quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Oitava

 14 de fevereiro de 1996, nunca esquecerei do dia em que você partiu, simplesmente partiu, virou as costas para sua responsabilidade, para quem devia receber a sua atenção, para o que devia receber o seu amor. Você preferiu a covardia, ser o vilão, o meu vilão, num mundo onde não existem heróis, existe apenas coragem e arrependimento, coisas que você jamais poderá entender o que são.

9 de agosto de 2006, meu aniversário de 12 anos, uma década desde que você me deixou, tinham seu endereço, me perguntavam se eu queria te encontrar, se eu queria te ver pela primeira vez, pelo menos para eu guardar teu rosto em minhas memórias, decidi que não, eu não precisava de você, nem ao menos sabia quem você era.

12 de maio de 2007, como uma boa criança curiosa, eu vasculhava por caixas e mais caixas em minha casa à procura de lembranças gravadas no mundo físico: fotos, documentos, o que for. Numa caixa velha no fundo de um armário, acho um envelope, tem seu endereço, uma foto sua e um nome gravado.

19 de julho, ainda em 2007, faltavam 21 dias pro meu aniversário, você sabia, né, Frederico? Eu me perguntava se você ainda lembrava do dia que eu nasci, hoje eu sei que não tinha o porquê de imaginar isso, você escolheu me esquecer, eu tentava te esquecer também, mas não conseguia, você era como uma parte faltando de mim.

30 de novembro de 2012, meu último dia como estudante, o primeiro dia do resto da minha vida, eu desejava todos os dias que você fizesse parte dessa vida, eu desejava que você estivesse lá, que dissesse coisas como “Parabéns, filho”, “Estou orgulhoso de você” e “Hoje começamos sua jornada”. Eu queria que você me amasse.

25 de janeiro de 2019, meu primeiro emprego na área que eu sempre sonhei, era apenas um estágio, mas eu não me importava, eu agia com paixão. Coincidentemente, também era a sua área, quem diria que eu seria a cara de meu pai, porém eu não morreria sozinho com meu rancor, eu não estava predestinado a ser um merda.

6 de outubro de 2021, foi o dia em que eu decidi começar a escrever pra você, usei o endereço que achei com meus 12 anos, escolhi as cartas pois foi o que eu achei em 2007: uma carta com lágrimas. Escolhi os anos e os dias, lembrei do que pude, tudo o que eu queria era te informar sobre o que eu vivi, sobre o que eu passei.

2 de março de 2028, lembro exatamente do momento em que recebi o telefonema, uma mulher, voz rouca, chorosa, perguntava se eu era quem eu era, ela precisava me contar. Me deu cada detalhe, me disse tudo sobre o momento de sua morte. Escrevo para ti a oitava carta, mesmo sabendo que você nunca vai ler, contando do meu filho, Fernando, fui o pai que nunca tive pra ele, não cometi os mesmos erros, vivi a vida com ele, auxiliei, não virei as costas, amei. Hoje, 13 de março, eu entrego a última carta, ela será colocada em seu caixão junto das outras, você correu de mim no início de minha vida, porém ficarei com você no fim da sua.

- Abebe Sant'Clair

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