quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Calejado

 Todo ano o mesmo dia amanhece, comum para o resto mas sempre com um peso para mim. As más lembranças voltam a aparecer e com elas uma nova oportunidade de se afundar mais ou superar o buraco já profundo. Para quem já se decepcionou, lamentar é uma besteira assim como acreditar, criar expectativa é pré requisito para a decepção. Como um evento anual, o time sempre volta para as mesmas competições e o torcedor sempre volta a acreditar, essa rotineira disputa é um caminho para a normalização do trauma, a superação do buraco tornando se calejado.

 Freud explica a teoria do Trauma em dois tempos e, realmente, na minha vida o trauma volta todo ano em dois tempos de quarenta e cinco minutos com onze pessoas que destinam a finalidade da minha emoção. Agradeço por ser algo vivo e por isso em constante mudança, se todo ano acabasse da mesma forma eu ficaria calejado. Essas mutações do fim, em conjunto com a paixão, que me fazem voltar todo ano a estaca 0 e enfrentar o caminho para o prazer, mesmo que momentâneo. Lendo de fora parece algo meio burro a se fazer, mas já desenvolvi o prazer somente em disputar, criar esperança e se decepcionar. Faz parte do esporte, é algo cíclico com duas opções no final, comemorar ou lamentar, decidido em dois tempos de quarenta e cinco. Esse ano o trauma permanece mas talvez ano que vem eu supere. Sempre a mesma coisa, voltamos a estaca 0 e preparados para viver o trauma.

- Antonio Alberto

Calafrios

  Pensar que um dia me resumi ao ser abandonado que você deixou para trás me traz calafrios. Por mais que eu enfrentasse o céu e o inferno para estar ao seu lado, você se escondia no purgatório. Me fazia de escape, de sanitário, de amante, isso tudo porque você tinha domínio sobre mim. Você não se apaixonou, você não me amou, você não me via nem mesmo como um ser pensante, você apenas me usou porque sabia que poderia ir embora a qualquer momento e eu ainda estaria te esperando. Por que não dar logo um basta na situação? Por que diminuir alguém a nada? Acho que você gostava da minha submissão, da minha falta de amor próprio, do meu fascínio. Eu te amei, porém após tantos anos acorrentada, o amor passou a ser apenas uma obsessão. No fim de tudo isso, após vários anos, arrebentei as correntes que me prendiam a você. Meus pulsos machucados e sangrando não me deixavam esquecer desse passado, mas eu estava livre, não é? Enfim poderia me amar e quem sabe, amar outro alguém. Tentei com Ana, Tiago, Thaísa, Rafael, Letícia, mas no fim, o abandono havia me consumido, eu era ele e ele era eu. Ana me deu um tapa, Tiago gritou comigo, Thaísa chorou, Rafael mudou de cidade e Letícia tirou suas coisas de minha casa. Sinto calafrios.

- Jane Biyu

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Á Baía

Criação divina é essa paisagem a qual tenho privilégio de ver quase todos os dias. Sempre quando caminho em direção ao novo Iacs e me deparo com essa vista, observo atentamente tentando absorver todos os detalhes nela contida. Costumo dizer que ao horário do entardecer parece uma pintura, pintada com as mais belas cores, em perfeita harmonia, é o meu horário preferido de observar a natureza. 

Enquanto olho, penso também na composição monumental. O Cristo Redentor que está sempre de braços abertos para nós, sempre quando olho lembro de um dia que me marcou muito, o dia da prova do Pedro II, realizei essa em Humaitá, aos pés do Cristo, quando olhei pra cima me deparo com ele de pertinho, me deu um ar de esperança, nunca esquecerei do sentimento, e, olhar para ele a beira da Baía me dá a mesma sensação. Logo quando acompanho os olhos para o lado observo o Pão de Açúcar, outro monumento que me marcou, passeios para lá acompanhada com os meus amigos do colégio, um passeio muito especial com a minha família depois que minha mãe descobriu um câncer e estava em tratamento, tantas lembranças. A fisionomia do outro lado da ponte me encanta, e não posso esquecer de observar a ponte e lembrar do frio na barriga toda vez que atravesso ela.

São tantas vertentes, tantas vivências, tantos detalhes que não são possíveis por em palavras. Nem se eu tivesse uma lupa conseguiria ver todos os detalhes dessa paisagem. Como eu disse no começo, criação divina, para mim não existe outra explicação para tamanha perfeição, digna de quadros, pinturas, retratos e ainda assim não seriam capazes de transmitir a sensação que é observar a maravilhosidade que é esse lugar.

-Silvio Santos

Que sorte a nossa

Leve, relaxante, calmo, sereno, gostoso... Poderia ficar aqui durante horas apenas enaltecendo essa vista que temos a honra de apreciar pelo menos uma vez ao dia. Inevitavelmente o que chama mais atenção é a ponte, que é tão longa que quase não conseguimos ver seu início. A ponte é esteticamente muito bonita, sustentada por pares de colunas, que aparentam ser mais altas em seu meio. Muito bom ficar vendo os carros passando, parecem até Hot Wheels de tão pequeno que são. Os barcos, por outro lado, parecem gigantes, alguns feios, outros bonitos. A direta eu vejo um morro coberto por árvores, embaixo várias casinhas, uma em cima da outra. O céu aqui parece maior que o normal, são muitas e muitas nuvens. Outra coisa maravilhosa são os muitos sons, que não causam uma poluição sonora, pelo contrário, só aperfeiçoam o ambiente. Ouço as árvores se mexendo, o barulho do mar batendo, os passarinhos e gaivotas voando, de vez em quando até dos aviões subindo e descendo. Que sorte nós temos de ter a nossa disposição esse ambiente. Com certeza essa vista foi a principal responsável pelo carinho que criei pela UFF em tão pouco tempo. Quando estou cansado olho para ela, quando estou ansioso olho para ela e impressionantemente tudo melhora um pouco. As paisagens realmente conseguem mudar e criar sentimentos genuinamente gostosos, que sorte a nossa. 

-Artubou da Lua

domingo, 18 de junho de 2023

Baía de Guanabara

 Olhando a Baia de Guanabara tenho a impressão de olhar uma imensidão indefinida. Águas turvas cortadas pelo constante tráfego de barcos, barcas, garças e cardumes. 

 Ao longe vejo um grande conjunto de construções, espaços empilhados envoltos de cimento,tijolos e vigas. Alguns empilhamentos se destacam e apontam verticalmente.
O dia é chuvoso e a neblina revela algo voluptuoso, encoberto pela névoa branca quase cinzenta.
A barca que atravessa uma cidade a outra trás consigo muitos compromissos, andarilhos urbanos, que andam apressadamente ao soar do tic tac do relógio. Os sapatos firmam e descolam os pés, as estacas de madeira do píer saltam por vezes dos parafusos e as estruturas de ferro rangem ao roçar na proa. 
A Bahia de Guanabara aparentemente mansa aos olhos se contrapõe ao lapso de tempo constante que atropela os fazeres e aqueles que os fazem. Me pergunto se esse registo feito pelos olhos será o mesmo caso eu retorne amanhã às 17:13.

Dentro de cada carro.

     Hoje, minha paisagem diária é o monumento que em meus desenhos mais desleixados, ocupava todo espaço em branco do meu material escolar. O homem que agora vejo no topo da colina, me acolheu de braços abertos, quase como se soubesse da minha necessidade de abraçar as magoas que guardo por ter deixado tanto para trás. 

    Meu olhar, agora não mais turista, ganhou um novo sentido. Tornou-se impossível encarar a ponte Rio-Niteroi como um simples pedaço de estrada carregando rodas e rotas. Agora vejo a ponte transportar as histórias que ainda não tive tempo de escrever. 

     Olho pro trânsito e vejo carros e cargos, recém-contratados, atravessando a ponte com o som no máximo, preenchendo aquele automóvel com uma música vazia mas perfeitamente adequada para ser a trilha sonora daquele momento de euforia fugaz. Euforia daquele que dirige ansioso pra chegar na casa da sua avó para contar a toda família sobre o novo emprego, no almoço de domingo. 

     No tumulto, há carros lotados de amor e desamor. Um carro de 5 lugares ocupado por uma família de 6, que foi pega de surpresa com a chegada do novo integrante. No outro, um casal apaixonado ansioso pra ter o seu primeiro encontro enquanto cantam "Friday I'm In Love"  , traçando planos clichês pro seu futuro e escolhendo o nome de seus futuros filhos. Naquele carro prata da lataria amassada, um rapaz frustrado pois sabe que aquele atraso resultará na sua demissão do emprego de anos... atraso esse causado pelo engarrafamento da via... engarrafamento esse que só aconteceu porque justamente naquele dia, o garoto que já reprovou 3 vezes no teste da autoescola marcou sua prova. Garoto aquele que reprovou pela quarta vez.

    Naquele Jeep vermelho, empunhando o volante com o coração palpitando em alegria, um pai levando sua filha ao Maracanã pela primeira vez, me fazendo implorar, por um breve momento, que aquela menininha fosse eu. 

     Mas mais importante que o que vejo na paisagem, é tudo aquilo que não vejo. São os quase 3 mil quilômetros que me separam do cuidado do meu pai, do jantar á mesa com a minha mãe e daquela live do Casemiro que não tem a mesma graça sem os comentários dos meus irmãos. Essa maldita distância que é a proximidade que eu sempre sonhei. Distancia curta o suficiente pra me fazer acreditar na possibilidade de um dia ser eu a pessoa na ponte ouvindo músicas vazias pra comemorar meu novo emprego... emprego esse que me permitirá um dia ser eu, naquela ponte, justamente naquele trânsito, com o coração palpitando em alegria, dirigindo meu Jeep vermelho, levando meu pai ao Maracanã, pela primeira vez.

-Meu Primeiro Fake

FOTOGRAFIA EM CHAMAS

Águas vorazes que devoram as almas decadentes.

Os peixes e os corpos em um mórbido encontro de fúria e desejo, desejo de

morte, desejo de ódio. Delicado horror macabro. O que se encontra entre uma ponte e a

câmera de um telefone.

Os carros brilham, luminosos veículos em uma baía amaldiçoada. Beleza e

terror, águas pútridas, a cidade em encontro com a maré. O lixo de uma melancolia

fúnebre. Esgoto estrutural, onde estão os corpos em meio a sujeira e aos peixes?

Um avião que passa, um sonho. As sirenas cantam, as sirenes cantam, a matéria

voa e a matéria cai. Ofélia entra em um rio com suas flores, na Dinamarca, em um reino

distante, as águas clamam a juventude.

Onde estão os vermes em meio a fluidez da decomposição aquática? Suas

ambições desprezadas no fundo de um Rio de Janeiro atordoado. A cidade sorri, todos

se esquecem, e a humanidade permanece agonizada.

         Temerosas mãos, temerosas pernas, um mausoléu em meio às águas.

Sepulcral eternização.

Gigantesca lápide que transpassa os séculos. Origem, invasão, colonização,

império, ditadura, onde jaze os trabalhadores dessa república?

Visão hedionda, visão monumental. Os jovens passam e choram e riem e se

sentam diante da extensão de um futuro indefinido. Há música e há a vitalidade da

ignorância.

Mergulho fatal, um rapaz adentra as águas entorpecido. Há o álcool e há a dor.

Alucinação obtusa, onde está o sangue? Decisão de partir, não há retorno entre a ponte e

a água. Baía de desespero, baía de angústia.

A sensibilidade de um pecado, consome e corrói as estruturas da ponte Rio-

Niterói.