sexta-feira, 9 de novembro de 2018

#NoFilter

Olha pra paisagem.
Pode olhar.
Olha, gente! Tô falando com vocês que tão ouvindo a crônica. Aprecia.
Tu que tá lendo, também.
É uma graça, né?
Uma ponte grande pra porra, uns morros internacionalmente conhecidos... Paisagem que já passou no Instagram de 70% dos alunos do Gragoatá.
Uma graça.
Afinal, o que escrever sobre o que já se foi escrito exaustivamente?
Acho que, no fundo, não me interessa a paisagem. Me interesso mais pelos pontinhos miudinhos que se escondem nela.
Me interessa menos o Pão de Açúcar e mais aquele bondinho. Não a estrutura, mas o cara que o opera. Será que é uma moça? Será que ganha bem? 
Sei lá. Mas se fosse pra fazer uma crônica sobre ele ou ela, faria um deboche com os gringos. Imagina: viver horas diárias de trabalho vendo um monte de gente falando um monte de língua e ostentando um monte de nota, mas todos tirando a mesma foto? E da mesma paisagem.
Gringo é gringo. Pode vir da super desenvolvida Noruega, mas na hora de tirar foto, vai sair do mesmo jeito que a nossa. Tudo bem que a dele vai pra Museu, e a nossa vai pro Instagram, mas no fundo, no fundo, elas têm o mesmo valor.
Me interessa aquele cara (e esse certamente é um cara), com seu carrão importado, achando que o veículo é a extensão do próprio pau, dirigindo a 120 por hora pela ponte e sem medo de multa, porque tá atrasado pra sauna que frequenta antes de chegar em casa, afinal, é preciso relaxar "no sigilo". Se a mulher não ficar sabendo, a família brasileira ainda tá de pé.
Pois é. Quem disse que nossos personagens sempre nos dão orgulho?
Também me interesso pelo Instagram daquela pessoa que acabou de comprar a maçã mais atualizada do mercado, quer estrear a câmera nova e lembra que "ih, eu tenho aula exatamente na hora que o sol se põe", mas foda-se, "feed organizado é portfólio".
É, pessoal. A gente faz dez crônicas no semestre porque nem todo mundo nessa universidade tá com a vida ganha.
Na moral mesmo? Eu me interesso é pela gente. Você que lê, vocês que escutam, eu que escrevo. 
Já pararam pra pensar em todas as paisagens que criamos desde o início dessa disciplina? Isso significa que temos muito a dizer, mas nem sempre existe espaço pra sermos ouvidos. Uma aula como essa serve pra mostrar que, afinal, nós damos aula.
Nós, os pontinhos miudinhos que ilustram essa paisagem aqui. O cartão postal é a gente.
Vão tentar poluir nosso rio? Para, né. Dá licença. Olha onde a gente tá: Baía de Guanabara. Já tâmo poluído até o talo. Se olharamos pra paisagem e o visual não estiver bonito, a gente escreve outra. Somos personagens e autoras dessa ficção. Somos semente e, até última ordem, faremos a festa na fresta.

Alcione 77 

4 comentários:

  1. "feed organizado é portfólio" hahahhaha gosto muito da tua forma de pensar e acima de tudo, de se expressar. Mais um texto que não deixa a desejar, mantendo um alto nível, e um padrão invejável. Tu vai longe, pessoa! Espero estar te assistindo e poder dizer "eu lia as crônicas dessx fulanx desde o primeiro período da faculdade". Abraços!

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  2. Alcione, adoro a acidez que você usa para "jogar verdades na cara". Incrível! Mais uma vez acertou o pH.

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  3. Ei, Alcione... Gostei muito do título, aquele famoso ditado: sem filtro, sem make! Hahahaha. Brincadeiras à parte, eu amei a forma em como você interage com a pessoa que está lendo, dá uma proximidade ótima ao leitor. Não sei como isso será realizado na leitura externa, mas eu consigo projetar perfeitamente todo mundo perdendo o foco da pessoa que vai estar lendo e concentrar-se apenas em ficar atento com as palavras. Segundo, eu jamais vou deixar de dizer o quanto eu adoro o teu senso de humor. É deslumbrante, pois é difícil mexer com isso, são para poucos, eu acredito... mas, você nasceu com esse dom, nem um pouco forçado. Gosto dos detalhes que usa e dos pontos de referência que sempre coloca. Eu preciso falar pela milésima vez sobre as críticas sociais que você faz? Porra, eu amo isso demais. Você é incrível, a tua escrita é única e eu vou admirar isso para o resto da minha vida. Não precisa de palavras difíceis, você faz do simples uma obra de arte. Olhando para a sua primeira crônica, a primeira que foi lida na sala de aula, lembra? Fez com que todos rissem, e até hoje, você me tira boas risadas. Mas também devo destacar que, tuas palavras e o teu pensamento, me causam um arrepio. Eu não sei explicar, mas é uma sensação boa. Assim como eu disse para Ricardo Reis, eu sinto muito que o final do semestre esteja pelo fim e que não irei mais ter a chance de ler esses teus textos semanais. Tu és incrível, e lhe desejo todo o sucesso do mundo. ♥

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    1. Quando a gente ficar sabendo quem é quem, quero pessoalmente te agradecer pelos sempre longos e queridos comentários que você faz pro que escrevo. É por causa de palavras como as suas, do Brás, do Ricardo e de todo mundo que já comentou, que a gente acredita cada vez mais que vale a pena escrever. Como sempre: obrigado

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