quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Racismo

 Ser negro num país racista é muito complicado e para mim, não foi diferente. Eu cresci não gostando do meu cabelo, da minha pele, de ser preto. Quando criança, sofrer bullying por causa da sua pele, limparem a mão na sua blusa, ter medo de mudar de colégio e ser pior do que o anterior ou então não ter nenhum preto na sua sala causou traumas a ponto de me questionar se eu realmente queria entrar em uma faculdade e realizar meu sonho. Isso ocorreu por medo de não conseguir me sentir representada ou sofrer coisas parecidas. Além dessas coisas, entrar em lojas e ser confundido com funcionários ou ter medo de ser confundido com ladrão me fazem, hoje em dia, evitar ao máximo entrar sozinho nas lojas para evitar esses tipos de situação, mesmo sabendo que não é normal fazer isso.

- Alexia Morgellas

Bomba-relógio

 Sempre tive muitos medos. Na infância o que mais me assombrava era não saber o que podia estar na escuridão, me lembro de odiar dormir sozinha e sempre terminar a noite na cama da minha mãe. Conforme eu fui crescendo, pude perceber que as piores coisas do mundo nem sempre estão no escuro. Meu medo criou galhos e raízes, cresceu para um novo caminho. Já um pouco maior, iniciei em uma nova escola e o meu maior temor passou a ser não conseguir fazer novos amigos. Tenho guardado na mente ainda hoje o meu primeiro dia de aula do ano de 2010, a timidez estampada no meu rosto enquanto minha tia dizia que estava tudo bem e que me encontraria no mesmo lugar no fim do dia. Isso passou. A ansiedade que tive naquele dia ri de mim nos dias de hoje, pois no final da tarde realmente estava tudo bem.

Quando fiz 11 anos, meu medo premeditado passou a ser a despedida. Nessa idade, eu vi a pessoa que mais me apoiou se esvair e ir embora aos poucos. Vivenciei a dor de ver quem eu amo sentir dor e constatei a minha insignificância ao não poder fazer nada quanto a isso. Vi seu corpo se tornar sua própria bomba-relógio, vi as dezenas de idas e vindas ao hospital e as tentativas frustradas de não conseguir fazer as mesmas coisas de antes. Vi o esquecimento e com ele a dor da certeza de que tinha algo errado. Então, por mais um dia, vi sua ida ao hospital, mas daquela vez não vi a volta. Não a encontrei no mesmo lugar no fim do dia.

Desde então meu medo tomou outra forma. Agora temo a saudade. Descobri na arte, na escrita, em maior parte, uma forma de lidar com partidas e despedidas, esperadas ou não. Coleciono cartas, poemas, versos, parágrafos e memórias de pessoas que foram à terra e de outras que ainda andam na Terra, mas que escolheram, por livre e espontânea vontade, viver para longe de mim. Às vezes me pergunto se também não sou minha própria bomba-relógio. Sigo tendo medos, mas, afinal, acho que é isso que me torna humana. Outrossim, espero que a saudade seja ínfima perto das histórias que vivi – e vivo, enquanto meu cronômetro ainda conta. Que seja linda a vida que antecede à explosão e ao adeus.

- Rory Gilmore

A dor da saudade

 Sabe aquela sensação de querer voltar no tempo e corrigir o passado? Querer mudar algo para não acontecer do jeito que foi escrito para acontecer?

De sentir culpa e achar que poderia ter feito mais? Ter amado mais? Ter curtido mais?

A culpa sufoca.

Mas será que teria feito diferença?

Você nunca sabe quando pode ser o último adeus. O último abraço apertado. O último carinho. O último beijo. O último chamego.

O tempo é injusto. Egoísta. Traiçoeiro. Em um momento você está aproveitando a vida intensamente, e, no outro, pode não estar mais aqui.

A saudade aperta no peito. Dói. O coração também dói.

As lágrimas vão e vem.

E vão e vem.

Repetidamente. Constantemente. Incessantemente.

Olhar a morte bem na sua frente assusta. É de embrulhar o estômago. O mais bizarro é saber que a vida não pode parar e que deve continuar. A rotina continua a mesma. Acordar, tomar banho, comer, escovar os dentes, trabalhar, estudar. Tudo no seu devido normal.

Mas você sabe que não está normal. Você continua vivendo. Mas, ao mesmo tempo, sente como se a vida tivesse parado no tempo e sem propósito.

A primeira fase é a negação. Rejeição. É quando a ficha cai de que aquele ciclo se encerrou e aquela história também.

Mas depois vem vindo a aceitação. De uma forma leve. Aceitação de que aquilo aconteceu como deveria ter acontecido e que não tinha como mudar o destino. A aceitação de que você não tem culpa e de que está tudo bem. Aconteceu. É a lei natural da vida.

Mas a saudade, ela é para sempre. Ela é uma sala de espera que você senta e não sabe quando será atendido. Ela também pode ser boa e gerar belas lembranças. Podem fazer as lágrimas serem substituídas por sorrisos. E os momentos ficam guardados para sempre como recordações.

Ela aperta, mas aprendemos a lidar com ela.

- Wintour

O Menino, A Andorinha e O Guarda-Chuva

 Uma, duas, três, inúmeras andorinhas ensaiam seu espetáculo migratório no céu que, coincidentemente, amanheceu nublado nesta manhã. E, o menino, órfão, desabrigado, sem teto, sem lar, embora aparenta estar abatido, permanece de pé observando o horizonte com calmaria e atenção. O silêncio dele, embora, muitas vezes, pareça sufocante, traz à tona as feridas não curadas da alma, feridas as quais nem os velhos amigos, nem mesmo a falecida mãe dele foram capazes de curar. Enquanto os lábios dele se franzem falsamente em um sorriso, as pupilas se dilatam em um árduo dilema entre permitir-se passar pelo luto ou aprisionar a si mesmo nas antigas memórias de infância de um grande amor que, em menos de um segundo, partiu.

    O céu assume cores escuras. Tons cinzentos escondem o azul celeste. As nuvens ganham espaço e os trovões são um prelúdio de que mais um dia chuvoso está por vir. As andorinhas se organizam em uma fileira bem desenhada para partir e, à medida que elas batem as asas rumo ao destino previsto, o menino observa com mais intensidade o percurso rítmico e padronizado seguido pelas aves no céu. Logo, ele nota uma diferença na locomoção de uma das andorinhas e, como um bom observador, sentiu os instintos atraírem o olhar dele diretamente para o bater das asas do animal. Seria uma andorinha ferida que precisava de ajuda? Bom... ele nunca havia dito isso para ninguém além de sua mãe antes, mas ele sempre sonhou em ser veterinário. É. Parece um sonho bobo de criança, um desejo inconcebível e trivial para uma criança tão simples, um ser tão pequeno, tão insignificante quanto ele. Afinal, quem ele pensava que era? Uma criança pobre, nascida em lugar precário?! Um pobre coitado sem família que perdeu a mãe em um incêndio na própria casa, casa da qual não restou nada para contar história?! Quem era ele, afinal? Apenas um menino curioso que vivia se metendo em encrencas como no exato momento em que fugiu pela janela semiaberta do quarto do orfanato para contemplar a migração dos pássaros que sobrevoam o rio Danúbio todos os verões. No inverno, eles partem de volta para suas terras de origem onde podem encontrar condições mais favoráveis à sobrevivência como alimento e abrigo. No entanto, aquela andorinha não. Aquela andorinha não estava voando na direção correta. Ela não estava voando junto ao seu bando. Ela não parecia estar em busca de alimento ou abrigo. Ela nem, ao menos, aparentava saber o que deveria fazer. Ela parecia apenas deslocada. Exatamente como ele se sentia.
    

     Ele sente um peso leve sobre suas mãos. Era ela. A andorinha. Então, ele resolve se sentar para averiguar com mais delicadeza a condição da ave. Cada olhar era profundamente meticuloso e cada toque ou gesto era milimetricamente calculado para tentar desvendar a origem do problema. Alguns minutos depois, após uma análise cuidadosa do físico do animal, o menino nota que não havia nada de errado com a andorinha, afinal. Mas, se não havia nada de errado, nem sequer uma única asa quebrada, então, qual era o problema da ave? O que está a impedindo de voar?   

     As lembranças daquela noite assombram os pensamentos dele. A ferida aberta que elas deixaram em contrate com a dor da partida inesperada o deixam histérico quase todas as vezes que ele se recorda do fogo que consumiu a casa. A mãe dele, na tentativa de acalmá-lo, afirmou que tudo ficaria bem. No entanto, isso não procedeu. Um estrondoso som entoa na sala, o teto cai e as chamas se propagam, separando mãe e filho. As mãos do menino tremiam de forma inconsciente, o corpo sofria com tremores involuntários. Ouvia-se as batidas do coração somente. Da boca não saia nenhuma palavra, nem sequer gritos de desespero e, quando as lágrimas cessaram, de repente, uma paralisia. O corpo para. Não há nada mais, somente o barulho das chamas consumindo a morada e, em um ímpeto de segundo, a dor sussurra aos ouvidos da pobre criança que viu a mãe ser envolvida pelas brasas ardentes do fogo e, quando o corpo volta a se mover, aquele doce olhar se transforma em temor e solidão. O toque ensurdecedor de uma sirene toca, mas ele não ouve nada. Os bombeiros tentam salvar o menino que, em profunda angústia, começa a se debater contra os profissionais. Então, ouve-se um único grito, um grito silencioso e melancólico antes que o menino desmaiasse nos braços de um dos profissionais. Noite fatídica, mas ela o salvou. Ela soltou as mãos do filho para que ele tivesse a chance de escapar, de ter uma vida. Por amor, o menino está vivo e agora vive se culpando pela morte da mãe.

     Um enorme trovão o desperta de seus devaneios. Ele sente as minúsculas gotículas de chuva caírem sobre a sua face. O menino senta-se rapidamente, põe a andorinha sobre o colo, abre a mochila e pega um guarda-chuva. Ele observa o objeto antes de abri-lo e, logo depois, levanta-se novamente com a andorinha em mãos. Ao realizar esse movimento, o menino notou que a ave ficou agitada e se estremeceu como se estivesse com medo de altura. Pensativo, ele se perguntou se o animal havia tido problemas para aprender a voar. Bem, muitos diriam que, sendo um ser humano, comparar-se com uma ave seria um ato de insanidade ou de muita baixa autoestima, mas ele não. Ele se vê no olhar daquela ave, na atitude fracassada de tentar superar um trauma do passado. Ele se vê preso nesse vazio sem rumo como aquela pequena andorinha.

     Até que o ponto de vista dele muda. A andorinha para de se debater e algo o instiga. Ela não desiste de tentar voar. Ela insiste em bater as asas mesmo que isso lhe desperte medo e lhe custe toda a energia. O menino, que há muito tempo não sorria com sinceridade, finalmente sorriu. Foi nesse momento que ele compreendeu que, se até mesmo uma pequena ave é capaz de persistir no caminho em direção à cura, ele também é capaz de se curar das feridas não cicatrizadas da alma. Afinal, aquela andorinha não fugia do passado, nem vivia nele. Ela seguiu em frente, mesmo com temor, ela tentou e ele também tentaria. Ele persistiria na cura até que o guarda-chuva dele se tornasse um mero acessório estilístico no visual e não um objeto que o protegesse da chuva, porque a chuva também cura a dor e, pela primeira vez em muito tempo, o menino sentia-se livre dançando na chuva.

     Ele não é culpado pela morte da mãe dele. Agora, ele sabe disso. Então, o menino acaricia a ave, encosta o guarda chuva nos ombros e caminha de volta em direção ao orfanato. A andorinha o recordou do que realmente era viver e, mesmo que ele ainda não esteja totalmente curado, ele sabe, ele confia plenamente que as coisas vão melhorar daqui para frente e não importa mais como a história será escrita, o importante é que agora ele tem uma companhia e sabe que, apesar de tudo que ele já viveu, tudo ficaria bem, exatamente como a mãe dele dizia: "...acalme-se, pois tudo ficará bem".

- Daphyinne

A Família Tradicional Brasileira

Pedro, um jovem como muitos do Brasil, vive em mais uma família vista como um exemplo da “família tradicional brasileira”. Seus pais, casados há muito tempo, vivem em uma aparente relação estável, quem os vê pensam que eles são um grande exemplo de casal perfeito. A família de Pedro é bastante religiosa, frequentam a igreja com uma grande frequência, igreja esta com traços bastante conservadores assim como a família de Pedro. Ao longo de seu crescimento, Pedro aprendeu que ser feliz é formar sua família com uma esposa e filhos além de sempre estarem servindo a igreja. Seus pais sempre o protegem bastante evitando muito o contato com outras esferas da sociedade. Porém, Pedro queria ser mais livre e independente e durante sua adolescência, Pedro começou a sair com uns amigos e tudo parecia ir muito bem. Pedro sempre voltava feliz de suas saídas, sorridente e bastante empolgado mas ao mesmo tempo, apreensivo, um de seus amigos despertou um  sentimento diferente nele, um sentimento que ele nunca tinha sentido. Pedro estava apaixonado por esse amigo mas ele se lembrou de todos os ensinamentos que o aprendeu, que isto era algo errado e que ele estava cometendo um pecado apenas por amar.


Pedro não quis levar a sério este sentimento, porém, certo dia acabou não resistindo e acabou tendo uma noite romântica com esse amigo em sua casa. Infelizmente Pedro acabou sendo descoberto por seu pai que o retrucou com bastante violência, chegando a agredir o seu filho. Pedro acabou entendendo que ele estava sendo um grande pecador e se sentiu muito culpado,desde então, passou a não sair mais com os seus amigos, algo que o fazia muito feliz, e passou a frequentar mais a igreja, em sua faculdade, conheceu uma menina que com o passar dos tempos acabou se tornando a sua esposa com quem teve duas filhas. 


Agora Pedro estava no padrão de felicidade o qual foi ensinado, tinha uma esposa, duas filhas e frequentava bastante a igreja. Mas será mesmo que ele estava feliz? Pedro tinha tudo que falava que ele deveria ter para ser feliz, mas faltava uma coisa, a felicidade. Certo dia, Pedro estava brincando com suas filhas, nesse momento ele se divertiu bastante e passou uma forte reflexão por ele, ele estava sendo feliz de verdade nesse pequeno instante e se lembrou de tudo que ele vivia nos tempos os quais saía com os amigos. A partir desta reflexão, Pedro passou a ler e estudar bastante vários aspectos sociais além da igreja e se tocou que a religião não é um estatuto que controla toda a sociedade e que as igrejas, muitas vezes, não estão passando necessariamente a mensagem de Deus para pessoas mas sim passando uma visão de mundo que um grupo específico acredita e como este grupo foi historicamente privilegiado socialmente ele detém o poder da informação e de passar uma mensagem com uma aparente veracidade incontestável. Os pastores são vistos como mensageiros de Deus, mas quem disse que eles são? 


Foram muitos questionamentos, mas o estopim para Pedro foi quando ele descobriu que seu pai tinha traído sua mãe e viu o “casamento perfeito” ficar muito abalado. Pedro então pensou “Como pode eu ser um pecador apenas por amar e o meu pai ser um santo sendo que o mesmo agride o seu filho e machuca mentalmente a sua esposa?” A partir desse momento Pedro decidiu apenas ser feliz, ele percebeu que o mais importante da vida é ser feliz com ele mesmo e que não tem nada de errado em ser feliz, a felicidade nunca pode ser um problema para alguém e que todas as formas de amor genuínos são lindos. Ter uma fé também é lindo, todas as formas de fé são muito bem vindas, porém ninguém nunca pode ditar a sua fé para outra pessoa.


Após uma conversa com sua esposa, Pedro decidiu se separar e seguir atrás de sua felicidade. Hoje Pedro se encontra muito feliz com a sua família, com suas duas filhas e o seu marido, os dois paizões de suas filhas.


- Jô Tenório

Amor incondicional

 Amar, um sentimento de carinho e afeto. Tão simples mas tão escasso no mundo.

Antes mesmo de tomar consciência do que era viver, meus pais já tinham me levado à igreja. Lugar onde se pregam boas-novas, prosperidade, redenção e… amor!

Louvores sobre comunhão eram entoados todos os domingos de manhã onde eu estava antes mesmo de poder dar bom dia para minha pobre alma infantil que só queria mais uns minutos de sono, afinal, que criança quer ouvir um coral no lugar de um bom desenho animado? Sequencialmente liam versículos que precedem as pregações com os mesmos discursos, mas mudando apenas quem falava. Chega a ser clichê citar o famigerado “Ame ao próximo como a ti mesmo”, mas aparentemente na igreja dá a sensação de amor profundo ao seu irmão se você ler isso em voz alta (ainda que não praticando).

Passei toda minha infância e adolescência nessa igreja, era amado por todos. Sempre fui uma criança cativante e por isso conquistei diversos espaços na igreja. Me amaram quando eu cantei nos cultos, me amaram quando eu participei de bazares beneficentes, me amaram quando eu vendia doces para arrecadar dinheiro para a igreja, me amavam quando eu era quem eu não era de verdade. A igreja amava o fantoche doutrinado que servia sem contestar nem andar com as próprias pernas.

Eu sempre soube quem eu era. Era doloroso sentir atração pelo mesmo sexo num ambiente que trata como escória quem nasce assim, mas até então eu era querido por todos… nada disso importa, eles me amam! Amam?

Me odiava e me culpava todos os dias por ser quem eu era, fui à retiros torcendo para Deus me livrar dessa “sujeira” que me levaria para o inferno. “Deus, tira de mim essa vontade, eu te imploro, sou seu filho” essa era minha oração por toda minha infância e adolescência. Eu me odiava por conta daqueles que deveriam me amar. Me punia toda vez que sentia atração pelo mesmo sexo: me cortava, me batia, ficava sem comer e cometia homofobia achando que ajudaria em alguma coisa. Eu odiava ser eu, sentia nojo da minha pessoa por conta de doutrinas religiosas.

Resolvi ser eu. Uma escolha que eu acreditava não ser tão difícil por me sentir amado, mas era tudo falácia, eles só amavam o meu eu servo, submisso e infeliz. Como pode alguém te amar e querer sua infelicidade? Sendo eu mesmo, eu vivo e sobrevivo. “Filho do diabo, enviado de satanás, maldição…” Foram coisas que ouvi no lugar em que eu podia jurar que me amavam.

Hoje eu me amo, sou do jeito que eu deveria ser! Não tenho mais nojo ou vergonha da minha pessoa. Não somos pecadores nem aberrações, somos humanos com sonhos e desejos. Desejo de ser amado.

- Vixen Rox

Crônica

 Essas palavras são sobre a falta. São sobre aquela espécie de vazio que eu sinto quando penso sobre você e em todas as possibilidades que poderiam ter acontecido. 
Eu não desejaria que nada fosse diferente, ou eu não seria eu, mas é impossível negar que eu já me peguei imaginando muitas vezes como as coisas seriam se você fosse presente. 
Porque a falta da qual eu escrevo aqui não é aquela que você sente quando não tem mais a pessoa com você, mas sim quando você convive com ela e mesmo assim ela não se faz presente. 
E o que é estar presente? É estar junto, viver os bons e maus momentos, compartilhar uma história e uma conexão. Isso é o que nós, humanos, somos: um embaralho de conexões. 
Infelizmente, mesmo que o sangue que corre em minhas veias seja o mesmo que o seu, eu acho que essa é a única conexão que compartilhamos. 
Eu te vejo todos os dias e nós nos cumprimentamos, mas nunca conversamos de verdade sobre nada. 
Eu não sei sobre a sua vida antes de eu nascer, você nunca me contou. Eu não sei o que te move ou quais são seus sonhos. E da mesma maneira, você nunca perguntou os meus. 
Você não interfere nas minhas escolhas, o que eu agradeço, mas muitas vezes você não está lá para comemorar comigo ou emprestar seu ombro para que eu chore. E se eu for ser franca, eu prefiro esconder meu choro do que me mostrar vulnerável na sua frente. 
Eu não sei se um dia já foi diferente, se foi eu não lembro, e das minhas lembranças eu não tenho abertura com você e não entendo as suas alterações de humor bruscas ou porque você parece dar mais importância para outras pessoas do que pra sua própria família, pai. 
E eu estaria mentindo se dissesse que não guardo rancor ou que as datas que te envolvem são tranquilas para mim. Mesmo assim, eu espero que eu consiga entender. 
E principalmente, que eu consiga te perdoar e perdoar a mim mesma.  
Espero que você se desculpe assim como eu faço agora neste compilado de palavras. 
Eu peço desculpas por não conseguir te entender. 
E que mesmo que nós não sejamos como nos comerciais, que ainda possamos construir algo bom e que a palavra “pai” não continue sendo tão amarga.


- Motoserra