domingo, 11 de novembro de 2018

PREFÁCIO

escrevo-lhes
por na vida sempre haver um pois
escrevo-lhes dessa caverna que é meu quarto
em decesso quiçá eterno
pois sou poeta
(e para bom poeta creio que o amor seja sombra)

escrevo-lhes pelos inacessíveis caminhos do pois
pois explicar é uma pílula a essa irremediável sociedade
pelos intangíveis arranhares das pregas vocais
que a vosotros transmite a voz
escrevo
pois escrever é preciso
quando já não é possível navegar frente às tempestades
(e sou água em enorme parte)

os ares pontiagudos vêm como mães
a pentearem os delicados fios de cabelo das árvores
e o vento é pai
a disciplinar os infindos caminhos das aves

tu
sentado à grama
ainda podes ser criança
por permitir-se o infinito de uma última dança
por pôr nos olhos vidros
por ainda ter coragem de sair da cama

sentem-se mancebos
e ouçam essa triste história
não tardará que tirem-lhes os espelhos da escama
sentem-se sem medo
ouçam à história de um amor que nunca existiu
mas que já foi embora
quando da vida nada se leva, senão pequenos anseios
ou lapsos da memória

ouvi dizer que da lua as estrelas eram véu
por acreditar em romances perdi esposas muitas
à procura do amor nas pequenas nuances
e resolvi sair pelas ruas, apreciando o céu
a lua
sua forma imprudente de expor-se nua
e despi-me também
tirei o capuz
deixei de lado o pudor
inalei um punhado de ar e existi
como nunca antes pude
espirrei
pois espirrar é ratificar da vida o perfume
amei
pois amar é como pro solo o estrume
e cobri-me dessa merda que é “amar”
dos “poises” não me libertei, pois

é tudo tão complicado por aqui
preciso-lhes explicar!

NA ORLA

É o verde que nos excita menina. São as cores. O brilho. Os motores. A noite cai sobre teus cachos louros e misteriosos, o silêncio toma a tua fala. Servem de lençol as folhas secas, o chão frondoso é cama frente às invisíveis cercas. Mas meu amor não da brecha às secas, não seca, não peca, não falha. Não te erra meio ao beijo à carne mutilada. Não me aflige a pele fina e arrepiada que me entregas de mãos dadas. É como lavanda o toque de teus pelos quase que desertos a subirem pelos perigosos caminhos de tuas infinitas pernas. Percorro sob essa lua que mingua para os amantes da quarta tuas trilhas tácitas de prazer. Teu desfazer súbito de qualquer barulho deixa-me o quase que inaudível marulho. O verde leva ansiedade qualquer que possa-nos dar no pé. O não tocar dos celulares acende a retina de teus globos oculares que me olham fartos e castanhos. Tua fala, como um bêbado que caminha, balbucia, trepida, me vem de forma desengonçada, em momentos de negação da fala, de negação de tudo que não nos converse como conversa a mão no desfazer de laços em tua malha. São teus lábios entreabertos que me conquistam pela noite fria que passamos à beira mar, ainda que silenciosos, dialogam com meu eu-lírico de apegos insólitos. E te olho. E me olhas. E te molhas. A grama rasteira é pouca para o prazer imediato, debruçado no desabrochar de cada beijo que se forma. O vento sopra leves rajadas redondas, sem pontas, a pentearem as bagunçadas mechas do amor. Os óculos começam por atrapalhar a visão próxima no trocar de informações ainda mais próximas, que me forçam a aproximar-me ainda mais de teu rosto, que se aproxima ainda mais de meu rosto, e me faz sentir o gosto; e os óculos são muros inseparáveis de visões curtas e incompreendidas. Os óculos são muros. Cegam. Despencam da ponta de nossas faces, suaves, como as folhas que fremem sobre nós em compassos regulares de brisa marítima. E a noite é fria para os que não se encontram aqui na orla, ao teu lado, à minha cia. Teu corpo dispensa flanelas, moletons, malhas, linho, mil fios. Teu corpo dispensa minhas flanelas, meus moletons, minhas malhas, meu linho, meus mil fios. Teu corpo me intima a despir-me de tudo, de todos, do nu. Teu corpo me veste, como vestem no inverno as mães corujas, que não habitam esta noite fria, que é nossa e, por ser nossa, é quente. E por ser quente ferve. E porque ferve, molha. E porque molha, é ósculo. E faz pingar. E porque beija, seca. E porque seca estremece, canta, agita, balança. E cantas. E cedes. Não te aguentas às minhas intransponíveis parábolas de saliva. Não te aguentas aos meus pelos cultivados em adolescência. Tuas falas renunciam ao passar das mãos em tua pele. As luzes refletem nos franzidos e úmidos lençóis, sobre os quais descansa aquele grande navio. E se flutuas em minhas mãos, em minhas coxas, em meus olhares castanhos; sou cais. E te atracas em minhas palavras de poeta. E te entregas a meus ideais pouco estetas. Já que não reivindicas, já que não protestas. Já que me concedes infindos caminhares de festa, te deixo palavras curtas de um desprazer imediato que me vela o corpo. A noite é fria novamente. A posse é curta e sem graça. É tão fácil ‘amar’ quando amado. Queria eu que se fizessem quentes todas essas noites de inverno que passarei na cia do fumo aqui na orla.

Zé Zepilim

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