sexta-feira, 29 de abril de 2022

A morte de Francisco Otaviano, por Machado de Assis.

Machado de Assis tem muitos motivos que o fizeram estar marcado na História, e algumas de suas obras estão no gosto do público há anos, mas eu nunca ouvi ninguém falar de “A morte de Francisco Otaviano”. Esse pequeno texto, escrito em homenagem ao falecido amigo, traduz muito do anseio humano de preservar em atos terrenos uma eternidade que aos homens não pertence, o que, pessoalmente, foi o ato mais nobre de Assis em sua trajetória.

Francisco desde pequeno era um menino dos poemas e poesias, mas se tornou um homem das leis. Sua racionalidade, inteligência e proeza - elogiados por Machado - o ajudaram a construir uma carreira muito próspera no campo da política, contribuindo para muitas conquistas do país. No entanto, por mais que seus deveres pertencessem à Pátria, seu coração sempre fora de papel e tinta.

O sofrer que Machado aborda brevemente na homenagem é justamente por ele ter sido pego em algum lugar nas tramas do destino. Por mais que tenha vivido uma vida proveitosa e útil, faltou-lhe o gosto de se dedicar a sua primeira paixão que, silenciosa, aceitou ser a menor parte de sua vida, observando-o calada enquanto ele era roubado pelos Congressos, agitado pelos projetos e ficava noites revisando e assinando tratados. A Escrita, sua amante esquecida, foi a única parte da vida de Francisco com a qual ele sentiu que não cumpriu seu dever. Em honra ao último desejo do grande homem que foi Francisco Otaviano, Machado de Assis eternizou a história de amor do poeta pelas palavras numa crônica que a maioria desconhece.

Talvez você não conhecesse Francisco Otaviano, o homem político que flertou com a Literatura, mas as palavras do poeta Machado de Assis fizeram a história dele atravessar as épocas e repousar aqui, na tela do seu aparelho. Agora ele é parte de você também. Em alguma pequena saleta do seu cérebro, as aspirações desse homem vão estar catalogadas. Você talvez esqueça, mas elas estarão aí, enquanto você viver. Esse é o poder de um escritor, fazer um sentimento e uma história durarem uma vida inteira.

Quem dera aprendêssemos a escrever nas estrelas! Quem sabe assim, o que escrevêssemos nelas ficassem marcados por toda a eternidade.

A outra face que me assombra

 

A morte de Francisco Otaviano. Esta foi a crônica que escolhi, escrita por Machado de Assis em 29 de maio de 1889. Machado narra em sua crônica sobre a morte de outro escritor, talvez o considerado pai da crônica no Brasil, Francisco Otaviano. Foi poético e de extrema gentileza tais palavras dirigidas ao que partiu, visto que logo em seu início, Machado profere “morreu um homem, homem pelo que sofreu; ele mesmo o definiu...” E deparei-me com súbitos pensamentos se são nossas fraquezas que nos definem enquanto “homens” e não me refiro ao gênero e sim à nossa característica humana de ser. Você deve ter observado, caro leitor, que minha escrita tem vindo pesada, ora poética, ora rude, mas muito pesada.

Gostaria de livrar-me desta angústia e a escrita segue sendo o meu grito à minha confusão interna. Queria que as coisas fossem mais fáceis, queria passar pela vida bailando e cantando, com grandes descobertas, que fosse uma figura de representatividade, de inteligência, de força, de luta. E como bem sabemos, lutas são para a vida toda. No entanto, lamento pouco ter feito nisso que chamo de existência, pois mais me parece que estou tentando sobreviver a viver e eu fico aflito por isso. Queria transmitir nestas palavras o mesmo orgulho, saudosismo e afeto com que Machado descreve Francisco Otaviano, mas me perco em nuances de complexidade da minha existência. Isso porque o que concomitantemente também a permeia é um grande receio de não sentirem a minha falta, de ser alguém invisível, sem importância.

Então, a minha escolha por esta crônica vem pelo desejo de, um dia, poder ser um Francisco Otaviano para alguém. Quem sabe, algum dia as pessoas pensarão sobre Lilith e sentirão falta, terão orgulho de seus trabalhos realizados, de sua imponência e bravura. E escreverão coisas sobre Lilith e chorarão por ela. Até lá, seguirei fazendo a minha parte, ainda que seja muito apagada nessa estranha bagunça que é a vida, mas eu tenho gana de viver e minha alma brada por isso. 


Com ponderação,

Lilith

 VOCÊ É PRECAVIDO?


Imagine que  você, meu caro leitor, está andando pela rua da Alfândega, distraidamente, sonhando acordado, porque uns belos olhos o aguardam na outra esquina. E ,sem mais nem menos, os transeuntes são assim mesmo, passa por você um homenzinho robusto, cara larga, metido em um paletó meia boca. Bem, você pensa, “que mal há se eu cumprimentar esse homem e dar bons dias?” Está tão feliz que se deixa relaxar os modos. E eis que você abre a guarda, o corpo se vira para ele e o celular que estava na mão direita é jogado à vista do outro. Sem querer, você tenta cumprimentá-lo com esta mesma mão, em uma espécie de movimento involuntário, coisas da mente. Sordidamente, o homem sorri, faz um gesto comedido e com os lábios em curva, balbucia poucas palavras. Uma delas é “obrigado”. Em seguida, já de cara lavada, mete a mão no seu celular e sai correndo rua afora. Você, seu palermo, fica sem o celular ou corre atrás do gatuno?


Alto lá, não adianta me apedrejar palavras belas. Eu coloquei você nessa? Saia sozinho. Melhor dizendo, invoque nosso sublime Machado de Assis para resolver essa pugna na qual você foi colocado. Então, pare de reclamar, e preste atenção às próximas palavras, caso queira sair dessa a tempo de encontrar os belos olhos que o esperam na esquina.


Pois bem. Na obra Bons dias!,é possível encontrar a crônica do dia 27 de dezembro, na qual Machado de Assis escreve, sob o pseudônimo de Boas Noites, sobre uma novidade que muito pode ajudar aquele que é prudente. Olha aqui a chave para resolver o caso do celular roubado. Machado, ou melhor, Boas Noites acreditava ser o mais precavido dos seus contemporâneos, com oração na ponta da língua e resignação de não contrariar opinião alguma , mesmo que na época dele tivesse lá seus bolsominions enérgicos. Até que, ao sair de uma conferência republicana, ele e os amigos foram atacados por alguns indivíduos. E eu lhe pergunto, quem os salvou? A mais bela tecnologia que se poderia inventar na época, o apito! Os atacados recorreram ao apito para propagar aos sete ventos que ali necessitavam de policiais. Foram acudidos a tempo e o narrador saiu ileso para contar a história. 


Crônica melhor não pode ter para lhe salvar da situação em que eu lhe deixei, não é mesmo? Agora, depois de saber o que sucedeu na crônica machadiana tão deliciosa de ser lida,você já sabe como recuperar o celular. Tire o apito do bolso e faça com que os policiais mais próximos escutem o seu lamento desesperado. Se aconteceu lá no século XIX, vai acontecer cá também. E corra que o seu flerte o aguarda.


Eu já meti o meu aqui dentro do bolso da calça , já não saio sem ele. Se você me vir na rua e quiser me atacar, saiba que ando armado. Alto lá!

Crônica escolhida da época dos fundadores  (1852 a 1897): A Reforma pelo jornal

Texto-fonte: Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, V.III, 1994.
Publicado originalmente em O Espelho, Rio de Janeiro, 23/10/1859. 

A escolha 
Faço Jornalismo. Escolhi a crônica que ressalta a importância do jornal. Autoexplicativo. Não são necessárias palavras para justificar essa escolha porque a crônica expõe o papel do jornal para a criação de uma sociedade política e crítica, e esses foram um dos motivos que me influenciaram na minha escolha de carreira.
Machado de Assis estava certíssimo quando disse que o jornal trouxe o fim da aristocracia e deu voz ao povo! Informações e notícias puderam ser entregues igualmente para todos, sem distinções de classes sociais, e isso contribui para formação de uma sociedade justa e mais igualitária. A reforma do jornal foi uma forma de dar a palavra para aqueles que não eram ouvidos, foi a maneira de levar conhecimento para a população. A informação é um presente e esse presente foi entregue pela reforma do meio jornalístico.
Estamos falando de um tempo passado, mas de fatos que se fazem presente até os dias atuais, uma vez que os jornais - agora em suas diversas formas - ainda são contribuintes para formação de uma sociedade crítica e justa, e são esses fatos que confirmam minha escolha. Imagino tamanho deve ser o privilégio de sentir que faz parte de levar informação para alguém e tornar essa pessoa mais crítica para o mundo a sua volta, influenciado alguém a questionar mais a vida ao seu redor. É com a perspectiva de viver isso um dia que escolhi o curso. E a crônica.

 Os coletivos e suas multidões

A locomoção pela cidade do Rio de Janeiro é, por vezes, exaustiva. Longas distâncias a serem percorridas pelos transportes públicos e, em certas ocasiões, precisamos recorrer a mais de um deles. Ao sentar na janela do meu quarto para escrever esta crônica, observo o céu azul e penso em todos os perrengues que eu já passei nos transportes coletivos: goteiras do ar-condicionado na cabeça, infestação de baratas, inundação em decorrência de fortes chuvas, superlotação e assédio sexual. Alguns desses problemas poderiam facilmente ser resolvidos através da manutenção e do aumento do número de veículos circulando pela cidade. Outros, no entanto, poderiam ser evitados com certo bom senso do motorista (na hora de escolher não enfrentar uma rua muito alagada diante do temporal) e dos passageiros (homens, na hora de se aproveitarem da superlotação dos coletivos para se esfregarem nas moças que estão em pé ou sentadas no banco do corredor do ônibus).  

Infelizmente, situações desconfortáveis como as mencionadas acima são apenas algumas dentre tantas outras que continuam ocorrendo diariamente nos coletivos. Tais ocorrências me fazem refletir sobre a qualidade dos nossos transportes públicos e a educação dos cariocas para o uso dos mesmos. Afinal, os veículos coletivos não são recentes na cidade, assim como os problemas envolvendo a sua utilização. Quem nunca pegou um trem na Central do Brasil e correu para sentar no banco assim que as portas abriram? Confesso, fiz isso muitas vezes e achava o máximo quando era criança. Nunca fui pisoteada ou saí lesada de outras formas – o que conforta minha mãe até hoje. Quem nunca correu atrás do ônibus na Presidente Vargas ou entrou correndo na barca, nos primeiros horários da manhã, para viajar sentado não viveu algumas “delícias” do transporte público.

Em resumo, os perrengues e a falta de educação dos passageiros – passada de geração para geração – sempre existiram. Alguns exemplos podem ser encontrados em crônicas de Machado de Assis, onde ele expõe situações que ocorriam nos bondes. Em particular, “Regras para uso dos bondes” chama atenção pela listagem de regras visando o bom convívio no coletivo da época, carregado de um toque irônico. Algumas regras já estão obsoletas, outras poderiam perfeitamente ser atualizadas para nossa realidade. É curioso notar como a multidão dos transportes públicos ainda consegue ser rica fonte de literatura na contemporaneidade. Por isso, escrevo esta crônica.

 19 de maio, de 1988 - Machado de Assis 


   A crônica "19 de maio, de 1988" foi publicada seis dias depois da abolição da escravatura no Brasil. Me tocou a forma que Machado de Assis usou a ironia e o ceticismo nesta obra. Como narrador personagem, Machado conta a história de um homem branco da alta sociedade. Este ser possui escravos e aproximadamente uma semana antes da abolição da escravatura, teria alforriado um de seus serviçais. 

    O que despertou meu interesse inicialmente foi o fato do narrador ter feito um banquete para comemorar a alforria do escravo e na cerimônia continuar tratando-o como mercadoria. Notei um conflito quando, mesmo após ter libertado o Pancrácio, o narrador oferece a ele uma oportunidade de continuar morando em sua casa. Além disso, ele continua trabalhando para seu antigo dono sem remuneração alguma e sofrendo agressão física e verbal. 

   Machado trouxe uma questão muito atual que é a condição de trabalho análogo a escravidão. Mesmo legalmente livre, Pancrácio se tornou escravo, mas dessa vez ele trabalhava feliz porque recebeu um papel dizendo que era dono de si.  O personagem ganha fama de bom moço após o ato, aproveitando para iniciar uma carreira política. Machado deixou evidente que o narrador mente e que ele agiu por conveniência.

 A IGREJA DO DIABO - A Tendência do Momento 


Confesso que me deu muita preguiça pensar em procurar crônicas escritas no século XIX, escolher uma e redigir um texto como se eu não estivesse fazendo isso só por obrigação. Mas então eu lembrei de uma crônica de Machado de Assis que baixei certa vez por acidente e, sem ter porquê, deixei salvo na minha biblioteca virtual. Talvez pela ilusão de possuir uma biblioteca diversificada. Mas o meu ponto é: eu já não precisava ler várias crônicas e escolher a que me parecesse menos enfadonha. Ela já estava escolhida! Era só ler e escrever qualquer coisa.

Agora, um segundo ponto: eu gostei muito da leitura. Okay, eu adorei. Que bom que a escolha ficou a encargo do destino, porque eu não seria capaz de fazer melhor. É ruim eu concordar completamente com o Diabo? A retórica é realmente impecável. É preocupante eu ver tanto da minha realidade no discurso fictício de uma religião que teoricamente não vingaria? Provavelmente. Mas eu realmente me envolvi desde o momento em que li: "Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo." O preço do céu é realmente muito alto, mas o perdão parece vir tão fácil... todas as virtudes têm franjas e mais franjas. O Diabo facilmente me levaria para seu lado. 

Aliás, todos já parecemos viver como se seguíssemos as escrituras diabólicas. Por que condenar a venalidade?Nesse cristianismo falho tudo já parece mesmo negociável. As igrejas mais suntuosas atraem mais fiéis, e os fiéis mais generosos são quem as mantêm. Vender sua força de trabalho não é se vender?

 Eu escolhi fazer jornalismo. Provavelmente trabalharei pra uma empresa privada, mantida por entidades com ideias divergentes das minhas. A minha opinião, o meu voto, as minhas palavras, a minha fé... daí virá o meu sustento. Quando não for por dinheiro, sem dúvida  será por interesse. E só o que estou fazendo é deixar de lado a hipocrisia. Os jornalistas já consolidados merecem duplicadamente.

Nada de amor ao próximo, apenas vaidade e amor a si mesmo. O Diabo ficaria orgulhoso (e talvez um pouco confuso) se estivesse na minha casa umas noites atrás. Talvez pensasse que seu sonho de uma igreja própria havia se realizado sem que precisasse fazer tanto esforço. A igrejinha evangélica (antes de mais nada, deixo claro que não tenho nada contra evangélicos no geral, apenas contra aqueles que resolvem fazer cultos ao lado da minha casa) cantava, gritando a plenos pulmões: "MACUMBA NÃO MATA CRENTE". Cada palavra carregada de ódio. Quem pensa diferente não tem nem o direito de existir.  A indiferença impera em todas as esferas sociais.

Foi nos dada a missão de escolher uma crônica desses autores: José de Alencar, Machado de Assis ou Francisco Otaviano. Decidir entre gigantes da literatura brasileira não é nada fácil, mas como é difícil ler várias crônicas desses autores, decidi escolher um deles e ver uma crônica que eu goste.

Diante disso acabei escolhendo Machado de Assis, que na minha opinião é o maior nome da literatura brasileira, mesmo não sendo devidamente valorizado atualmente, foi um gênio à frente da sua época, mesmo não nascendo na elite como muitos autores.
Depois de ler algumas crônicas me surpreendi com uma crônica chamada "José de Alencar", acabei me deparando com um texto com 6 linhas, e pensei: como vou escrever sobre uma crônica de apenas 6 linhas?
Após terminar de ler percebi que não tenho muito o que escrever, só apreciar, apreciar o respeito e a admiração que Machado mostrou sobre José de Alencar, apreciar também a imensa obra e história que os dois proporcionaram ao nosso país, o legado de ambos com certeza está presente até hoje na literatura brasileira.
Mesmo lendo outras crônicas essa me interessou especialmente, mesmo sendo muito curta, pois me fez refletir acerca de dois gigantes da nossa literatura, principalmente quando um desses gigantes mostra tanta admiração por outro, e espero que vocês também sintam o que eu senti.

Optei pela crônica "O jornal e o livro", de Machado de Assis. A escolha foi feita, pois nada melhor que começar a falar sobre autores e crônicas lendo o maior escritor brasileiro da história. Essa escolha se tornou ainda mais fácil, pois a crônica escolhida tem tudo a ver com o nosso curso, o jornalismo. Na crônica, ele conversa sobre formas de se comunicar, do surgimento do jornal, como esse nascimento mudou a nossa sociedade e a forma de nos comunicarmos e faz certa comparação ao livro. Assim, achei muito interessante a forma em que o jornal era visto 163 anos atrás e como a importância dele, já era entendida pelo autor.

 "5 de maio"

Como um bom carioca que sou, jamais deixaria de escolher essa lenda, nosso querido Machado de Assis. Nasceu em 21 de junho de 1839, no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, então capital do Império, em pleno Período Regencial. Faleceu em 19 de setembro de 1908, no Rio de Janeiro.


 Machado de Assis, talvez um dos escritores que a gente mais escuta falar ao longo de nossa trajetória escolar. E de fato, é inegável não falar da sua linguagem, seu modo único de se expressar. Uma escrita extremamente atraente, e irônica. Um gênio da literatura brasileira.


 Escolhi “Bons Dias”, que é uma coletânea de crônicas, ao total são 49. Uma coisa que me fez escolher “Bons Dias” é porque essa coletânea foi postada em pseudónimo, na época ninguém sabia quem era o real autor. São textos curtos que abordam temas do cotidiano, entender o contexto histórico é fundamental para que o autor faça uma conversação direta com os leitores, e com as referências ali citadas.

“Bons Dias” foram escritas entre os anos de 1888 e 1889. Em 1888 houve a abolição da escravatura no Brasil (Lei Áurea), já em 1889 a Proclamação da República no Brasil. Dois acontecimentos fresquinhos para o escritor tratar com muito conhecimento e bastante críticas sociais.

Essas coletâneas de crônicas têm um padrão, todas as crônicas iniciam com “Bons Dias” e encerradas com “Boas Noites”. Não apresentam títulos, são organizadas de acordo com as datas de publicação, ex: 5 de abril

Tinha certeza que escolheria Machado, só não sabia qual obra escolher, então me veio à memória essa coletânea em pseudónimo, que dialoga com nossas aulas.


Dentre as 49 crônicas escolhi a segunda, "4 de maio". Pois, trata de temas referentes ao cotidiano vivido naquela época, mas até hoje dialogam com a nossa realidade. Um olhar atento para a sociedade, e para os acontecimentos políticos da época, na intenção de apontar os problemas e refletir sobre. 

A crônica "A Carteira" de Machado de Assis foi a escolhida, chamou minha atenção porque aborda um tema interessante, a honestidade. Como o título insinua, uma carteira tem certo protagonismo no texto, o objeto serve como pilar de uma articulação feita de maneira sutil e inteligente, Machado traz a honestidade como virtude que não é para todos mas domina e é capaz de enobrecer o homem. Quando Honório, personagem que sofre com dificuldades financeiras, encontra uma carteira perdida nas ruas do Rio, ele se vê diante de um dilema moral: usufruir do dinheiro que não lhe pertence é justo? sua consciência lhe permitiria fazer tal coisa? 

Depois descobrimos que a carteira pertencia a seu amigo, Gustavo. Gustavo que cobiçava a mulher de Honório, Gustavo que não era honesto com Honório, mas o mesmo Gustavo que recebe a carteira achada por Honório intacta, provando que honestidade não é uma virtude que vigora em todos os homens, mas sim, ainda faz parte de alguns.

Toca Raul!


Ir ao karaoke é um dos programas mais divertidos que existem. Lá você encontra gente que de fato sabe cantar, gente que não canta nada mas adora fazer um show e animar a galera, encontra gente triste cantando músicas mais tristes ainda na intenção de afogar as mágoas, e diversas outras pérolas. O engraçado dos karaokês é que sempre tem um sujeito que puxa do fundo da alma, com toda a sua força ainda disponível, dotado de uma animação que só a embriaguez confere ao ser humano; aquele famigerado TOCA RAUL! A situação se torna ainda mais cômica a partir do momento em que alguém decide cantar alguma música do Raul Seixas, deixando nosso querido amigo bêbado tão feliz quanto quando seu copinho americano é reabastecido de cerveja.
Mas e o Raul hein...Seixas foi um cara à frente de seu tempo, arrisco dizer que foi Inclusive um filósofo da música. Suas letras traziam questionamentos, muita criatividade e abordam por vezes questões bem importantes. E sim, somos todos metarmofoses ambulantes, não só nós seres humanos, mas também nosso contexto em todos os sentidos. A mudança é uma das poucas certezas da humanidade, rivalizando apenas com ela, a morte. E mudanças e transformações definem a história da humanidade em todos os âmbitos imagináveis.
Talvez uma das descrições mais significativas de mudança que tenho conhecimento vem de Machado de Assis. Um homem, também, à frente de seu tempo e que documentou através da crônica "O jornal e o livro" uma mudança de paradigma interessante de seu contexto histórico e social.
Machado define a invenção da imprensa e popularização do livro com um ponto de virada na história da humanidade, um momento em que o foco das artes muda, momento que o conhecimento e leitura se tornam populares; o saber, enfim, se torna democrático. Não por acaso, Machado diz no texto "a humanidade, antes de tudo, é republicana". O ser humano não suporta viver por muito tempo sob o comando de líderes autoritários ou imerso na barbárie. Revoluções sociais ao longo da história mostram isso. E que revolução não representa mudança de paradigma maior do que a revolução francesa, uma das maiores formas de expressão da incansável busca pela democracia. Ali podemos dizer que a sociedade virou de cabeça pra baixo, que dirá Luís XIV que, digamos, não tinha mais cabeça pra esse lance de monarquia. E contida em todas essas revoluções em diversos campos há também, segundo Machado, a revolução da "verdadeira forma da República do pensamento", a reformulação dos Jornais e sua transformação na verdadeira representação da democracia, a real voz do povo, forma material da representação do conceito democrático. Os jornais, segundo Machado, mudariam a história da humanidade e, assim como os livros transformaram as artes e substituíram a arquitetura na maneira de se expressar; a verdadeira forma de expressão da República também viria a subsistuir os livros.
O imortal Assis não definia de fato o fim dos livros, mas sim uma mudança de paradigma nas formas de expressão. A visão de Machado estava longe de ser limitada, mas estava de certo confinada à seu contexto.
Todavia, o que me chama atenção acerca dessa exposição de opinião de Machado recai sobre a importância da democracia e a importância da função jornalística como um moderador, um vigilante, uma voz para aqueles que antes não possuíam direitos básicos nem noção do que seria uma vida digna. Machado exalta os jornalistas e os coloca em posição de destaque na sociedade, os valoriza de maneira tão bela e forte que a leitura do texto gera brilho nos olhos até do mais desacreditado no futuro.
Ah...o futuro, de certo terá mudanças, e a importância e função do jornal e jornalistas se transformará, mas acho que não cabe a mim teorizar e divagar sobre o desconhecido.
Bom, o que eu de fato sei, é que como o jornal, o karaokê também é um espaço democrático, onde todos cantam o que gostam e cantam até o que não gostam levados pela animação alheia, e isso é mais do que maravilhoso.
A hora da minha música já está chegando... tá na hora de terminar esse copo de cerveja...

Ressurgir


A minha crônica escolhida foi “O fim do mundo” de Cecília Meireles.

Escolher o período Modernismo não foi em vão, sou capaz de me identificar de formas até cômicas com o momento histórico.

Existe uma tentativa resiliente brasileira de se reinventar, de ser mais do que o proposto para que se fosse.

Uma coragem formidável e admirável, invejada por pessoas como eu. Desejada por covardes.


Em sua crônica Cecília narra um possível fim do mundo, em que nós dois não demos a mínima.

Em meu interior, confesso me questionei: o que eu perderia com o fim do mundo, quando já perdi a mim mesmo?

Cecília soube me responder com nobreza:  “O mundo vai acabar, e certamente saberemos qual era o seu verdadeiro sentido.”


Talvez em uma nova realidade, eu saiba o verdadeiro sentido e significado das coisas.

Cecília me fez despertar, para o fim.

Suas palavras duras relembraram-me que: tudo sempre termina da mesma forma.

Tudo e todos que o amo, apesar de todas as dores, voltariam ao pó. Assim como eu. 


Nessa dura noite estrelada, ela me fez lembrar de todas as vezes que ignoramos a tristeza de uma criança.

Cecília me levou para um local nada confortável: um quarto escuro, com uma versão mais jovem de mim rezando para que o dia seguinte fosse melhor, para que eu fosse melhor na próxima vez.

“Eles conhecerão uma versão perfeita de você, querido”, pensei.

Ocultei a parte em que nos perdemos no que queríamos ser e no que somos.


Ah, Cecília, minha querida Cecília: obrigada pelo despertamento.

Você me fez ressurgir. Eu não poderia me amar no escuro.

Te prometo com meu coração que tentarei acender as luzes diariamente. Me enxergar com o mesmo carinho e gentileza que vejo aqueles ao meu redor.

Como poderia um texto sobre o fim do mundo falar tão mais que isso?


No final, deixo-lhes o questionamento breve da minha Cecília:

“Ainda há uns dias a reflexão e o arrependimento: por que não os utilizaremos? Se o fim do mundo não for em fevereiro, todos teremos fim, em qualquer mês…”


Qual seria o seu fim, afinal? 

Qual seria o seu calcanhar de Aquiles?

Qual seria a sua máscara a abandonar?

Alguns dias atrás estava ouvindo um podcast que falava sobre a vida e obra de Machado de Assis, e tenho a impressão de que é impossível não se encantar com tudo o que ele foi, escreveu e simboliza para a literatura brasileira. Machado de Assis foi criado no Morro do Livramento, perdeu a mãe cedo e começou a trabalhar como aprendiz de tipógrafo, se dermos um salto no tempo para vermos tudo que Machado conquistou uma fagulha de esperança se acende. Isso porque Machado de Assis começa como grande parte dos brasileiros, da estaca zero. 

Entretanto, não escolhi Machado. Como eu disse, tinha acabado de escutar um podcast e até lido um livro do mesmo, fiquei curiosa para ler algo sobre algum autor do qual não conhecia. E então, Machado me escolheu, porque dei de cara com uma crônica dele falando sobre a morte de Francisco Otaviano. Encarei como chamado do destino.

Gosto do tema fúnebre. Escritores escrevem sobre tudo: cotidiano, sentimentos, vícios, e nada mais comum do que se falar da morte. Que faz parte do ciclo da vida e que deixa tantos sentimentos entalados para quem fica. E falar de quem se vai, sempre dá um gosto de melancolia para quem escreve e para quem lê, saudades de alguém que nem sequer conheceu.

Uma das coisas mais bonitas da literatura é conhecer alguém por meio das palavras de outra pessoa que o admira. Assim, nessa crônica, a gente conhece Otaviano, conhece Machado e conhece o conjunto da obra: Otaviano e Machado. E, como há beleza na admiração e carinho destinados a Otaviano, e que mais bonito ainda, é viver da forma que Machado descreve que Otaviano viveu: “a despeito da dor cruel que o roía, que não desaprendera na alegria boa e fecunda, nem a faculdade de amar, de admirar e de crer”.

Cherchez la femme

A crônica escolhida foi  Cherchez la femme de Machado de Assis.

Após ler e pesquisar algumas crônicas dos fundadores e não me interessar muito, bati o olho em Cherchez la femme e desde do título já havia me conquistado.
Dentro da crônica, Assis faz críticas sobre quais são os papéis da mulher na sociedade e questionamentos sobre quais papéis as mulheres representariam no futuro; sempre reforçando a importância da educação nesse processo e que não seria algo de ganho individual mas sim coletivo. Sempre falando em direção as leitoras, Assis trazia em suas palavras tons de esperança, sempre glorificando a importância delas na construção da sociedade.
É um tanto cômico olhar para o mundo em 1881 e ver que tantas coisas ainda continuam iguais mesmo nos dias atuais, e que mesmo apesar da melhora ainda há um grande caminho a ser percorrido, ainda falta muito para ganharmos a tão sonhada “ igualdade ”.
Gostaria de destacar essa frase da crônica: “educar a mulher é educar o próprio homem, a mãe completará o filho”. 

 O parto


Conceber uma crônica não é tarefa fácil. Machado de Assis dizia que nem todos os dias são tecidos de ouro para o folhetinista, e o pior deles, sem dúvida, é o dia de escrever.


Vocês que me pedem histórias mais pessoais, mais detalhadas, tentem entender: não é fácil ter o mundo inteiro nas mãos e ainda assim escolher falar de si. Faço o que posso, seguindo a orientação do próprio Machado: “o folhetinista é a fusão admirável do útil com o fútil, o parto curioso e singular do sério, consorciado com o frívolo”.


Dentre tantas crônicas que encontrei, a que despertou as maiores inquietações foi publicada na coluna A Semana, em 17 de julho de 1892. O país sofria os efeitos devastadores da crise do encilhamento, e apesar dos 130 anos que nos separam da tal semana vivida por Machado, vê-se logo que o Brasil sempre foi Brasil, com suas ironias e contradições: 


Farto de vendavais, naufrágios, boatos, mentiras, polêmicas, farto de ver como se descompõem os homens, acionistas e diretores, importadores e industriais, farto de mim, de ti, de todos, de um tumulto sem vida.”


Um tumulto sem vida. Reconheci em suas palavras um aborrecimento muito comum nos dias de hoje, um tédio que parte da impotência frente a um país cada dia mais empobrecido, devastado, arruinado.


Apesar de tudo, tento conservar a esperança. A maior beleza da vida está na potência, na capacidade de fazer escolhas, de criar nosso próprio destino, como fez a tal viúva que, cansada do enjoo do mar, entregou-se novamente à tempestade e anunciou seu amor no jornal. 


Olho, portanto, para esse texto, agora quase concluído, e me sinto viva, atuante, mãe. Entorpecida de amor e de estranhamento ao ver meu recém-nascido pela primeira vez, o rostinho disforme e ensebado, as pequeninas cordas vocais fazendo ecoar o primeiro de muitos choros que virão. Como todas as mães, penso secretamente:


— É meio feio, tem carinha de joelho, mas é meu filho.

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Espelho de Água

                                                                                  

Acordei num dia e algo dentro de mim se despertou, Ou melhor dizendo, se desesperou. Fiquei impactada com a realidade, e logo percebi que o real e o imaginário vivem em um acirrado conflito. De um lado quem eu realmente sou, sem filtros. Do outro lado, a hipotética imagem distorcida da realidade, a qual tanto almejo abarcar.  

Uma distopia plausível em que todos são coniventes com a inverdade. No entanto, já é chegada a hora em que nós teremos que nos despir das máscaras que usamos em nossas redes sociais e enfrentarmos o nosso verdadeiro “eu”.

Tenho a plena certeza que será um combate épico e memorável. Quem eu verdadeiramente sou Versus Quem eu gostaria de ser. O meu choro de hoje não é postado, mas o falso sorriso de amanhã é aclamado.

O que eu posto no meu Instagram não reflete quem eu sou no meu dia a dia. Mas, como um espelho d' água, reflete uma imagem embaçada da minha pessoa. Não é que seja mentira, só não é refletida uma imagem íntegra. Não, pelo contrário, posto apenas um átomo de um planeta chamado Minha Vida.

Fotos sorrindo. Diversão com os amigos. Ou um momento de Paz. Por que eu não postei ontem a crise que eu tive? Ou quando fiquei chateada com alguém? Ou naquele dia que estava com raiva daquela pessoa?

Incrível como o Instagram parece ser um mundo paralelo, ou uma esfera da galáxia inatingível, onde não há choro, tristeza ou raiva. Mas somente graça. O Irreal é tangível e aclamado nesse planeta onde tudo é um espelho de água.

 Esgotada demais para se vender

As redes sociais são Shopping Centers. Quão bem você tem vendido o seu “produto”? Engraçado, me peguei pensando que as pessoas que possuem o maior número de vendas de si mesmo são as que menos mostram seus lados. Ou melhor, ser superficial vale mais. Qual é o seu valor? Acho que vou bem na estratégia de marketing, não estou pronta para me desnudar numa plataforma com visibilidade mundial. 

Não sei como meus amigos e familiares reagiriam ao acordar e ver quem sou eu. Imagina, minha mãe abrindo o Instagram e lendo uma poesia que acabei de postar, nela falo sobre um relacionamento que tive com uma garota certa vez. Algumas coisas não estão prontas para serem postadas, nunca estarão. Minha mãe nunca vai ler essa poesia, nem ela nem ninguém. A parte de mim que se relaciona com pessoas do mesmo sexo, por exemplo, nunca vai aparecer na rede. Talvez eu esteja no armário virtual, mas acho que não vem ao caso.

 Ao meu ver, quem tem que saber sobre as decisões mais importantes que eu tomo, meus dias difíceis e os momentos em que eu me sinto a garota mais fraca do mundo sabem. O titio Zuckerberg já tem muitas informações ao meu respeito, será que até a pior parte ele também quer? Entendo que tem o lado das pessoas olharem que as outras também tem defeito e se identificarem, mas que saco, se todos entrassem no Instagram só para relatarem seus dias horríveis e  problemas familiares o Mark não seria um bilionário. 

O fato é que nós não ligamos o celular para ficarmos tristes, pelo menos eu não. Eu posto o melhor de mim para não contaminar as pessoas com a melancolia dos meus versos sobre desamores, já foi difícil demais reconhecer o lado que eu tento esconder. Qual é o sentido de compartilhar isso para que meus amigos se identificassem? Sinceramente, eu tenho dois extremos. As melhores e mais ilustres coisas sobre mim você não vai encontrar no meu feed. As coisas mais horrendas que eu fiz, também não.  Lá eu sou a menina simples que curte festas normais, com uma família que aparentemente é normal e que compartilha frases bonitas sobre acreditar no futuro melhor. Será que o futuro melhor é  um futuro com mais transparência? 

E se eu te falasse das formigas?

Pegue uma xícara de café, estique o seu corpo, relaxe, embarque nessa viagem. Eu te convido a refletir, te convido a se olhar no espelho e ser completamente sincero: “quem sou eu?!” Afinal, só conseguimos projetar algo, quando sabemos de quais falhas nossos templos particulares são feitos. Eu, por outro lado, te direi quem gostaria de ser, pois já conheço quem sou, mas antes trarei uma fábula dentro de uma crônica. Confuso, eu sei, a vida também é assim.

“Era uma vez uma formiguinha que sonhava com o mundo cor de rosa em seu formigueiro, com colheitas férteis, lasquinhas de doces pelo chão e sem nenhuma chuva. Essa pequena formiguinha idealizava a sua vida perfeita. E a vida perfeita girava em torno de uma única figura: sua mamãe, Dona Formiga. Dona Formiga possuía a saúde frágil, e era a responsável por gerar alegrias e tristezas na formiguinha. Lamentavelmente, ninguém nunca avisara a coitada da Dona Formiga, quão perigoso era estimular uma dependência emocional na formiguinha, mas também pudera, Dona Formiga fora ensinada assim. Infelizmente, a sociedade das Formiguinhas romantizava a relação formiguinha-Formiga Mãe.”

Moral da história: Mães-Formigas não são figuras imaculadas, são passíveis de erros e errarão muito. Formiguinhas não são extensão de Formigas-Mães. Cabe a você, formiguinha, compreender-se como indivíduo e sair do formigueiro em rumo a viver a sua vida.

Perceba como quebrarei o ritmo da sua leitura, é para que você reflita que os seus dias estarão caminhando bem e do nada. Viu, um ponto final fora de hora te confunde, te causa estranheza, interromperam a sua linha de raciocínio, você ficou frustrado. Eu também fiquei. Pudera ter a leveza de uma pluma, mas reconheço que possuo peso e, às vezes, também carrego minhas relações, como as nuvens escuras também pesam dias ensolarados, aquelas nuvens que você até chega a pensar “será que vai chover”. Será que choverei? As relações continuarão ou vão ficando tão pesadas até que não exista ninguém além de mim?! 

Fugi brevemente de minha característica muito objetiva, -ainda que concorde que não me alonguei-, para que você veja que claramente idealizo suavidade, no entanto, não a tenho e por isso apresento uma máscara em minha rede. Administro com maestria a pessoa que sou por lá, finjo tão bem que em algumas ocasiões consigo ter fé de que realmente sou aquilo, afinal é a minha projeção. Mesmo que existam bolas invisíveis de ferro em meus pés, eu flutuo. Ninguém pode tocar, somente eu. Quiçá, algum dia me tornar o que eu idealizo a vida poderia ser mais interessante, tudo cinza todo dia é entediante, mas enquanto isso, sigo atuando em meu teatro perfeito. 


Com cansaço,

Lilith Lili.

 Por que eu amo o que eu não sou?


Certa vez um filósofo disse sobre amarmos a perfeição, justamente por não conseguirmos alcançá-la. Nada havia feito tanto sentido, até aquele momento em específico.

Sempre fui de julgar aqueles que vivem mentiras, até que me pegasse sendo uma delas.

O conceito de felicidade vitrine me era abstrato, até que eu vislumbrasse a minha máscara. A minha maldita máscara.

O papel que eu deveria desempenhar estava escrito, e eu não deveria desviar uma vírgula se quisesse ser amado.


Afinal, não é sobre isso que são as redes sociais? 

As máscaras que todos colocamos, na tentativa de sermos aquilo que queríamos ser.


Confesso meus pecados ao admitir que a minha máscara não é meu martírio, mas minha zona de conforto. 

Me seguro nela como a minha única certeza em um mundo complicado e submerso em sorrisos calculados.


Sempre foi sobre a aceitação, companheiros.

Desde o primeiro momento em minha infância que senti a sensação de abandono, me permiti construir esse personagem.

O sorriso perfeito, as notas exatas e as felicitações irreais.

Eu amo o que eu sou, mas eu não sou o que eu acho que sou. 


Eu sou algo irreconhecível, repleto de cicatrizes e marcas irreparáveis. 

Mas isso não é bonito o suficiente, isso não é de se invejar.

Em um lugar de relações rasas, a minha máscara é a mais bonita e sorridente dentre as outras.

Finalmente, eu perdi a conta de até onde eu vou e onde encontro minha felicidade de vitrine. Nós somos uma coisa só.


Nós estamos afundando nesse Titanic, e eu não sei dizer se existe sobreviventes. 

Devia ter Mandado uma Mensagem Curta


Nunca fui muito fã de instagram. A primeira foto que postei recebeu várias curtidas e comentários positivamente vazios. Não gostei. Na semana seguinte a postagem já havia sido apagada e meu instagram se tornou tão abandonado quanto qualquer página do orkut.

Durante os seis primeiros meses da pandemia eu gostava de me corresponder com meus amigos mais próximos por email. Nossa ideia inicial era se corresponder pelo email analógico mas, como meus pais já pagam internet mesmo, mandar um email era mais barato. Eu adorava escrever essas cartas e esperar por respostas. Era muito mais prazeroso do que o imediatismo quebrado das mensagens por whatsapp.

Em algum momento, tomado pelo sentimento desesperado de que o mundo estava prestes a acabar, escrevi um email para a Lorena. Enviei. Era uma longa carta eletrônica de amor que ela levou semanas pra responder e, quando finalmente o fez, foi com a intenção de deixar bem claro que estava cagando para a minha existência. Às vezes me arrependo um pouco dessa minha declaração via email.

A ociosidade ansiosa do isolamento pandêmico me fez recorrer à irrealidade do instagram e vi muitas coisas que me magoaram. Tudo o que eu sentia era saudade mas, pelo visto, todo mundo estava vivendo muito bem sem mim. Comecei a procurar indícios das traições que imaginava que meus amigos haviam cometido contra mim e, como eu queria muito, acabei encontrando. Por muitos dias não quis levantar da cama.

Acabei me levantando por insistência de minha mãe, que via minha apatia como "frescura". Mais uma de minhas palhaçadas. Já de pé, decidi que faria o mesmo. Decidi que ia mostrar pra todos como estou bem, mostrar a maravilha de ser eu!

Passei a postar qualquer coisa que escapasse à monotonia da minha vida. Quando fiz aniversário, dei uma festa com a família toda e postei muitas fotos com sorriso no rosto. Gravei vídeos dos convidados se divertindo e postei como se tivesse me divertido também. Quando saiu a série que tanto esperava, comemorei nos stories. Quando ganhei algo que queria muito, mostrei ostensivamente. Não preciso nem falar sobre quando fui ao cinema pela primeira vez depois de dois anos ou quando passei pra faculdade. Coisas tão empolgantes... Eu posto e todo mundo sabe.

Mas ninguém sabe do cabo de vassoura ou do blindex do banheiro quebrados em um acesso de raiva frustrada. Ninguém sabe da sensação opressora e indescritível de estar preso em um pesadelo que me acomete sem aviso prévio e torna o ato de respirar extremamente difícil. Ninguém sabe que fui abandonado por dois caras que já chamei de pai e é provavelmente por isso que minha mãe ainda me "superprotege", gerando uma relação que com certeza ainda me renderá muitas sessões de terapia.

Ninguém sabe que, apesar das fotos e vídeos engraçados que posto com minha irmã, ela não me abraçou no meu aniversário. Mal falamos um com o outro. Já não sabemos lidar um com o outro.

Ninguém sabe como me arrependo de ter mandado aquele email pra Lorena. Acredito que eu lhe seja insignificante demais para ela ter se incomodado em comentar com alguém, então ela deve ser a única além de mim que sabe dessa rejeição. É tão patético eu ter mandado essa carta declarando o que sentia... Devia ter mandado uma mensagem curta pelo whatsapp. Uma mensagenzinha assim, como quem não quer nada. Poucas palavras que, mesmo depois de enviadas, poderiam facilmente ser  canceladas. Email não dá pra "desenviar". Eu tentei. Não dá pra cancelar. Email depois que vai não volta.

 A felicidade momentânea

Era uma manhã ensolarada de domingo. O som do vizinho já estava nas alturas, tocando os melhores sambas e pagodes que embalam um bom churrasco em família. Acordei com o barulho e logo vi a claridade atravessando a fresta entre as cortinas brancas do meu quarto. Como de costume, estendi o braço para alcançar o celular no criado mudo. Vi que passava das onze e eu ainda estava deitada com a roupa da noite anterior. Levantei, ainda um pouco sonolenta, e me encaminhei para o banheiro. Tentava a todo custo lembrar de tudo o que tinha acontecido na madrugada anterior, mas apenas alguns flashes estavam em minha mente. Ressaca. Posso afirmar que uma das piores que eu já tive – mesmo não gostando tanto de beber, manhãs como essa se tornaram corriqueiras depois de longas madrugadas em baladas e festivais no Rio. Meu corpo estava muito cansado e a mente conturbada com vagas lembranças. Por fim, decidi tomar uma boa ducha quente.

Quando voltei ao quarto, abri o whatsapp e veio uma enxurrada de mensagens e mídias da noite anterior. O grupo estava bombando com todos os acontecimentos do rolê. Loguei no instagram e notei várias notificações: fotos e stories de uma madrugada muito louca – e em todos os registros eu parecia estar feliz. Quem olhasse aquelas fotos jamais diria que estou passando por uma crise familiar, como também por uma crise financeira e guardando muitas decepções bem no fundo do meu ser. A verdade é que você pode me ver em uma festa – curtindo e vestindo o meu melhor sorriso – e ainda assim acreditar que eu sou feliz. De certa forma, sou feliz momentaneamente. Sou feliz para os flashes e filmagens. Sou feliz nas redes sociais e deixo transparecer a imagem de uma vida bem vivida e sem turbulências. Ninguém sabe que a noite me corrompe e me visto da versão que eu não consigo sustentar durante o dia. Só assim, vivo a “felicidade” que não tenho na maior parte das vinte e quatro horas diárias.

De repente, o celular tocou e o meu fluxo de consciência foi interrompido. Era minha amiga, Mirela.

– Safada! O que aconteceu que você não deu sinal de vida? Estão todos preocupados porque você não avisou se chegou bem e não atendeu o celular. Tô ligando pra avisar que a galera vai se reunir na casa do meu pai pra almoçar. Se arruma logo e vem pra cá!

Recentemente, soube que os pais da minha amiga se separaram. Muitos conhecidos nossos suspeitam disso, rola uma fofoca. Mas, até agora só o nosso grupo teve a confirmação. Felizmente, ela mesma me contou. Esse tipo de coisa não se espalha nas redes. Por isso, o que me conforta é saber que eu não vivo a felicidade momentânea sozinha. Passamos por situações que não condizem com a exibição na era das redes, e está tudo bem.  

 O Olho Mágico

Dê um passo pra mais perto. Se achegue. Não seja tímido. Não tem nenhum monstro para te morder. Pelo menos, não aí do lado de fora.

Pra ver através do Olho Mágico da minha vida, você vai precisar se inclinar pra dar uma boa olhada. Eu propositalmente o instalei do lado de fora, para os interessados espionarem o lado de dentro. 

Minha porta é simples, mas decorada. Talvez vazia, mas de alguma maneira atraente. Todos querem chegar um pouco mais perto para espiar, mas nenhum deles está pronto pra lidar com o que vão enfrentar se a porta escancarar.

Quando você finalmente aproximar seu globo ocular — seu frágil, vulnerável e exposto globo ocular —, não vai encontrar nada que te escandalize. Você vai ver uma pequena projeção, uma mera fração da minha personalidade que lutou pelo direito de ser exposta. Essas pequenas partes de mim são aquelas que você pode ao seu bel prazer juntar pra formar uma imagem: uma pequena estrela banhada no mar escuro de uma galáxia vazia. A visão que você tem ao espreitar pelo Olho Mágico não passa de uma pintura colada ali pra distrair os transeuntes curiosos. Para os olhos, um pequeno deleite ilusório.

Caso você seja ousado o suficiente pra girar a maçaneta e entrar, preciso lhe avisar que é melhor vir de paraquedas. Se mesmo assim seu desvairado impulso, apesar dos avisos, continuar, você precisa estar preparado pra ser sugado. Um passo adentro e você vai ser puxado imediatamente pra dentro do meu horizonte de eventos. A pequena estrela? Uma, das muitas que pontilham o Cosmos do meu ser.

Todavia, não diria que o que você enxerga pelo meu Olho Mágico seja de toda forma, uma mentira. Não. De maneira alguma. Eu jamais mentiria pra você. Você apenas mentiu pra si mesmo, se ludibriando com a ideia de que podia me acessar e desnudar com o toque e deslizar dos seus dedos numa tela fria.

Eu diria que o que você enxerga não passa de... Uma versão de teste grátis. Você vê uma estrela, e logo se pergunta como deve ser a beleza de todo o Universo. Seu erro é achar que são estrelas que comandam o Universo, quando os buracos negros é que são os pilares da criação.

O que houve? Por que você está se sentindo tão cansado ao acompanhar minhas palavras? Por que seus olhos estão pesados e suas pálpebras tão lentas? Não quer mais entrar? A visão do Olho Mágico passou a te bastar? Queridos e queridas, sinto em lhes informar, mas agora é tarde demais pra voltar. A porta já está aberta, e não tem como fechar. Sua curiosidade te fez entrar, mas seu desespero não vai conseguir te tirar. Por isso, te convido a relaxar. Semana passada foi apenas a versão de teste. A partir de hoje começa a experiência completa, e eu posso garantir: vou deixar vocês sem fôlego.

 A VERDADEIRA FELICIDADE

As pessoas estão sempre buscando a felicidade. Eu, como parte dessa sociedade, também me incluo nessa procura. O problema é que, com a ascensão das redes sociais, alguns cliques fazem com que essa vida alegre e feliz pareça tranquilamente alcançável. Não julgo quem gosta de postar momentos felizes na internet, até porque eu também faço isso algumas vezes. Só que a humanidade anda achando que a felicidade está na aprovação dos outros, fazem registros exclusivamente para ver a reação das pessoas, e não para guardar algo verdadeiramente memorável.
Escrevendo isso, comecei a pensar no quanto nós podemos ser vazios às vezes. Temos que aproveitar a vida como ela é, com altos e baixos, sem as máscaras da internet que, na verdade, enganam quem as usam. Vamos viver, galera! Enfim, para concluir minha reflexão, deixo para vocês uma frase do grande mestre Oogway (aquela sábia tartaruga velha de Kung Fu Panda): "A maior dádiva da vida é o agora, por isso se chama "presente"". Acredito que desfrutar de cada detalhe da vida, um dia de cada vez, seja o caminho para a felicidade.