sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Marina

Estava distraído quando encontrei essa foto: você com olhos fechados pelo sol e nuvens ao
fundo. Tudo é azul, inclusive, seu vestido. Você me pediu para ver o mar naquele dia e te fiz
andar pela orla até reclamar de cansaço, mas ainda continuava a rir. Ria em contraste da vida
árida do interior tão diferente da gente do litoral. O vento que oscila a ponte cheia de
motoristas apreensivos para chegar ao trabalho com delicadeza movimenta a barra do vestido
costurado por ti. Apesar do coração devoto, com a língua atravessada pergunta quantos click
click da máquina faltam para podermos sentar. Pelo costume obedeço de imediato. Agora,
vemos o outro lado sem filtros. O movimento dos pássaros. O barulho dos carros. Os
aposentados e seus animais no calçadão. O ritmo da cidade em compasso com as ondas. Você
tem esse olhar infantil daqueles que herdarão o céu e em silêncio absorvo cada palavra da tua
história. Lembro o guardar das lágrimas na certeza da repreensão por fazer drama que para
você sempre acaba em xaréu. Não faço ideia do significado, mas acredito. E nesse misto de
maresia e saudade seguem as memórias de uma vida inteira. A senhora é gente humilde que
existe junto a terra e tem como escola o trabalho das mãos. Nutre em si força como as águas
que nos cercam capazes de se conformar aos espaços, mas também de os modificar. A doença
não tirou tua quentura, mas a estadia na cidade é só pelos exames, pois à sua espera estão a
casinha e o companheiro de todos os anos. Um outro Manoel – não o seu – mas também
poeta disse que o nome empobreceu a imagem, mas você de modo irreverente o provou
errado. Marina é aquela que vem do mar, tornando esse momento imenso. Click. É a última eu
prometo.

Brás Cubas 171

2 comentários:

  1. Me arrancou um sorriso, agradeço por isso! Consegui visualizar a cena com tamanha perfeição que não hesito em dizer que você cumpriu muitíssimo bem a missão de "pintar" uma crônica. Aliás, que pintura linda esta de Marina. Parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Estou em um misto de sensações loucas no momento: meus olhos estão marejados e o sorriso está em meus lábios. Ponto. Eu não estou tendo palavras para descrever o quanto eu amei essa crônica, foi deslumbrante do início ao fim. Você foi detalhista, conseguiu dar emoção e passou sinceridade, leveza... deu um cenário onde todos conseguem arquitetar perfeitamente na mente (eu acredito que sim, pois comigo foi assim). Eu acho que faltou a vírgula em alguns momentos para que desse uma entonação diferente a leitura, mas não tira o glamour do teu texto. Se eu fosse Marina, estaria feliz e honrada por ter sido inspiração para uma crônica tão bem construída.

    ResponderExcluir