quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Traumas

 Aos 10 anos, Mya apanha de seu pai pelo seu “jeito masculino”. Mya, criança, não sabia da profundidade social que existia em uma menina amar jogar futebol. Seu pai, pastor, a proíbe de brincar com meninos.

 Aos 15 anos, no auge da adolescência, Mya se olha no espelho e não se reconhece. O vestido e os cabelos igualmente longos refletem a longevidade de sua repressão vivida dentro da igreja. A verdadeira Mya não existe, ou melhor, ela é escondida.

 Aos 20, com o cabelo raspado e usando “roupas masculinas”, Mya se sente Mya. A sua verdadeira essência exposta teve como consequência o afastamento dos pais. Afastamento dos pais ou de seu trauma? Ou ambos? Mya não quer saber, apenas viver jogando futebol.

- Mya Hill


Trauma

Trauma uma palavra tão pequena mas que significa muito,uma palavra que pode levar a gatilhos,gatilhos como a situação de um menino recusado pelo seu amor, um menino apaixonado por uma amada ,uma amada que parecia ser ser uma pessoa boa,mas que causou traumas ,por que ao invés de dizer o não você precisou humilhar, humilhar ao ponto de dizer : "Eu jamais ficaria com alguém como você?". Qual o sentido de quebrar em pedaços todo o amor que ele tinha por ti, qual a necessidade de magoar ao extremo uma pessoa que só queria lhe dar o amor? Mas esse não é apenas um Trauma, é um coração, uma vontade , um sonho morto por apenas uma única facada. Passamos por diversos traumas na nossa vida, muitos irão nos ensinar a ser um humano melhor,mas muitos mereciam ser evitados

- Chapeleiro Intelectual

E nessa, eu me perdi

 Família. Nosso primeiro contato com a sociedade e muitas das vezes o pior que poderíamos ter. Cresci assistindo desenhos, filmes e séries onde famílias felizes comiam na mesa e as figuras paternas reforçavam o amor e admiração pelos filhos. Mas depois, depois de um tempo, descobri que essa arte não copiava a vida, descobri que fora da ficção as figuras paternas não veem a necessidade de uma presença mais constante, justificando tal ausência com “excesso de trabalho” ou simplesmente “cansaço”.

Acredito que depois de um tempo eu entendi o que me assombrava, após o nascimento do meu irmão na verdade. Antes atribuía a “falta” ao meu pai, depois entendi que a falta que sustentava essa distância, não estava no trabalho e nem no cansaço, estava em mim ou nas expectativas que ele criou sobre mim. Meu irmão trouxe uma lucidez que talvez eu não fosse conquistar sozinho. Eu o vi se tornar a personificação dos sonhos do meu pai. E eu? me tornava a ruptura, eu era a falha do masculino, masculino esse admirado e constantemente destacado por ele, nos que o tinha.

O medo de frustar, decepcionar ou romper com as expectativas de alguém novamente, me fez assumir a passividade, a anulação dos meus sentimentos em cuidado ao do outro. Por muitos anos assumi uma figura não minha, por muitos anos fingi ser, fingi vestir. Eu consegui agradar…a ele.

e nessa, eu me perdi.

Hoje, deixo de me anular para viver expectativas não minhas. Hoje, anulo expectativas não minhas.

- Agenor de Miranda

20 de agosto

 Sentado neste quarto tomado pela penumbra de uma madrugada silenciosa, após um dia cansativo que durou mais do que deveria, penso em minhas dores. Feridas da alma que ainda não se fecharam e quase permitem que eu escape de mim mesmo. 

Existem eventos traumáticos em nossas vidas que permanecem à espreita, aguardando o momento oportuno para se manifestarem novamente. A fazer com que reconheçamos nossa fragilidade. Expondo que não estamos curados, apenas distraídos.

No dia 20 de agosto me senti minúsculo. Como se não houvesse uma barreira que separava a minha existência do resto do mundo. Uma criança perdida nas ruas de uma cidade grande demais para ela, a chamar por sua mãe. Esta, por sua vez, embriagada demais para reconhecer sua voz, tropeçava em suas próprias pernas e desmaiava no concreto gélido. 

Naquele domingo, voltei a ter 8 anos. Vivi todas as brigas novamente, ouvi seus gritos como se nunca houvessem cessado, lavei seu sangue como se jamais tivesse estancado. Meu coração acelerou da mesma forma que acelerava há uma década atrás, e eu chorei como se não tivesse envelhecido um dia sequer.

No entanto, não me calei como de costume. Esbravejei. Da minha boca saíram palavras profanas das quais não me arrependo, enquanto  – diferente do que meu eu indefeso costumava ouvir da sua – você se desculpava.

Disse, com sua língua embolada, que eu era o único acerto de sua vida e que precisava do meu perdão para continuar existindo.

Não perdoei. 

A carreguei por quatro lances de escada com dificuldade. Troquei suas roupas sujas. A coloquei na cama e esperei até o sono (ou álcool) dominar seu corpo por inteiro. Me sentei, ao lado da cama, para checar sua respiração a cada dez minutos.

Naquele dia, prometi duas coisas a mim mesmo: não vou me perder como minha mãe se perdeu; Vou carregar suas dores quando suas pernas fraquejarem, para não procurar escapes destrutivos.

Vou ajudar a curar quem me traumatizou.

- Dante

Cobertura no bolo cru

Até onde o medo, o receio, as angustias podem levar alguém ao limite?, seus comentários e suas ações intimamente ligados ao ponto do fio que liga ambos enrijecer? Fora nítido a mim e as minhas ações que estava cego diante de minhas dores, preocupações, receios do abandono de pais, amigos e da própria existência. Que soube entender o mínimo aceno de cabeça como um sinal de irrelevância para os outros, de sentir um punhal cortando veias e artérias do coração imaginário das nossas emoções, passados quase dez anos da minha juventude, vejo que minhas ações não são tal qual diferentes do eu de onze anos de idade, e sim a versão madura das mesmas ações, antecipando tudo o que se pode fazer para evitar o máximo trauma do abuso que o pequeno menino viveu sob uma literal chuva de pedras por outros moradores da mesma rua apenas por ser “incomum”, sob esses detalhes, vivo que ando a colocar a cobertura sobre bolos crus, a antecipar coisas que desejo que aconteça para evitar a parte ruim da convivência humana, a ansiedade social de ser um estranho em algum local, a sensação do vazio, estando cercado por tantas futuras memorias.

- Charles Jr.

Oitava

 14 de fevereiro de 1996, nunca esquecerei do dia em que você partiu, simplesmente partiu, virou as costas para sua responsabilidade, para quem devia receber a sua atenção, para o que devia receber o seu amor. Você preferiu a covardia, ser o vilão, o meu vilão, num mundo onde não existem heróis, existe apenas coragem e arrependimento, coisas que você jamais poderá entender o que são.

9 de agosto de 2006, meu aniversário de 12 anos, uma década desde que você me deixou, tinham seu endereço, me perguntavam se eu queria te encontrar, se eu queria te ver pela primeira vez, pelo menos para eu guardar teu rosto em minhas memórias, decidi que não, eu não precisava de você, nem ao menos sabia quem você era.

12 de maio de 2007, como uma boa criança curiosa, eu vasculhava por caixas e mais caixas em minha casa à procura de lembranças gravadas no mundo físico: fotos, documentos, o que for. Numa caixa velha no fundo de um armário, acho um envelope, tem seu endereço, uma foto sua e um nome gravado.

19 de julho, ainda em 2007, faltavam 21 dias pro meu aniversário, você sabia, né, Frederico? Eu me perguntava se você ainda lembrava do dia que eu nasci, hoje eu sei que não tinha o porquê de imaginar isso, você escolheu me esquecer, eu tentava te esquecer também, mas não conseguia, você era como uma parte faltando de mim.

30 de novembro de 2012, meu último dia como estudante, o primeiro dia do resto da minha vida, eu desejava todos os dias que você fizesse parte dessa vida, eu desejava que você estivesse lá, que dissesse coisas como “Parabéns, filho”, “Estou orgulhoso de você” e “Hoje começamos sua jornada”. Eu queria que você me amasse.

25 de janeiro de 2019, meu primeiro emprego na área que eu sempre sonhei, era apenas um estágio, mas eu não me importava, eu agia com paixão. Coincidentemente, também era a sua área, quem diria que eu seria a cara de meu pai, porém eu não morreria sozinho com meu rancor, eu não estava predestinado a ser um merda.

6 de outubro de 2021, foi o dia em que eu decidi começar a escrever pra você, usei o endereço que achei com meus 12 anos, escolhi as cartas pois foi o que eu achei em 2007: uma carta com lágrimas. Escolhi os anos e os dias, lembrei do que pude, tudo o que eu queria era te informar sobre o que eu vivi, sobre o que eu passei.

2 de março de 2028, lembro exatamente do momento em que recebi o telefonema, uma mulher, voz rouca, chorosa, perguntava se eu era quem eu era, ela precisava me contar. Me deu cada detalhe, me disse tudo sobre o momento de sua morte. Escrevo para ti a oitava carta, mesmo sabendo que você nunca vai ler, contando do meu filho, Fernando, fui o pai que nunca tive pra ele, não cometi os mesmos erros, vivi a vida com ele, auxiliei, não virei as costas, amei. Hoje, 13 de março, eu entrego a última carta, ela será colocada em seu caixão junto das outras, você correu de mim no início de minha vida, porém ficarei com você no fim da sua.

- Abebe Sant'Clair

Reflexos do Passado

  Para se saber da beleza da vida, tem que se conhecer suas escuridões. Ao contrário de quem tenta de todas as formas escapar das incertezas e tristezas que passamos de tempos em tempos, eu prefiro passar por essas dificuldades sempre pensando no que as mesmas podem me ajudar a ser mais forte no futuro.

              Na teoria, essa linha de raciocínio pode ser muito madura, porém nada que planejo acontece exatamente igual como eu espero. Não se consegue prever o amanhã e muito menos controlar o que um dia sentimos e não lembramos, mais conhecido como gatilhos.

             Ele se manifesta de diversas maneiras, mas certamente uma de suas piores formas é a convivência com a pessoa que te traz essa sensação ruim. E  como no meu caso, esse indivíduo ser do núcleo familiar só torna as coisas mais difíceis e me encaminha para o costume com algo que nunca me fez bem. Natal, aniversários, redes sociais, festas. Tudo se torna um caminho para aflorar tudo que eu já sofri no passado, porque hoje mais maduro consigo controlar a convivência já mencionada.

              Porém, nada apaga a total desatenção e falta de carinho que só essa pessoa conseguiu me demonstrar sem motivo algum. Desde o meu nascimento até a adolescência eu era apenas um número para esse parente. E tudo se torna mais evidente e triste quando o tratamento com os outros integrantes do meio familiar é exatamente o oposto e que em questões de segundos uma áurea de violência psicológica se torna uma ação em palavras. E com um detalhe chave : sempre quando ninguém vê.

                O medo toma conta e a ameaça para que não se saiba disso acabava sobressaindo no meu psicológico, já que eu ainda não entendia o que realmente eram essas falas agressivas sem motivo algum. Ao longo dos anos, entendi o jogo mental praticado e ameaças não ocorrem mais, porém certas palavras nunca vão ter mais o mesmo sentido para mim.

- Cronista de Niterói