É difícil escrever sobre quem vem de onde eu não venho. Quais serão os vazios que aquela paulistinha sente? Qual o tamanho das suas inseguranças? Quantas vezes, depois de tantas lágrimas, ela tentou se conformar com o fato de que aqui é a sua casa agora? Não digo "lar" porque ela ainda não é íntima desse espaço, quer voltar pro ninho. Mas aqui é onde ela precisa estar agora. Querendo colo e asa, o voo já partiu. E não adianta relutar: é a realidade.
Na teoria (e de avião), São Paulo fica a uns 40 minutos daqui, mas não pra ela. Estar no Rio significa abrir mão de estar onde seus pés sempre puderam sair do chão e voltar quando fosse preciso, significa se apavorar sem ter a mãe por perto pra segurar na mão e levá-la à aula. Estar aqui significa ser ela mesma de novo. É reinvenção. E o tempo de viagem já não é mais uma questão. QUEM EU SOU, OU MAIS: QUEM EU POSSO SER FORA DA MINHA TERRA— essa é a pergunta que balança a mente paulista no meio do ar um pouco mais puro de Niterói. É ela nas noites em que o cansaço bate, mas o sono não vem. É ela que, no espelho, a faz conversar consigo mesma. Sem obter nenhuma resposta.
O sotaque diferente, o jeito de prender o cabelo, a maquiagem toda certinha: quem eu sou? A pele lisinha, o estilo das roupas, o sorriso que atrai até os desavisados: eu já sou? A dedicação, o esforço pra compensar o investimento da família, a frustração de não ter ninguém de sua origem por perto: eu preciso ser.
Mas é como querer algo que já se tem. Todo mundo sabe, todo mundo vê—meio despretensiosamente, é verdade— que a paulista é. Quando, fazendo jornalismo, deixa escapar que queria um emprego como contadora, ela é. Quando se sente sozinha no meio de tantos fluminenses (existe vida além da capital do Rio), ela é. Quando não é bolacha, sendo biscoito, ela é. E quando, com o coração em São Paulo, começa a ser resiliência no Rio, não há dúvidas: ela é.
Com amor, Heloísa Dandara
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