O despertador tocou no mesmo horário de sempre. Com aquele frio, a vontade de sair da cama era um pouco menor do que zero. Por isso, tinha uma mania de sempre ao acordar, enumerar mentalmente os motivos para se levantar. Naquele dia estava complicado. Então decidiu trocar a estratégia. No três. Um, dois e três. Levantou-seabruptamente e ainda um pouco sonolento foi se arrumar. Tomou banho, uma xícara de café e pegou uma maçã para mais tarde.
O ponto onde esperava o ônibus ficava a poucos metros de sua casa. Ia caminhando lentamente, pensando em banalidades e observando seus próprios passos. Ao chegarao destino, observou que o ônibus já se aproximava e todo mundo sabe que na cabeça das pessoas que esperam pelo transporte publico aquilo é sinal de um bom dia.
Entrou, andou até o final do ônibus e sentou no mesmo lugar de todos os dias. Ao se acomodar, espreguiçou-se e observou de longe uma jovem que girava a catraca. Devia ter uns vinte três ou vinte quatro anos. Levava consigo uma mochila rosa e uma pasta azul. Imaginou então que fosse uma estudante de arquitetura. A jovem sentou e ele continuou a observar. Era muito bela e sentia o impulso de ir falar com ela.
Pensou em se aproximar, sentar ao seu lado e começar a puxar assunto. O caminho até seu ponto final demorava cerca de trinta minutos. Não era muito. Mas poderia ser tempo suficiente talvez para saber seu nome e confirmar se realmente era uma estudante de arquitetura. Poderia conseguir seu Whatsapp e quem sabe marcar um encontro em um parque movimentado, para ela não se assustar, nesse final de semana. Conversariam sobre musicas, viagens e sonhos. Ela poderia gostar de artes assim como ele e ao fim do encontro já deixaria marcado outro para a exposição de Debret que acabava de chegar à cidade.
Lá poderiam falar da importância história das pinturas do artista francês. Conversariam sobre a história do povo negro e a divida histórica do Brasil com eles. Debateriam sobre as cotas nas universidades públicas, outros meios de inserção social e a atual situação política do país. Pensando bem, esse ultimo item, melhor não.
Ao chegar em casa, poderia ligar para ela e agradecer pela companhia. Poderia chama-la para um jantar em casa. Não, muito precitado. Melhor convidá-la para ir ao cinema. Ela aceitaria e lá poderiam dar seu primeiro beijo.
Começariam a sair mais regularmente e depois de alguns encontros, pediria ela em namoro. Iria a apresentar para os seus pais, depois para os seus amigos e chamaria para o churrasco da família. Na casa dos sogros, tentaria impressioná-los mostrando seu ser um sujeito sério e estudioso. Formar-se-iam no mesmo período e iriam se mudar para uma casa no interior. Ela montaria um escritório e ele conseguiria um emprego em uma repartição publica. Como haviam combinado, não se casariam no papel e os filhos ficariam para mais tarde. Opa são gêmeos. Nossa, mais um. Tá, agora chega. Chegariam em casa cansados e se acusariam de falta de cumplicidade. O bebê acordaria e ele teria de dormir na sala. No dia seguinte, fariam as fazes e...Biiiip!!!Abruptamente acordou do seu devaneio com o barulho da porta do ônibus se abrindo. Chegara ao seu destino.
Tom
Eu adorei esse texto! Eu já tive alguns devaneios como esse dentro do ônibus à espera do meu ponto e acho que com isso criei uma relação grande com o texto. Sobre a estrela de sete pontas, creio que o texto proporcionou uma visão ampla da realidade, garantiu profundidade aos relatos e ultrapassou os limites do cotidiano já que, apesar de começar com uma situação do dia a dia, deixou a imaginação sobre toda uma vida fluir. Creio também que exerceu a cidadania na medida em que deixa uma mensagem de que podemos perder uma vida de alegrias se apenas ficarmos pensando, imaginando e não agirmos de fato. Gostei muito!
ResponderExcluirEsse foi um dos textos que mais gostei. Tem muita profundidade e uma visão diferenciada da realidade. Apesar de não ver os recursos jornalísticos, você rompeu muito bem com o lead e ultrapassou maravilhosamente os limites do cotidiano - tem algo mais cotidiano do que pegar um ônibus? Não sei se foi sua intenção, mas achei até um pouco cômico. O personagem nem tinha dado 'oi' à menina, mas já estava imaginando suas futuras brigas de casal. Bem como é estar dentro da cabeça de um ansioso, precipitado. Adorei!
ResponderExcluirMeu texto preferido! Adorei a criação, a viagem que o personagem faz dentro da própria mente e permite a gente ir junto! Seu texto apresentou ampla visão da realidade, rompeu com o LEAD, além de garantir perenidade e profundidade.Parabéns.
ResponderExcluirOlá amigo Tom!
ResponderExcluirSeu texto é simplesmente maravilhoso! É incrível como sua descrição dos detalhes nos aproxima da realidade do personagem. Por um momento acreditei ser ele. Sobre as pontas da estrela: acredito que possui perenidade, nos deu uma ampla visão da realidade, rompeu as correntes do lead e ainda rompeu com os limites dos acontecimentos cotidianos. Parabéns pelo trabalho excelente, adorei!
Beijos perfumados de sua querida Maria Antonieta.