento, ou que pelo menos tivesse chegado a conhecer meu irmão. 


Impossível passar pela sua antiga casinha e não lembrar da gente no quintal quando eu era pequena. Infelizmente derrubaram o quartinho que tinha ali na frente, aquele que a gente brincava de casinha, de supermercado e um monte de outras coisas. 


Minha vózinha, me desculpe por não ter passado tempo o suficiente com você, por não ter dito que te amava o bastante. Perdão por ter preferido ficar na frente da TV ao invés de te ajudar na cozinha, talvez eu não teria me tornado esse desastre cozinhando se tivesse aceitado seu convite. Também não consigo achar nenhuma foto de nós duas, isso é tão… triste. Devo ter alguma perdida, mas ainda não consegui encontrá-la. Queria te levar dentro da minha carteira pra todo lugar que eu fosse.


Uma música em especial sempre me lembra a senhora, desde meus nove anos que não consigo ouví-la sem chorar. Ela é tão linda, lamento por nunca tê-la apresentado a você. 


Não me recordo também da última vez que te vi, da última vez que falei com você, me arrependo de não ter batido o pé quando minha mãe não me deixou ir te visitar no hospital, eu poderia ter te dado um último abraço, ouvido sua voz pela última vez, mas ninguém me avisou que isso me faria tanta falta.


Diz que vai voltar… 


Agora tudo o que me resta é saudade.


Te amo para sempre! Tudo isso aqui é por você, para você.


                                                                                                            A Garota da Echarpe Verde


Busca espacial

 Era um dia quente de novembro e um evento muito especial se aproximava. Meus sentimentos se misturavam entre desejo, angústia e ansiedade. 

Eu participava de um projeto na minha escola com mais 3 colegas em que com o auxílio de um software a gente procurava asteroides. O convite surgiu de repente, quando uma professora que atuava bastante na escola organizando evento cultural saiu de sala em sala convocando alunos. Como sou um pouco curiosa pensei "por que não?", então aceitei a proposta.

Dias depois começamos a mexer no programa e dei uma desanimada. Parecia tão morno e sem graça, era só um software em que você ficava com os olhos vidrados na tela do computador a procura de pontinhos. 

Seguimos assim por mais alguns dias, nessa busca sem grandes emoções. Até que um dado momento, os 4 pares de olhos atentos avistaram algo diferente. Surgiu uma euforia e corremos para chamar a professora. 

Quando ela chegou contatou rapidamente o rapaz que coordenava o projeto na cidade. E então descobrimos que aquele não era qualquer asteroide, era O asteroide. Era uma espécie rara que se buscava há algum tempo e acabamos sendo sorteados pela vida para fazer essa descoberta.

Poucos dias depois, Ricardo, coordenador do projeto, entrou em contato com o Dr. Joseph da Universidade de Howard, em Washington, que conta com a NASA University Research Center, para informa-lo desse grande achado. Com isso, Joseph ficou muito animado e feliz, então decidiu organizar um evento para anunciar essa descoberta.

Mas então veio uma proposta inesperada: um discurso em inglês. Era para nós 4 fazermos uma breve apresentação da descoberta em inglês na câmara municipal. Nos preparamos muito para aquilo, estávamos realmente prontos! Mas no dia, o nervosismo e a ansiedade correram pelas minhas veias e tomou conta de mim. E então ao invés de passar a manhã naquele evento importante que tanto desejei participar, sequei minhas lágrimas em meu uniforme sentada num banquinho da praça perto da escola. Ao chegar em casa vi as fotos e vídeos do evento, parecia que deu tudo certo e ocorreu bem. Se arrependimento matasse...


                                                                                                            Mônica Magali

O último verão

 Apesar de a primavera ser a estação de acasalamento para uma boa parte das espécies de animais, entre os seres humanos o verão tem um quê de romântico. “O último verão” poderia ser um roteiro para qualquer filme estadunidense com um romance clichê, um céu azul quase sem nuvens, o sol bronzeando democraticamente qualquer um que posar diante dele, o mar, a praia, as frutas, as cores dos biquínis e as risadas dos amigos reunidos. 


Mas, no cotidiano dos subúrbios do Rio de Janeiro, a cena se parece mais com um ônibus pequeno e lotado, sem ar condicionado. Muitas pessoas em pé e todas suando bastante, mas a Mulher do Fim do Mundo não parece se importar. Na verdade, ela está com aquele sorriso bobo no rosto. Sorriso de quem passou a noite em uma festa com os amigos que tanto ama. Sorriso de quem está indo ao encontro de seu próprio amor de verão, que surgiu tão rápido e já significa tanto. 


Ela está cansada, mas não se importa com isso também. As aulas do seu último ano do colégio acabaram e, junto com elas, toda uma parte da sua vida chegou ao fim. Só que ela sabe que todo fim é necessário para dar lugar a um novo começo. Ela está animada com o grande talvez que está por vir. Talvez ela goste da faculdade, faça novos amigos, e consiga descobrir cada vez mais sobre a mulher que está se tornando. Talvez as coisas não aconteçam exatamente como ela espera. Mas certamente essa incerteza deixa tudo mais excitante. 


É nisso que ela está pensando quando desce do ônibus e começa a andar. E ela caminha, passando por olhos vazios que fitam o horizonte, pertencentes aos velhos sentados nas mesas do bar da esquina. Ela vê as crianças que brincam na praça e dá boa tarde a um casal quando passa por eles na calçada. Tudo parece tão aconchegante, tão certo. Tudo parece tão romântico e ao mesmo tempo tão real. 


O problema é que, enquanto seu sorriso se abre e seus olhos brilham, ela se esquece de que todo verão acaba. E se você não conservar o que construiu ao longo dele, o sol se põe e a noite se torna fria e não tão amigável. Mal sabia ela o quanto sentiria falta de caminhar por mais de meia hora sob o sol escaldante. Até daquele ônibus péssimo que quase nunca passava ela sentiria saudade. Saudade dos beijos, do contato físico e do movimento ritmado. Os pêssegos, as bananas e as romãs. Os papos aleatórios no ponto de ônibus depois da dança. As resenhas na casa da amiga, casa que já era quase sua, casa que era de todos eles. A universidade com a qual se encantou quando foi fazer a matrícula. 


O último verão acabou e levou tudo consigo, sem pena, sem avisar. E agora resta à Mulher do Fim do Mundo tentar aprender o máximo que puder com esse inverno que parece nunca acabar.


                                                                                      A Mulher do Fim do Mundo


Preso no tempo

 Sabe um poder que eu sempre quis ter? O de viajar no tempo. Imagina, poder mudar o passado!

- Pica-Pau, se fizer isso, você muda o presente também!

E onde seria ruim? Para alguém com muitos arrependimentos e apegado ao passado como eu, não é fácil seguir em frente sabendo que se eu tivesse dado valor aqueles momentos e agisse de outro modo, tudo poderia ser diferente.

Ao lembrar daquele tempo sinto uma mistura de felicidade, nostalgia e tristeza, muito provável que tenham sido os melhores anos que vivi, mas hoje os vejo preenchidos de remorsos. Remorsos de quem eu fui e poderia vir a ser, mas acabei sendo acomodado demais.

Naquela época, não tinha do que reclamar, possuía as melhores notas da turma, poucas responsabilidades, um grupo de amigos que sempre estava comigo. Mas era muito difícil lutar contra minhas limitações, nunca fui alguém extrovertido, vi no meu ciclo de amizades uma oportunidade de me proteger dessa minha dificuldade. Por conta disso, tive poucas experiências fora daquele grupo e a barreira entre mim e pessoas novas aumentou.

Mas os outros não seriam estagnados como eu fui, e com o tempo as coisas mudam, o afastamento de um, de dois, de três…. E por aí vai... Dói ver o contraste, passar de uma pessoa que tinha muitos amigos, para alguém que uma vez ou outra recebe uma mensagem no Whatsapp. Na época eu não me dei conta, mas quando paro para pensar, eles eram tudo para mim, foi um erro ter tido esse comportamento e não ter me aberto para outras pessoas também. 

Não dei valor somente as amizades, mas também a minha vida acadêmica. Não tenho dúvidas que sempre me esforcei ao máximo, porém eu poderia ter feito mais, ter transformado todo aquele tempo livre em algo muito mais produtivo, porém outra vez me acomodei e deixei passar. Fui perseguido por todas as consequências e ainda me puno, mas de certa forma vejo que foi necessário para que esse Pica-Pau pudesse aprender a voar fora da sua zona de conforto. Só preciso aceitar isso de uma vez.


                                                                                                               O Pica-Pau Biruta.


O ano que perdi

 Do que eu senti falta nessa pandemia? De pessoas que não encontrei? De amigos, romances, conhecidos que se cumprimentam na rua?

De eventos, de estar junto, das possibilidades?

Acho que um pouco disso tudo. Têm a sensação do tempo, do muito tempo, eu tinha uma outra percepção de tempo antes.

Tempo e espaço.

Porque só pelo tempo tá tranquilo, o tempo ainda pode ser bem utilizado, mas o espaço é o mesmo, e é fechado, emparedado, com iluminação monocromática.

A vontade de voltar ao que era antes, a liberdade subestimada que era andar de ônibus sem máscara, a vida que, por mais semelhante que fosse, era mais direta, mais simplificada, sem um fator externo, um inimigo oculto.

E de tudo que se permitia, Maracanãs ou campos de society; belos carnavais ou péssimas choppadas...

Nunca pensei que gostaria de ver o mundo voltando ao que era antes, porque nunca achei que mudaria pra pior.

Mudou.

Por todos aqueles que já se foram, por todos que ainda estão.

Que 21 seja diferente.


                                                                                                        Plínio Haroldo Cisne


Se arrependimento matasse, estaríamos todos mortos

 Aquele sentimento de que você poderia ter feito diferente é o pior de todos, o que te consome por dentro, aquele que você fica remoendo por dias, semanas, meses e até anos. O arrependimento quando bate machuca e arde, arde como Merthiolte, aquele vermelho e da pazinha de plástico com pontas afiadas, e sofremos calados. O pior tipo de arrependimento é o de não ter feito ou tentado algo, pois com isso nunca saberemos a resposta, seja ela positiva ou negativa, mexendo e abalando com o nosso psicológico.

De desconhecida para colega, de colega para amiga, de amiga para … Nunca saberemos. Nunca fui muito de pegar deixas ou entender as entrelinhas, então se dependesse de mim continuaria na mesma e ela nunca quis ser direta. Tínhamos nossas brincadeiras, conversamos diariamente, ela ia na minha casa, almoçamos juntos, saímos diversas vezes, e ali entre o círculo de amigos rolava aquele coxixo, mas desapontamos todos, nunca tivemos nada sério. A sua voz que me cativava, com aquele sotaque do interior, que para um carioca era bem diferente, mas achava sua maneira de falar fofa. E é com a sua voz que você anda cantando e encantando por aí, me enchendo de orgulho, só de lembrar de você cantando nos intervalos das aulas.

Será que daríamos “certo”? O certo é relativo, mas eu tenho certeza que iríamos viver momentos maravilhosos juntos, assim como fazíamos, seja nas competições, com você torcendo por mim e eu torcendo por você, ou no dia a dia, a gente se completando e fazendo companhia um ao outro. Se eu tivesse tomado iniciativa, ali mesmo, na fila para comprar um milkshake. Se você fosse direto ao ponto comigo e não esperasse eu tomar iniciativa. Se… O “se” não ganha jogo e nem muda história. Não há borracha que apague os erros do passado, não há máquina do tempo que faça o tempo voltar e eu possa reconstruir tudo, o que há é apenas o arrependimento. Então, se arrependimento matasse… vocês já sabem o resto.


                                                                                                       Lucas Ribamar


Queria ter estado ao seu lado quando deu o último suspiro

 Era um dia quente de verão, você estava incomodada com alguma coisa, não parava quieta... reflexos de um câncer já avançado que não reagia mais à quimioterapia. Nossa família só queria que você tivesse qualidade de vida nos dias em que ainda estivesse entre nós. Uma ida ocasional ao hospital logo se tornou uma internação que durou semanas. Claro que você estava desconfortável e queria voltar para casa, mas infelizmente isso não era possível. Então fizemos revezamento para passar os dias e noites no hospital com você, te fazer companhia e tentar arrancar uns sorrisos seus. Não foi fácil, mas a gente tentava.

Meu avô não estava bem, sofria do mesmo mal que você e sentiu tanto a sua falta que partiu, mas você não sabia. Esse dia nunca sairá da minha memória. Havíamos voltado do funeral do vovô e eu fui passar a noite no hospital com você. A família não queria te contar, eu fui contra isso, achava que você deveria saber, mesmo assim, não consegui falar a verdade quando você me perguntou “como está o seu avô? Ele está se alimentando?”, na hora só consegui dizer “fica tranquila, vó, ele está bem, meu tio está cuidando dele”. 

E se eu tivesse falado a verdade? Você teria nos deixado mais cedo? Até hoje sinto um arrependimento sem tamanho que gerou resquícios de culpa. Mas a verdade é que nunca vou saber o que poderia ter sido diferente, mas acho que você sentiu, acho que você sabia durante todo o tempo, a sua ligação com o vovô era tão forte que só vocês dois entendiam. E por que falo isso? Porque você nos deixou apenas três dias depois e como eu queria ter estado com você até o final e dizer que estava tudo bem e que você podia ir em paz.

Acho que a gente romantiza essa coisa de estar ao lado da pessoa até o último suspiro, às vezes penso no quão traumático pode ser, mas na verdade, não importa, eu queria que você soubesse que eu estava ali, cuidando de você da mesma forma que você cuidou de mim ao longo de toda a minha vida. Você partiu justo no dia que não tinha ninguém com você no hospital e isso me quebra de uma maneira que nem sei explicar.

Às vezes penso que você planejou tudo já que não gostava de dar trabalho pra ninguém, muito menos ver as pessoas tristes. De qualquer forma, me perdoa, vó! Eu queria ter dito a verdade sobre o vovô e queria ter estado com você quando fez sua passagem, mas eu não estava e isso eu não posso mudar. Talvez você apareça tanto em meus sonhos como uma forma de falar que tá tudo bem e que você e vovô estão brigando por bobeira e se amando daí de cima, eu realmente quero acreditar que sim. Uma coisa é verdade, sinto sua presença e seu amor da mesma forma que antes, só a saudade de te dar um abraço que sempre bate forte, mas quando ela vem, eu faço questão de abrir um sorriso e derramar um lágrima de felicidade só de pensar que tive o privilégio de ter você como minha avó. Obrigada por tanto, te amo pra sempre!


                                                                                                          Incenso de Baunilha

Desejo o passe de mágicas que não existe

 A formatura dele foi linda, ele estava brilhando em vida da forma que ele sabe bem fazer. Aquele sorrisão completando uma cena maravilhosa junto com aqueles  lábios carnudos, aquela altura chamativa e cor de pele impecável. Ele estava com o  semblante mais bonito ainda quando olhava para ela, a namorada pela qual ele é  totalmente apaixonado. Os olhos dele brilham feito farol quando ele fala dela, é lindo de  se ver e apreciar esse amor. 

Na graduação dele no Muay Thai ele transbordava satisfação e admiração por  ele mesmo. Nas competições seriedade, foco e determinação. Muito técnico, a cada golpe era nítido que ele sabia o que estava fazendo. O mestre dele sabia que ele tinha  aprendido a lição de casa. Eu sabia que ele se esforçou muito para chegar ali, que ele  desejava muito tudo o que estava vivendo naquele momento. 

Nos treinos eu o observava com clareza e certeza do que estava falando, dando  aula e encantando a cada lutador. Inclusive a mim. Um atleta perfeito e um professor de  apoio dedicado, inspirando a cada um mesmo ainda não sendo Kruang preta. A única  coisa que eu sei por ter observado de perto, as outras eu sei pelo desejo de ter observado 

de perto e ter acompanhado por redes sociais. 

Um misto de um grande desejo com arrependimento de não estar naqueles  momentos, de não estar por culpa minha. De ter sido infantil ao ponto de perder uma  grande e linda amizade que desperta até hoje o desejo de voltar no tempo, de aproveitar  o tempo não vivido ao lado do meu grande amigo.  

O meu maior desejo hoje é também o meu maior arrependimento, o desejo de  não ter sido infantil antes só que eu demorei anos para enxergar isso. A Nakia que  mudou e eu sou hoje pediu desculpas, mas pediu desculpas para uma pessoa que também mudou ao longo desses anos e não teve como tudo voltar como era antes em  um passe de mágicas porque nós não somos mais os mesmos. Nós não somos mais  grandes amigos.


                                                                                               Nakia Okoye

Conto de Fadas

 Era uma vez (sim eu vou começar com o bordão mais clichê de todos os contos de fadas) uma princesa, que vivia num castelo em sua cidade natal, ao lado da rainha e da bobo da corte. Desde que se entende por gente, a princesa mora ao lado da rainha, e a acompanha em tudo, há uma troca de confiança entre elas, pois o rei se casou com outra mulher e vivia em um novo palácio (afinal, toda princesa tem que ter uma madrasta, né?).

Ah, a rainha! Como começar a explicar a rainha? Era uma mulher que chamava atenção, lábios como a rosa, cabelos negros como ébano, pele branca como a neve (mas não, ela não era a Branca de Neve), que espalhava alegria onde ela passava. Ela era adorada por todos, inclusive pela família do rei (o que não ajudava em nada a madrasta da história), tinha um sorriso que melhorava o dia de qualquer pessoa e uma humildade tão grande que muitas vezes se esquecia que era uma rainha. Ela criou a princesa e lhe deu a melhor educação, baseada em confiança, humildade e dedicação, valores que a pequena carrega para sempre em sua vida. E a bobo da corte? Ah, era quem animava o castelo, era branca e caramelo, dorminhoca que só ela, e da raça Shitzu.

Seja por acaso ou destino, chegou o momento da rainha partir, aquele reino já era pequeno para toda sua grandeza, e ela precisava passar seu legado para a princesa. Com apenas uma semana de preparação, a pequena não soube muito bem como lidar com tudo, cometeu alguns erros dos quais não se perdoa, teve muitas lições de vida e, no fim, foi viver com o rei e a madrasta (e todos já sabem o que acontece quando a princesa mora com a madrasta. Se não conhece, pergunte à Cinderella), deixando a rainha seguir seu caminho sozinha.

Até hoje o reino não se recuperou da perda desta grande mulher, e a princesa, imaginem só, agora adulta, após muitas batalhas durante seu crescimento, virou quase um guerrilheiro. Ela não é mais tão delicada como antes, tão sentimental ou dependente, ora, seu coração foi roubado. Não por um caçador, mas pelo grande vilão dessa história: o arrependimento. A pequena carrega consigo o peso de ter perdido o contato com sua rainha, a pessoa que mais se importava com ela, e que, agora ela tinha certeza, era a pessoa com quem ela mais se importava, sua mãe.

E todos viveram felizes para sempre (?), fim.


                                                                                             Cigana Oblíqua e Dissimulada

Para: Manu

 Você tem ideia do quanto eu sinto a sua falta? 

Tenho certeza que não.

Confesso que na maior parte do tempo, eu me  sinto uma idiota. Mas o que eu posso fazer se você está presente em quase todas memórias da minha infância.

Você era a minha melhor amiga, não lembro como nos tornamos, mas lembro de todos os anos crescendo ao seu lado.

Lembro das incontáveis horas que nós passávamos no telefone conversando sobre tudo e ao mesmo tempo, nada. Lembro de todas as risadas, das fotos que tirávamos, lembro do cordão de melhores amigas que comprei pra  gente.

Você sabe o porquê da nossa amizade ter acabado? Eu costumo dizer que não sei, as vezes até falo que foi você que se afastou. Mas no fundo eu sei que a culpa é minha.

Eu via você se afastando, fazendo novas amizades e não fazia nada a respeito, não conseguia. Por um lado, achava que não era meu direito exigir que você continuasse sendo minha amiga e por outro, tinha certeza que as suas novas amizades eram mais interessantes e mais legais que eu.

O mais ridículo é que eu sei que você talvez nem se lembre mais de mim, talvez eu seja somente uma memória de infância pra você, alguém que você encontra na rua e fala "oi". Só que pra mim, esse laço desfeito criou uma ferida que não cicatriza. 

Você era a única amiga com quem eu conseguia desabafar, chorar, me abrir. Eu não tinha medo ou vergonha de ser eu, principalmente porque eu sabia que você gostava de mim desse jeitinho. E eu tenho certeza que é por causa dessa história mal resolvida que eu tenho esse bloqueio enorme com as minhas amizades.

Se você também sofreu com o fim da nossa amizade, me perdoa? Não posso prometer que hoje em dia seria diferente porque continuo com essa insegurança que sempre tira o melhor de mim, mas eu juro que eu tentaria.

Mas caso você nem lembre mais disso e esteja achando isso tudo um grande mico, me desculpa também. Eu precisava tirar isso do meu peito, ou então iria sucumbir.

Não sei se estou escrevendo na esperança de um dia te mostrar ou se é apenas uma tentativa de superar você, de qualquer forma espero que faça efeito.

E mais do que tudo, espero não cometer esse erro de novo, pois não tem nada mais doloroso do que só perceber o quanto você ama e deseja estar com alguém depois de perdê-la.


                                                                                       Princesa Consuela B. Hammock


Futuro do Pretérito

 Para quem não lembra das aulas de gramática, eu lhes refresco: sabe aquele tempo verbal do -ia? Faria, comeria, brincaria… isso tudo não aconteceu, claro, em decorrência de outros fatores. 

Então, eu viveria em paz, se não estivesse tão preocupada em converter o inconvertível, em brigar com o dono da briga e em chorar com quem sente prazer ao ver meu choro. Minha maior dor foi ter perdido minha paz. 

Sempre tentei exalar positividade e energia boa, isso desde cedo. Sempre fui aquela criança brincalhona, que era a alma da festa. Ganhava medalhas pelas competições de dança nas festas infantis, era boa companhia para adultos e acho que essa fase poderia ter sido a melhor da minha vida, se não fossem os traumas e a necessidade de ser validado que vieram dessa época. 

Cresci e me tornei extremamente político. Engajado com o que acredito, com debates, com justiça. Me envolvi em muita discussão com as pessoas e é esse o foco da minha crônica. Talvez esse meu senso de justiça, sempre muito aguçado, tenha tirado de mim a minha maior busca: a paz. Me envolvi em brigas feias com familiares, fui ofendido, me mandaram ir para diversos lugares que não sei dizer se estaria melhor neles. 

Perdi minha paz ao ponto de cortar laços definitivos, e na época eu achava que estava sendo extremamente justa. Hoje percebo que a verdadeira justiça estaria em poupar o meu desgaste emocional, e que a única coisa que eu desejava era ser escutado. Uma criança que é sempre tão passiva, cresce um adulto (re)ativo. E é daí que surgiram os conflitos, mas sei que é injusto tentar fazer essa análise olhando para o meu eu do passado, eu não pensava assim. Nunca fui escutado, nunca me deram espaço e voz. Me tratam como criança até hoje, porque é mais fácil “domar” uma criança do que encarar um adulto. 

Percebo, enfim, que é diretamente proporcional o autoconhecimento e o afastamento das pessoas. Quanto mais você se conhece, mais percebe que não é preciso aceitar muitas coisas. Era só me afastar, mas sem perder o amor e o respeito, e percebo que perdi minha paz, sendo que era ela que eu mais buscava o tempo todo. 

Buscava paz para os meus existirem, clamava por paz para as pessoas terem direitos básicos e implorava por paz para de fato me sentir representada no lugar que eu deveria e devo estar, mas tudo isso estava no futuro do meu pretérito.


                                                                                                                     Michael Scarn


Querido amigo

 Foram onze anos contigo. Quando eu havia perdido uma das partes mais importantes de mim você apareceu. Eu, ainda criança, só te entendia como um mero amigo. Com o tempo, vi que aquele buraco que tinha sido aberto estava em partes reposto. 

Hoje, olhando pra trás, eu não tenho certeza se te dei o valor que deveria. Principalmente no final. Infelizmente outros compromissos acabaram tomando o meu tempo e tirando a atenção que você desejava. E desejava porque merecia. Na verdade merecia até mais. 

Sempre esteve comigo e nunca pediu nada em troca. Na verdade pedia, pedia carinho, compaixão e as vezes um pedaço de carne porque não é só de ração que vive um cachorrinho não é mesmo? 

Ter um “irmão de quatro patas”, como minha vó falava, era um privilégio. E ainda mais um tão carinhoso e amável como era você. Por vezes ainda me pego abrindo o celular e revendo fotos antigas, ou simplesmente lembrando das bagunças e brincadeiras que você fazia. Da alegria e da animação quando alguém chegava em casa depois de um dia todo na rua. 

Tudo era uma grande felicidade na sua vida. E talvez por isso tenha sido tão difícil ter visto você indo embora. Mais ainda porque, como eu disse, parece que no final eu não estava tão próximo. Isso me dói, me machuca até hoje, mas sei que foi o melhor.

Onze anos depois, eu havia perdido uma das partes das partes mais importantes de mim.


                                                                                                                    Péricles


Fugere Urbem

 Bucolismo é, na literatura, característica da poesia que trata de temas campestres e pastoris com tom saudosista, marcante nos textos do arcadismo. O nome dessa escola literária surge em referência à Arcádia, província campestre da Grécia antiga, ambiente ideal para os apaixonados por natureza, e principalmente, por convescotes ao ar livre, retratados magnificamente por Konstantin Makovsky. No Brasil, um dos maiores expoentes do arcadismo foi Cláudio Manuel da Costa. 

Cláudio nasceu na atual Mariana, e depois mudou-se para Vila Rica, atual Ouro Preto, onde viveria a vida agitada da colônia nos tempos auríferos. No meio desse agito, escreveria seus textos, sempre com saudade do seu passado de pastor, na doce companhia dos gados, e como sua nova vida era sempre aflita, e magoada. 

Diante disso eu me pergunto, Claudio, valeu a pena? A resposta dele nunca terei, não sei nem mesmo a minha. Sei que cultivar o passado é nunca viver de fato o presente, ainda assim continua sendo fácil cair nessa armadilha. 

A vida interiorana era mais simples, sem preocupações, mais gostosa. Acerola molhada no quintal, jabuticaba no pé com caroço e tudo, e no domingo, galo ensopado. Em meio a todos esses sabores, ainda parecia que faltava algo na rotina pacata, um apimentado a mais, algo que saísse do tédio, da monotonia. Esse tempero não tinha na minha Arcádia, tive que procurar na metrópole Atenas. E foi assim que eu fui parar na cidade, o desejo do novo. 

Depois desses anos, permanece viva não só a memória gustativa, como também a afetiva, saudade da mãe, saudade da família. Perdura também a dúvida, valeu a pena ser mero espectador e ouvinte da vida com os que amo, em busca de um desejo? A resposta, como sempre, encontrarei na ausência. 

Se eu voltaria? 

Bem, terminemos com Cláudio Manoel da Costa: “Tudo o que foi paixão, é já loucura!”


                                                                                                            Cara de Pescoço

7 vezes 11 = saudade

 


Te tinha aqui. Como o jardim tem as mais coloridas flores. Como um dia belo tem um sol brilhante para nos iluminar. Como um arco-íris pintado de todas as cores sem precisar explicar sua beleza. 


Não importava para você se tais fenômenos naturais aparecessem ou não durante um dia. A minha chegada era sempre o motivo mais concreto para te deixar feliz. E lá estava você, após eternas 7 horas me esperando, de segunda a sexta. Corria tanto para pular em mim e me abraçar. E eu, bobo e mal-humorado, com medo de cair e me sujar, principalmente na chuva, quando você corria em dobro.


Dias antes do meu 18° aniversário você estava tão fraco. E, entre nós dois, mudou quem tinha medo de cair. Até ali eu achava que todo herói tinha força para sempre. E que toda novela tinha final feliz. 77 anos não é para qualquer um. O difícil era aceitar que só 11 passaram pelos meus olhos. Minha única esperança era ter você comigo no dia em que nós nascemos. Fui atendido.


Meu presente de 2005, seu nascimento me encantou a ponto de te escolher entre tantos. Meu choro de 2016. Você correu pela última vez atrás daqueles insuportáveis pombos, mesmo sem nem forças para comer o que eu todos os dias lhe servia. Era aquela mesma criança em meu colo no balanço pendurado na árvore. E eu, egocêntrico e prepotente, ignorei toda a sua alegria sem saber que ela não aconteceria no dia seguinte.


Te ver no chão jogado, duro e acinzentado por dentro e por fora foi doloroso. Preferi acreditar em Deus e nesses clichês de que ele precisava de você. A minha camisa branca limpa era tão simples e sem graça. Os pombos livres no quintal, em sossego total, engordaram, pois já não mais voavam com medo de você. Todas as quedas posteriores à sua morte não tinham seu carinho e sua lambida na sequência. 77 anos: um verdadeiro epitáfio para mim. E se existir um único erro na matemática, esse certamente é não tornar infinita a vida de um cachorro.



                                                                                                  Formiga Atômica

Partir e Voltar

 Partir, tão distante para que você possa se voltar, ver de fora seu objeto de análise.

Voltar, tão rápido para que você possa novamente parti-lo e partir.

No resumo do itinerário, mover-se encanta mais do que buscar encanto no que está estático, no canto.

Nesse momento o racional deveria tomar conta, entrar em cena, não acene para o cometa que desce, contemple a luz que acende o jardim da varanda.

O cometa já está se esfarelando, efêmero que só um pacote de biscoito esfarelado. Falando em biscoito, o de limão tinha mais sabor enquanto estava na prateleira!

Por isso falo e repito! Só que quanto mais falo menos você escuta, já não entra mais por um ouvido e o que entrou saiu pelo outro.

Você só a procura quando quer? Não, você só a procura quando ela já não quer mais, até que ela queira novamente. E agora me pergunta o que você deve fazer... Acho que você deveria ser, homem.

O jardim do vizinho te torna daltônico!

Virgilio Expósito


arrepender-se não é suficiente para salvar amores voláteis

 Você esteve na minha vida por sete anos consecutivos e eu não me imaginava sem você, já que você estava em tudo. Eu soube que eu te queria por perto quando você não respondeu aquela mensagem com a rapidez costumeira. 

Divergências religiosas, diferença nos estilos de vida, sonhos e desejos que se distanciavam, fomos nos perdendo de nós. Parece que vivemos um romance e hoje penso que foi quase isso mesmo, a nossa amizade foi intensa e memorável como aquelas grandes e melosas histórias Hollywoodianas. 

Lembro quando você tomou aquela barra de chocolate da minha mão uma vez, percebi o quanto eu realmente a queria naquele momento que você a comeu inteirinha. Não reclamei, afinal era você quem estava comendo, como eu poderia reclamar de você se deliciando no doce que mais gostávamos de comer juntas? Percebi, anos depois, que não era sobre a barra de chocolate em si, percebi que a minha vontade talvez nem tivesse sido de devorar o chocolate, mas sim de ter partilhado ela contigo, como fizemos tantas vezes com todas comidas que dividimos. Percebi que a minha vontade era congelar aquele momento. 

Te amei em cada detalhe, das mais variadas formas e com o amor mais puro que duas almas não gêmeas podem se amar. Você foi por muito tempo meu templo mais seguro e forte, minha fortaleza nas angústias e minha confidente dos mais íntimos segredos. Hoje, você não sabe mais sobre minhas dores, sobre meus medos, sobre meus sonhos e sobre minhas viagens nem sobre as próximas que eu vivo planejando. Hoje você é um passado remoto que eu convivo apenas com a lacuna. 

Nunca encerramos esse ciclo efetivamente, apenas seguimos caminhos diferentes, mas me pergunto todos os dias se não teria sido melhor assim, um fim definido. Um ponto final. Um tchau. Percebi o quanto sempre te amei mais e o quanto sempre dependi de você, quando ao contrário de mim, você apenas esvaiu-se, aos poucos e sem nunca me dar uma explicação. 

Me pergunto se isso tudo vem daquele relacionamento, daquele noivado, daquele casamento que eu ajudei por madrugadas a organizar, como a madrinha mais dedicada como você me chamava, para que tudo se saísse perfeito, como você sonhava e como você merecia. Mas você foi indo embora, depois de tudo, parou aos poucos de responder as mensagens, parou aos poucos de me contar da sua vida e de perguntar sobre a minha. 

Eu fiquei aqui. Estagnada por anos. Me arrependi por dias, meses e anos e me culpei por não ter insistido ainda mais. Mas talvez eu já tivesse insistido o suficiente e só o que restava era espaço mesmo, o seu espaço e o abismo consequente. Você já não queria mais estar perto, eu quem sentia falta disso o tempo todo. 

Obrigada pelos nossos anos, pelos aprendizados e experiências partilhados, você foi a minha irmã de outra mãe, um pedaço da minha alma que nasceu em outro corpo. Te amo mesmo de longe e te desejo uma vida linda e leve, ainda que não me caiba mais participar dela. 

Te cuida onde estiver. Sinto sua falta, mas isso não muda nada. 


                                                                                                               Joana da Rua


Amor Lúcido

 Eu tenho todos os sonhos do mundo, talvez eu deseje as coisas até demais, faço planos irreais e até caio na ilusão. Maldito signo de peixes! 

Vivo correndo atrás dos meus objetivos, tento realizar meus sonhos enquanto há tempo. Mas nenhum deles se compara a vontade de poder conversar com você mais um pouco, te abraçar e você conseguir identificar meu rosto, recordar nossas memórias e até mesmo me dar conselhos que nunca seriam seguidos. 

Só de lembrar das vezes que eu deixei de ficar com você por causa de algum compromisso idiota da escola, alguma festa com meus amigos, ou simplesmente porque eu estava com preguiça, me culpo demais e vejo como não dei valor para as coisas mais simples da vida enquanto as tinha. 

Eu amava tanto as tardes que passava na sua casa, e só de saber que nunca mais será como antes, meus olhos se enchem de lágrimas. A rotina com você era leve, o lanche a tarde era mais saboroso ao seu lado e nossos bailes de carnaval não têm mais a mesma cor sem o seu sorriso e sua animação. Maltido alzheimer! 

Agora, quando passo no seu novo lar, aquela casinha velha, sem o quintal que você tanto amava, chego com uma angústia no peito, sem saber se você vai se lembrar do quão importante eu sou e o quão bem você me faz. 

Sua casa antiga era tão ampla… nossos momentos na piscina, mesmo quando você não parava de limpar a varanda, eram tão especiais. A gente se divertiu tanto naquele jardim, comendo frutas direto dos pés e dando comida para os passarinhos que nos rodeavam. Obrigado por tudo que vivemos! Nunca me esquecerei do seu almoço, do seu abraço e do seu cuidado com a nossa família. Mesmo com suas dificuldades pessoais e a morte da vovó enquanto eu ainda era um bebê, você sempre foi forte e nosso porto seguro, nossa certeza. É tão triste pra mim te ver com os cabelos brancos, já que você amava deixá-los cheios de tinta para não entregar sua idade, ao lado da sua cuidadora e distante do mundo “real”. Parece que você ficou isolada na sua bolha… 

Não se deixe enganar pelo meu sorriso no rosto quando eu ainda consigo te visitar, por dentro, a dor invade meu coração e fico com medo de não ter mais a oportunidade de fazer carinho na sua pele fina, de olhar nos seus olhos, mesmo que aéreos e perdidos na conversa… dói pensar que eu nunca sei quando será a última vez. 

Eu te amo tanto, bisa! Espero que você tenha entendido isso ao longo da sua lucidez.



                                                                                                    Tofu Frito

Minha falta de arrependimentos

 Encarei essa página em branco por um bom tempo antes de começar a digitar. Tentei imaginar o que meus colegas de site escreveriam, quais dores eles ainda sentiam e decidiriam se abrir atrás desses pseudônimos. Consigo imaginar as cartas para pessoas que não valorizaram e as oportunidades que deixaram passar, mas minha cabeça continua no mesmo vazio. Acho que talvez meu grande arrependimento seja esse: minha sufocante falta de motivos para me arrepender.

Um pouco sobre mim, para aqueles que não conhecem a Lizzy Bennet sem ser a grande heroína de Jane Austen: eu nunca valorizo a vida enquanto estou vivendo. Quando o momento passa, eu olho para trás e penso “e se eu tivesse dado 100% de mim naquela ocasião?”. Quão diferente eu seria se, em outra vida, eu não fosse eu, e não tivesse tanto medo o tempo todo? 

Me imagino tomando todos os riscos, começando as aulas de dança, teatro e violão que eu sempre disse que começaria, enviaria aquela mensagem que tentei enviar quando gostava de alguém e deixei passar. Talvez eu acordasse todos os dias com um grande senso de propósito, com uma dedicação dobrada para estudar e encarar o mundo como se fosse meu. 

Me pergunto, repetidamente: será normal se sentir a atriz coadjuvante, assistindo sua vida do para passageiros, completamente inerte enquanto os anos passam e a paisagem muda, mas você continua a mesma? 

Minha vida toda é o grande “e se...” que me mantém acordada a noite. Sempre penso em tudo que poderia ter sido, desejo ter uma máquina do tempo para estar presente enquanto tudo acontecia, mas não tenho e sempre deixo isso me afundar mais. 

Repito para mim mesma, como um mantra que me puxa ainda mais: “Já é tarde demais para encontrar uma paixão.” “Você nem começou, mas já sabe que vai falhar, e que se não falhar vai ser medíocre em tudo que tentar.” 

  E eu acredito, cada dia um pouco mais.  

Meu maior desejo é viver e meu maior arrependimento é estar sempre me impedindo.


                                                                                                Lizzy Bennet

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Agradecimentos

 Querida Estela,

Sua precisão me assusta, materialmente, subjetivamente.

Ok, talvez eu prefira camisas de time, mas fui me lendo nos detalhes e era quase como se

olhar no espelho.

Pessoas são tão diferentes e ao mesmo tempo, pelo que deixam transparecer, pelo que se

propõe a mostrar, podem ser entendidas, sempre podem.

Em seus contextos, com seus históricos, tudo tão único, mas, essencialmente compreensíveis

por um olhar empático.

Agradeço muitíssimo pelo seu texto, e peço desculpas pela brevidade, mas já é tarde da noite.

Espero que essa carta te encontre bem.

Obrigado,

Plínio H. Cisne


                                                                                                Plínio Haroldo Cisne

Quem é o Incenso de Baunilha?


Querido Plínio Haroldo Cisne, 
Escrevo essa carta em uma tarde chuvosa e fria. Em dias como esse eu só pego uma camisa de banda que estava largada no armário, coloco um short confortável, meias, chinelo e está montado o look do dia. A preguiça toma conta de mim e junto com ela, a procrastinação. Quem nunca, não é mesmo?
Meu rosto pálido contrasta com minhas roupas escuras e clama por um solzinho (para além do bronzeado, de quebra ainda descolar aquela vitamina D top). Mas apesar da leve aparência de vela, quem é ele? Quem é o Incenso de Baunilha? Acho que de início a gente pode causar com aquela frase de impacto “Incenso é renovação”, é um sopro de ânimo nos dias tristes. Mas Incenso não é de ferro e tem seus dias de baixa. Quando eles dão as caras, fazem seu estrago pontual, mas não deixam de ser acolhidos, afinal, fazem tão parte da totalidade de um pseudônimo quanto os dias felizes e ensolarados.
Incenso aprendeu que o tempo passa muito rápido e, por isso, já não pega mais tão pesado com ele mesmo. Claro que às vezes ele ainda se esquece disso e dá umas deslizadas, mas de um modo geral ele se dá liberdade para pensar, criar e absorver.
Incenso também é um pouco de misticismo, é a crença nas sincronicidades da vida como uma forma de entender o nosso lugar no mundo. É viver no agora e saber que temos algum controle sobre nossas vidas, mas não sobre todas as situações e, dessa forma, reconhece que é no incerto que às vezes temos nossas maiores certezas. Ele faz a filosofia dele, rs.
Incenso é como água, é adaptável, se encontra alguma pedra no caminho, acha um jeito de contorná-la e seguir por novos caminhos que poderão lhe apresentar infinitas e inimagináveis possibilidades que ele sequer ousou imaginar.
Escrevi esta carta apenas para te dar um panorama maior sobre o que o Incenso é hoje e o que ele pode se tornar amanhã. E, assim, chegamos ao final do primeiro tempo desse jogo único. O que será que nos aguarda nos últimos 45 minutos?


                                                                                                                Incenso de Baunilha

Querida Jane,

Primeiramente gostaria de te parabenizar pela análise e descrição, fico muito comovido que tenha imaginado com tanto carinho um novo colega de trabalho. Mas receio que tenha enviado a análise para o Michael errado. 

Mesmo que encontre muitas semelhanças com o outro Michael Scarn, infelizmente nunca conseguiria trabalhar em um escritório. Sou da rua, do movimento, do barulho e do caos. Porém, quando tenho que passar momentos dentro de algum lugar, realmente seguro o rosto e conto os minutos para ir embora. 

Sou expansivo, amigável e longe de mim ser tímido também. Mas nunca, em minha vida, viveria de chinelos e de bermudas. Gosto de um bom e confortável casaco longo, blusa de manga, jeans e all star. Mesmo que por fora seja de todos, por dentro nem sei se sou meu.

Tenho minhas inseguranças, meus traumas. Estou bem, acompanhado, mas bem. Inconstante que só eu, posso te amar hoje e detestar amanhã, mas sou eu, sabe, Jane? Meus cabelos curtos e olhos pretos, minha estatura mediana e meus posicionamentos me tornam cada dia mais eu, e sou e me mantenho feliz, querida Austen.

Acho que foi passada uma atividade em grupo da sua empresa para dar feedback sobre meu xará diretamente a ele, não sei como encontrar o endereço de email real, mas te respondo dizendo que foi muito bom recebê-lo, até mesmo porque me fez refletir sobre quem realmente sou. Posso parecer que tenho uma personalidade muito comum, brincalhão e simpático, mas sei que sou uma ótima pessoa para silêncios e momentos de calma.

De qualquer forma, Jane Austen, gostaria de ser esse Michael Scarn só para saber que poderia contar com a pessoa que senta na minha frente, e que no futuro seríamos grandes amigos.



Com carinho,  

                   o outro



                                                                                                Michael Scarn