Estava em pé no ônibus lotado, pensando na vida. O dia havia sido cansativo: depois de deixar a
mansão enorme brilhando, ainda teve que encarar o mau humor da patroa. Pelo menos não
atrasou o pagamento e ainda a deixou sair mais cedo. Antes de seguir para sua casa, ia depositar
uma parte da pequena quantia na sua poupança. Às vezes deixava de comprar algo para manter
suas economias, às vezes o dinheiro ia todo em comida e nas contas, às vezes faltava.
Chegando ao banco, o susto: 89 mil reais na sua conta. Primeiro achou que a máquina estava
com problema. Foi em outra, a mesma coisa. Tentou disfarçar, mas não conseguia impedir sua
expressão boquiaberta. Foi andando para casa, subindo o morro. Não tinha ideia de como aquele
dinheiro tinha parado em suas mãos, mas começou a ter ideia do que fazer com ele. Um
tratamento para seu pai não seria nada mal. O velho não tinha jeito há anos, definhava na
cadeira de rodas surrada. Pensou em uma educação de qualidade para os filhos, pagaria cursos e
livros e o que precisasse para a filha mais velha, que tanto sonhava em passar no vestibular.
Pensou que ela mesma podia estudar, conseguir um novo emprego, uma vida melhor.
Porém, ao entrar em seu barraco, deu de cara com o próprio rosto, estampado no Jornal
Nacional. Fotos e informações sobre ela estavam sendo divulgadas para todo o Brasil, sem o seu
consentimento. Haviam descoberto tudo. O tudo que nem ela sabia. Uma boa quantia de
dinheiro público havia sido desviada e foi parar logo na conta de uma mulher anônima, pobre e
preta. Não demorou muito para que o caso viralizasse nas redes sociais. Ninguém perguntava
por que isso tinha acontecido, já que, aparentemente, todos sabiam a resposta. Ladra! Envolvida
em esquemas de corrupção. Mulher de traficante. Prostituta! Macaca! Devia mesmo era morrer.
Naquela mesma noite, na frente da sua casa, se viu algo inédito: a imprensa; e algo não tão
inédito: a PM. E um pessoal ativista também apareceu pra tentar defendê-la, mas foi em vão: foi
levada direto pra cadeia mais próxima, onde apodreceria pelo resto de sua vida.
Acordou num susto. Era só um sonho, pesadelo. Os primeiros raios de sol ainda não surgiam no
céu, mas já era hora de levantar. Mais um dia cheio. Foi dar uma olhada nas redes sociais e logo
viu a famosa pergunta: "Por que Queiroz depositou R$ 89 mil na conta de Michelle
Bolsonaro?". A notícia já estava circulando há dias, mas até então não tinha dado em nada. E
nem ia dar. Enfim, mais um dia comum na vida do brasileiro do século XXI.
Mulher do Fim do Mundo
Muito bacana a suaa crítica, nos faz refletir sobre o óbvio e a realidade do outro lado da moeda.
ResponderExcluirAmei a forma que escolheu fazer a crítica, ótimo texto!
ResponderExcluirGostei do texto, bem escrito e sabe onde quer chegar.
ResponderExcluirJuro que me arrepiei lendo seu texto, crítica e escrita no ponto!Parabéns
ResponderExcluirGostei bastante do texto, mostrou o contra ponto de como, no Brasil, a justiça tem "Dois pesos e duas medida", onde para uns a lei vale e para outros ela nem se aplica.
ResponderExcluirTexto muito bem construído. Muito boa a quebra de expectativa no final, achei q o nome da mulher tbm seria Michelle e tudo realmente tinha acontecido com ela.
ResponderExcluirGostei muito do seu texto! Explorou a outra perspectiva, de quem não tem a "imunidade parlamentar" ou capital pra pagar fiança. Parabéns!!
ResponderExcluirÓtimo texto, esse ponto de vista inusitado me prendeu na leitura. Parabéns!!
ResponderExcluirCom toda a minha sinceridade, foi o texto que mais me arrepiou. Meus parabéns por todas as críticas inseridas nele, de verdade.
ResponderExcluirAdorei!!! Gostei bastante de ter narrado isso tudo como um sonho e só ter falado pro fim. Cria uma angústia e nó na garganta e quando vc chega no fim finalmente consegue respirar! E gostei das críticas bem pontuais e marcadas. Curti bastante sua escrita. Parabéns!!
ResponderExcluirSenti um enorme alívio quando descobri que era apenas um sonho, já que sabemos que infelizmente esse com certeza seria o destino de alguém sem poder político/financeiro. Ótimo texto!
ResponderExcluirAmei a abordagem, muito perspicaz mostrar essa diferença. O texto foi muito bem construído e me prendeu bastante. Parabéns!
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