A chuva caía serena e molhava o gramado da pequena orla do Gragoatá. Não era a orla
mais bonita, assim como ela não era a moça mais bonita que eu poderia encontrar. Mas
só quem já sentiu o vento da imensa baía soprar, a ponto de esquecer todas as provas
que a uff nos dá, entende porque me doeu tanto quando ela quis me deixar. Ela era toda
a baía de Guanabara, ela era toda a ponte rio Niterói sob as minhas águas. Ela era mais
do que uma poça, fiz dela meu oceano. Incontáveis vezes quis trazer ela aqui. Pra lhe
beijar e fazer piada com nossos planos. Ir ao parque da Cidade, viajar no carnaval.
Dormir juntos, lhe usar como modelo pra minhas fotografias, pros meus textos, pra
minha vida. Hoje, nosso amor não tem o mesmo cheiro. É poluído, cheio de plástico, é
engarrafado, caótico, revoltado. É Icaraí comemorando a vitória do Bolsonaro. Nosso
amor não é mais cidade sorriso, nosso amor são os dentes caídos do homem cachorro de
Niterói.
Hoje, é primavera. O vento que sopra tem outro gosto. Desatei os nós da garganta,
aliviei o trânsito nas ruas da minha lembrança, sequei as inundações que estragavam
toda a minha esperança. Os carros passeiam livres, as motos cortam os ônibus, as
embarcações seguem seus planos, e eu não te amo mais. Gragoatá me parece mais
bonito, esses dias trouxe um novo sentido pro gramado batido e sentei atrás do Bloco H.
Não pensei em você ao lembrar que ninguém pensa na baía de Guanabara, quando se
tem o Rio Nilo.
Nas tuas águas eu não me afogo mais.
Ricardo Reis
Foda Ricardo, muito bom mesmo. Adoro sua sensibilidade e percepção, seus textos costumam trabalhar as mínimas nuances de amores, situações, ambientes. Me identifico muito com seu modo de romantizar qualquer tema, minha escrita, assim como a sua (acredito), parte sempre do pilar da paixão. Talvez por ser um ambiente muito comum a todos nós as descrições imagéticas sejam mais fáceis, mas ainda assim retratou com perfeição e sentido todo o místico que acompanha aquela orla. Já percebi em outros textos seus e aqui novamente, funciona muito bem essa estratégia de abordar um tema e paralelizar com o amor/romance. Parabéns, agora chegando ao final do período já me sinto apto a te classificar como meu escritor preferido ao longo do curso e o melhor de tudo: não faço ideia de quem és tu kkkkk, abraço.
ResponderExcluirEsse comentário faço questão de responder hahhah só porque tu é meu escritor preferido também (porém diferentemente de ti, eu tenho lá meus palpites sobre sua real identidade). Fico feliz com as palavras e só por saber que consegui tocar alguém, já é válido. Abraço!
ExcluirO refino de sempre, né, Ricardinho. Poesia a cada frase. "Eu não te amo mais" me lembrou Don L: "eu não te amo/ é tudo superficial". Já a última frase, tenho certeza que e uma referência literraia chique dessas que tu lança sempre, só não sei qual é. Como de costume: ficou bonzão
ResponderExcluirDiferentemente de Alcione, eu devo lhe chamar de Ricardão, porque tudo o que tu faz és grandioso. No momento, estou relendo sua crônica e coloquei uma música suave para acompanhar a leitura e tudo se encaixa perfeitamente bem. Os detalhes que tu colocastes neste texto foram... incríveis! Do menor até o homem cachorro (quem nunca levou um susto com ele que atire a primeira pedra). Eu sinto muito que estejamos no fim do semestre e não iremos desfrutar dos teus textos onde você faz com que todos se achem nas tuas palavras. Eu acho que nada melhor do que superar um amor acabado, não é mesmo? Você me deixa sem palavras, porém muito grata. Nas águas da tua escrita quero me afogar. ♥
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