terça-feira, 1 de novembro de 2016

Seguro de que?

Daqui posso ver alguns pássaros que voam. O domingo amanheceu nublado, e só não estou convencido que está morto, pelas poucas vidas que cruzam minha janela num voo rápido. O céu está cinza, opaco e posso dizer, sem expectativa. Ele não abre e dá lugar ao sol para que, assim como nos filmes hollywoodianos, eu possa apreciar uma tarde agradável de primavera no parque. Também não dá lugar à chuva para lavar a minha alma e trazer a esperança de dias tranquilos.

Minha mãe abre a porta do quarto e anuncia que o café está na mesa. Olhando para a janela, calado estava, calado fiquei. Não significa que eu não queria respondê-la, mas é que meus pensamentos estavam barulhentos demais para que conseguisse falar um “já vou levantar”. Mas levantei. E além de tentar disfarçar toda a minha angústia com a situação do país, tive que aturar entre cada gole do nosso café amargo a depreciação das ocupações das escolas no Brasil.

Eu tento não parecer tão desanimado, mas tem um nó na minha garganta. Da mesma forma como eu empurro o café, mentalizando que será um dia normal, eles empurram a diminuição dos nossos direitos. E tão natural como o café que eu tomo todos os dias às 10, é o papel da mídia legitimando os projetos que resguardam os grandes interesses.

O Ministério Público diz que não há mais razões para ocupações, a televisão mostra a insatisfação e preocupação dos pais com seus filhos e tenta esconder  pressão da polícia sobre o movimento. Já minha mãe... Minha mãe desabafa: “Ah, meu filho, que bom que está seguro aqui comigo!”.

Seguro? Seguro de que?


Seguro de que aqui dentro desta casa, neste café que mais me embrulha do que alimenta, me isento da responsabilidade que é minha. E mais ainda, seguro de que sacrifico o progresso do meu país, pela apatia em não lutar por ele. 

Sam Castiel

14 comentários:

  1. Uma reflexão pessoal bem profunda. Gosto da descrição detalhada em desânimo e da relação de observar o dia em consonância com seu estado emocional. Algumas citações entraram numa descrição jornalistica do momento histórico, o que abou dando uma quebrada no texto. A conclusão não deixa a desejar, foi exata e passível de questionamentos pelo leitor.

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  2. Adorei a maneira como retratou o tema, puxando pra ideia da responsabilidade. Causa empatia no leitor, as palavras são boas e tornam o texto fácil de ser lido. Exerce cidadania, rompe correntes do lead... Ótimo!

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  3. Muito legal a reflexão pessoal, com relações e comparações com o café. E, mesmo que conciso, foi um texto que pôde levar o leitor à reflexão.

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  4. Talvez o texto mais profundo dessa sessão. Reflete o sentimento de impotência de muitas pessoas, esse sentimento, que vai além das ocupações pode ter certeza. No caso da escrita somos obrigados a falar sobre esse tema, mas a sua escrita, sem fugir do tema, fala de algo muito mais profundo.

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  5. Além da leitura do texto ser boa e fácil, foi abordada uma questão essencial dentro do tema das ocupações: a responsabilidade de cada um de nós nessa luta.

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  6. Além da leitura do texto ser boa e fácil, foi abordada uma questão essencial dentro do tema das ocupações: a responsabilidade de cada um de nós nessa luta.

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Tão pessoal e ao mesmo tempo muito impessoal. Texto com uma escrita bem fácil, para pessoas conscientes dos seus plenos direitos e reflexivo. Muito bom mesmo.

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  9. Texto de gênero descritivo e de comparações interessantes para abordar o tema (café e questões sociais), além de abordar a importância q os estudantes devem dar ao movimento. Bom

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  10. Gostei do modo descritivo, e falar sobre a inatividade de si próprio frente a um período de lutas é uma realidade de muitos. Muito bom!

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  11. Gostei bastante do encaixe que você fez entre o simples ato de tomar café com todo o devaneio sobre a situação política do país.Expressou real a situação em que se encontra o cidadão brasileiro.

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  12. Muito bom! Os elementos descritivos são muito bem utilizados. Parabéns

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  13. Cara eu adoro textos assim, essas reflexões silenciosas que todo mundo faz e você fez um texto ótimo com essa sua reflexão. Parabéns, talvez seja meu favorito

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