terça-feira, 24 de maio de 2016

Enquanto eu tinha você

Desde jovem sempre zelei pela minha independência, pelo desapego. Gostava da sensação de ser livre, da minha individualidade, de não estar preso a nada, mas você apareceu e eu não estava pronto para isso. 

No começo tudo era leve, sem cobranças, sem defeitos. Logo depois, as coisas foram ficando mais sérias e eu estava incerto sobre o rumo que nós íamos levar. Eu sempre fui muito pé no chão e muito durão com meus sentimentos, não planejava o futuro nem nada do tipo. Você se entregou e se dedicou muito mais a nós do que eu o fiz. Com o tempo isso foi ficando bem claro. Era sempre você quem me ligava, quem me lembrava do nosso aniversário de namoro, dos nossos problemas, do nosso apartamento, enquanto eu estava estressado com a minha rotina, com os meus projetos, os meus problemas e a minha vida.

Acho que no fundo nunca acreditei que você fosse realmente se cansar, eu estava muito seguro sobre os seus sentimentos, pensava que sua cobrança de rotina era só da boca para fora, mas minha prepotência me impedira de ver que a cada dia você já estava mais longe de mim.

Até que você foi embora de repente, aquela foi a nossa última briga, foi quando eu vi você sair por aquela porta sem dizer mais nada. Eu me senti tão impotente e inseguro em perceber pelo seu rosto que era tarde demais, você já não era mais a mesma, e nesse dia eu tive medo do que aconteceria dali para frente, sem saber ao certo como parar esse sentimento.

Os primeiros meses foram os piores. Essa foi a forma mais dolorosa de perceber que não ter você era muito mais do que eu estava preparado. Tentei preencher minha solidão das formas mais estúpidas, mas sabia que nada seria igual. Fiquei por horas buscando coragem em frente ao telefone para dizer que me arrependi, te pedir para voltar e dizer que eu não estava bem sozinho. Queria ouvir sua voz calma, como antigamente, me dizendo que no final tudo ia acabar bem, queira chegar a noite e desabafar todo o meu dia, queria te ver de manhã reclamando por acordar cedo, quis seus beijos, seu carinho, mas eu não tinha nada além do meu orgulho. No fundo, eu já sabia que tinha esgotado todas as minhas chances e que deveria ter te amado da mesma forma como você se entregou a mim, mas tudo o que fiz foi colocar meus problemas e meus desejos efêmeros acima de tudo. De forma tão egoísta e imatura, transformei todo esse amor em mágoas.

Sinto, depois de tudo, que aquela era a chance que eu tinha recebido da vida para encontrar a minha felicidade e eu simplesmente a recusei. Não sei como está sua vida agora, mas algumas coisas ainda são as mesmas por aqui. Eu continuo caindo no sono no sofá da sala de frente para o laptop quase toda a noite, e ainda não me desfiz daquela camisa que você odeia. Só que agora está tudo estranho, me sinto perdido, é como se você ainda estivesse aqui, reclamando das minhas manias e esse vazio me machuca às vezes. Por quanto tempo eu vivi sem saber que era você quem sempre esteve ali, buscando o melhor de mim, no meio de toda essa bagunça que me define?

Hoje estou aqui, sozinho, pensando nas coisas que eu poderia ser com você e em tudo que eu poderia mudar, mas eu só me pergunto por que eu escolhi todos esses meus erros enquanto eu tinha você?


Lemos, Dante.

9 comentários:

  1. Muito bonito o texto! Quantas vezes deixamos passar um amor por não prestarmos a devida atenção no outro... Creio que é uma crônica atemporal, que garantiu bastante profundidade aos relatos e ultrapassou os limites do cotidiano, conseguindo algumas pontas da estrela. Não consegui ver, porém, o exercício de cidadania e a potencialização dos recursos do jornalismo. Mas gostei do texto!

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  3. Amei esse texto! Mostra como nos arrependemos em relações a palavras não ditas, carinhos não dados e como valorizamos depois de perder. Vejo que seu texto rompe com as correntes do lead e proporciona uma visão ampla da realidade, ao relatar com tantos detalhes os aspectos que foram notados no narrador e no dia a dia dele depois que não tinha mais aquele amor.

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  4. Muito bom e bem triste :( De fato, como a Amelie disse, qualquer pessoa, de qualquer época, pode se identificar com a mensagem central do texto. A profundidade com que é relatado o sofrimento do rapaz e o relacionamento que ele perdeu me fez sentir a dor dele e me aproximou muito do eu-lírico. Amei que a última frase do texto é também o título da crônica, dando uma sensação de ciclo fechado. Entretanto, concordo que faltou o exercício da cidadania, a potencialização dos recursos jornalísticos e talvez uma visão ampla da realidade, já que vemos apenas o ponto de vista do rapaz, algo bem restrito. Mas isso é detalhe, comparado a qualidade do texto. Parabéns!

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  5. Tive a sensação de estar ouvindo uma música ao ler essa crônica. Não que haja essa sonoridade, mas a forma como é detalhado os fatos, me fez sentir a angústia do eu lírico, como se eu pudesse ouvir a entonação de suas palavras. E assim como uma canção, trás consigo essa perenidade inegável. Um texto profundo e sensível. Gostei muito.

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  6. Triste, profundo e cheio de sentimento, qualquer um que se arrepende de um amor que não soube cultivar consegue se identificar. Adorei! Consegui perceber a perenidade e o rompimento com as correntes do lead. Muito bem escrito, parabéns.

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  7. Apreciei muito a sonoridade da musica. Ás vezes me fez lembrar um daqueles sertanejos bem sofrência. Falou de um tema cotidiano e cai entre nós, quem nunca viveu tal situação?

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  8. Olá amigo Dante! Seu texto é magnífico! A forma com que você expõem os sentimentos do personagem nos traz uma certa familiaridade pois qualquer um de nós pode passar por tal situação (se é que já não passou). Pude perceber o rompimento com as correntes do lead e uma visão ampla da realidade. Parabéns pelo trabalho, adorei!
    Beijos perfumados de sua querida Maria Antonieta.

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  9. Muito bom. Nessa carta, você utilizou recursos de intimidade que aproxima bem o leitor. Essa situação descrita no texto, é vivida por muitos. Quem nunca ouviu uma história de alguém que perdeu o grande amor devido ao orgulho? Ou até mesmo já foi o próprio que fez isso. Acredito que,por isso, seu texto garante perenidade, pois ele fica no imaginário coletivo e mesmo daqui uns 10 anos, ele continuará atual.

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