Sentado neste quarto tomado pela penumbra de uma madrugada silenciosa, após um dia cansativo que durou mais do que deveria, penso em minhas dores. Feridas da alma que ainda não se fecharam e quase permitem que eu escape de mim mesmo.
Existem eventos traumáticos em nossas vidas que permanecem à espreita, aguardando o momento oportuno para se manifestarem novamente. A fazer com que reconheçamos nossa fragilidade. Expondo que não estamos curados, apenas distraídos.
No dia 20 de agosto me senti minúsculo. Como se não houvesse uma barreira que separava a minha existência do resto do mundo. Uma criança perdida nas ruas de uma cidade grande demais para ela, a chamar por sua mãe. Esta, por sua vez, embriagada demais para reconhecer sua voz, tropeçava em suas próprias pernas e desmaiava no concreto gélido.
Naquele domingo, voltei a ter 8 anos. Vivi todas as brigas novamente, ouvi seus gritos como se nunca houvessem cessado, lavei seu sangue como se jamais tivesse estancado. Meu coração acelerou da mesma forma que acelerava há uma década atrás, e eu chorei como se não tivesse envelhecido um dia sequer.
No entanto, não me calei como de costume. Esbravejei. Da minha boca saíram palavras profanas das quais não me arrependo, enquanto – diferente do que meu eu indefeso costumava ouvir da sua – você se desculpava.
Disse, com sua língua embolada, que eu era o único acerto de sua vida e que precisava do meu perdão para continuar existindo.
Não perdoei.
A carreguei por quatro lances de escada com dificuldade. Troquei suas roupas sujas. A coloquei na cama e esperei até o sono (ou álcool) dominar seu corpo por inteiro. Me sentei, ao lado da cama, para checar sua respiração a cada dez minutos.
Naquele dia, prometi duas coisas a mim mesmo: não vou me perder como minha mãe se perdeu; Vou carregar suas dores quando suas pernas fraquejarem, para não procurar escapes destrutivos.
Vou ajudar a curar quem me traumatizou.
- Dante
Nenhum comentário:
Postar um comentário