quinta-feira, 28 de março de 2019

Sorvete de limão

    As mãos de Mari suavam. O estômago embrulhava na hora. A perna esquerda, sempre a esquerda, balançava incessantemente enquanto cruzada sobre a outra. De acordo com o Dr. Google - mestre, também, em psicanálise – esses eram sinais de histeria. Como se não fosse suficiente o diagnóstico, esse sintoma já era o segundo estágio da coisa toda. Conteúdo recalcado, formas de escape, neurose, histeria, psicose – indeterminação do real ou imaginário. Chega! Mari bloqueou a tela do celular.
      Não era possível que um menino lhe causasse tudo isso. Não podia ser. Mas não era qualquer menino, era João, namorado de Clara. Ah, Clara. Sua melhor amiga.  Mari  e Clara estudavam juntas desde o fundamental, mas só se deram conta da existência uma da outra quando, por acidente, trocaram interações no twitter em suas contas de fã clube da One Direction. A partir daí, descobriram morar na mesma cidade, frequentar a mesma escola e, imagina só, estudar na mesma sala. Desde então, eram como unha e carne, queijo com goiabada, pipoca salgada com leite condensado, e outras demais combinações perfeitas. E aí tinha o João. 
      Mari não conseguia parar de pensar em João. Ela já havia tentado de tudo, desde meditação até um daqueles testes do BuzzFeed que no final revelam uma dica valiosa sobre a sua vida. Depois que teve o sonho com o sorvete de limão, as coisas ficaram mais difíceis ainda. Seu psicanalista concluiu que o sorvete no sonho representava o amor da sua vida, cremoso e gelado. Primeiro, Mari achou graça, era como aquela figura de linguagem- personificação- só que ao contrário. Em seguida, a ficha caiu. Ela não poderia fazer isso com Clara e estragar uma vida toda de amizade.
     Mudar de sala era uma solução. Escreveria uma carta à direção dizendo que não se adaptou à turma e queria ir para outra. Ou então poderia passar o resto da vida usando a escada de incêndio do prédio para não correr o risco de esbarrar com João – que, sim, morava no mesmo prédio que ela. Trilhões de pensamentos ocupavam tanto sua cabeça que nem percebeu a pessoa ali parada. Mari levanta a cabeça. Clara esboça um sorriso divertido, não antes de dar uma lambida no seu sorvete de limão- o seu favorito. “Vamos?”
Toninho Rodrigues

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