“Extra, extra!”, dizia a manchete de toda edição de seu jornal. Quer dizer, daquelas folhas de papel A4, preenchidas por textos que estavam nem aí para a métrica insossa dos adultos, com um título gigante feito em WordArt. Brega e singelo ao mesmo tempo. Aliás, como o “extra, extra”, termo anacrônico que aquelas crianças deviam ter visto em algum filme da Sessão da Tarde. Impressionante como a imaginação sempre é também um processo de imitação.
Entre mini-maratonas exasperadas pelo quarteirão atrás de saquinhos de São Cosme e Damião, ensaios escondidos de High School Musical na varanda, perdas de tampão dos dedões e beibleides e joelhos ralados, crianças genuínas que eram, a menina que não sei o nome e seus três amigos que eu sei muito menos retratavam e sobretudo teciam as micro-histórias do bairro na lente de aumento infantil: o obituário lamentava que o cachorro do Seu Serafim morreu aos 17, a seção de esportes comemorava a terceira vez seguida que as meninas ganhavam dos garotos da rua de cima na queimada e a Economia dava dicas valiosas sobre como poupar o dinheiro do recreio para gastar em figurinhas da Copa.
O que não esperavam é que o jornal fosse acabar de forma tão precoce e trágica. Foi na edição especial de Natal que o caçula da equipe editorial recebeu uma apunhalada pelas costas e teve que lidar com o pior dos spoilers infantis: “Papai Noel é uma farsa”, dizia um colunista revoltado. E sabe como é, o Jornalismo tem dessas, é muito difícil lidar com os fatos.
Um deles, paradoxo do tempo, noticiava nas entrelinhas não o que tinha acontecido, não o que vinha acontecendo, mas o que irremediavelmente viria a ser: que um dia aquela menina ganharia nome, seria nossa colega, um dia nossa amiga, quiçá amor de alguém, e sua história provocaria uma catarse coletiva, estampando uma manchete afetiva do começo de nossa jornada: Extra! Extra! Sigam a menina e tornem-se o que sempre foram.
João Cadeado
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