sexta-feira, 15 de julho de 2022

 TUDO TEM SEU FIM

Todo dia o sol se põe. Todo dia a lua sobe ao céu. Todo dia tem seu fim.

Os dias passam, os meses passam, os anos passam, enquanto isso a gente fica, e comemora com simplicidade o poder ficar. Permanecer por aqui e ter a possibilidade de amar, gargalhar, partilhar, aprender e se fazer imortal no coração dos outros.

A gente comemora porque a vida importa, quem a gente ama importa, nosso passado, quem fomos, nosso presente, quem somos e nosso futuro, quem seremos, importa. Importa estar presente pros nossos filhos, importa ensiná-los e transformá-los em pessoas com sonhos e possibilidades. Importa estar presente e viver. E dentro disso tudo nossas escolhas importam. Quem a gente escolhe ser, como a gente escolhe agir, em que acreditar e o que seguir também importa. Logo, é para isso e por isso que vivemos. Vivemos para nos fazermos presentes e deixar registrado quem um dia fomos. E isso tudo, como já disse, comemora-se.

Um aniversário, das trivialidades mais formidáveis do ser humano. Na verdade não tem nada de banal ou trivial, deve-se comemorar estar aqui e ter a possibilidade de continuar, porque afinal nunca se sabe o dia de amanhã.

Comemorar mais um ano de vida ao lado da família, dos amigos, das pessoas que importam. Ah, que beleza! É de fato uma alegria.

Os preparativos normalmente começam umas horas antes das festas. Arruma-se o espaço. Primeiro coloca-se à mesa uma bela toalha que se adeque ao tema da festa. Quem sabe uma cor forte e importante, quem sabe o vermelho?

Os docinhos vão à mesa. Organizam-se os brigadeiros, beijinhos, doces de coco, cajuzinhos e outras diversas guloseimas. Coloca-se o bolo no centro, rodeado por todos os doces e pela decoração. Um bolo de morango, com calda vermelha, dois andares e vários morangos em cima completando a decoração. Os preparativos estão prontos e a festa começa.

Todos estão felizes, conversando entre si nas mesas, falando e celebrando a vida. Amigos e familiares reunidos. Ocasião especial que deve ser aproveitada porque realmente só é possível que aconteça uma vez por ano. Nem sempre todos estão por perto.

Fala-se do bebê, extremamente fofo e carinhoso. Que maravilha é a vida, poder cuidar e dar amor à essas pequenas criaturas que vem cruas para o mundo, sendo nós os responsáveis por completar seus corações e seus propósitos.

Chega a hora do parabéns, momento mais esperado do dia. Todos cantam e celebram, porque é o certo a se fazer. Afinal, nunca se sabe o dia de amanhã.

Celebração. Vida. Felicidade. Gratidão. União. Tudo estava tão bonito, todos tão felizes. A mesa muito bem arrumada em vermelho, o bolo vermelho, o aniversariante de vermelho, o chão coberto de... vermelho. Sangue espalhado pelo chão. O aniversariante, Marcelo Arruda, morto. Defendeu a família e acabou morto por isso. Mas pra que tudo isso? Por que tudo isso? Por causa do vermelho? Por uma visão diferente? Por uma opinião que não é a mesma que a sua?

Sim. Morte política. Com todas as letras e da maneira que deve ser chamada.

O assassino chega ao local exaltando e gritando por seu ídolo. “Aqui é Bolsonaro!”. Mata uma pessoa que dava uma festa com um tema do PT. Ódio. Irracionalidade. Bestialidade. Falta de humanidade. Marcelo Arruda não poderá mais estar com sua família, com seus amigos, as pessoas que ama e com quem se importava. Marcelo importava. Celebrava a vida, como deve ser. E morreu defendendo a vida, como ninguém deveria morrer.

E tudo isso por quê? Porque o líder máximo do país estimula e venera a morte, estimula e venera o ódio. O líder do nosso país celebra a irracionalidade e só reitera a sua falta de humanidade. Não é líder, muito menos representa esse país. Porque quem representava o país era Marcelo, era Marielle, era Bruno Pereira, eram todas as pessoas que não estão mais aqui pelo motivo, esse sim banal, de discordância política. Quem representa esse país hoje são as pessoas que lutam pela educação, pela saúde e pelo respeito para com o próximo. E com fé e muita luta as coisas irão mudar, porque todo dia o sol se põe, todo dia a lua sobe ao céu, todo dia tem seu fim e o mal também terá. Bolsonaro cairá. 

Ford Prefect

 "Aqui é Bolsonaro!"


"Aqui é Bolsonaro!" gritou o bolsonarista Jorge Guaranho, antes de invadir o evento, atirar e matar a sangue frio Marcelo Arruda, petista que comemorava seu aniversário com uma festa temática em homenagem ao candidato Lula. A frase é muito simbólica e um retrato claro do momento que estamos vivendo, a violência é naturalizada e glorificada. Essa postura de apoiadores do atual presidente não é mera coincidência, existem diversos episódios em que Jair Bolsonaro incentiva esse tipo de comportamento.

Quando o tesoureiro Marcelo Arruda morreu, ecoou o "Aqui é Bolsonaro!". Quando a vereadora Marielle Franco foi assassinada, ecoou o "Aqui é Bolsonaro!". 
Quando famílias em situação de miséria precisam comprar ossos para se alimentar, ecoa o "Aqui é Bolsonaro!".
Toda vez que uma pessoa LGBTQIA+ sente medo de sair nas ruas e sofrer com o preconceito, ecoa o "Aqui é Bolsonaro!".
A repressão constante, os discursos de ódio, o governo irresponsável e ineficiente, tudo isso é, de fato, Bolsonaro. 

A hora é agora, não podemos e não vamos aguentar mais de Bolsonaro ou todo aquele que age em seu nome. Aqui NÃO é Bolsonaro.

 DOMINGO 


Na noite do último domingo um petista foi assassinado por um bolsonarista. Pelo visto a motivação do crime foi mesmo essa: o assassino é bolsonarista e o assassinado era petista. 
Mas eu não fiquei sabendo na mesma noite.  Eu estava num churrasco. Na casa do meu tio.

Cheguei na hora do almoço. Meu tio ia e vinha da churrasqueira, lavando o carro enquanto assava a carne. O almoço atrasou. A casa estava relativamente vazia. Os convidados regulares já sabiam que a comida sempre atrasa. Felizmente eu tinha feito um lanche antes de sair. Não gosto de sair de estômago vazio. 

No correr do tempo os convidados foram chegando. Me esforcei para ser visto apenas como um elemento da paisagem: fiquei na minha, a cara enterrada na tela do celular, evitando contato visual. Um dos convidados era um amigo do tempo da polícia. 
- Aí - meu tio gritou e indicou com o queixo a minha direção - tá fazendo jornalismo 
- É mermo?
- É... Mais um pra falar mal da gente.
Fiz um esforço para interagir com eles. Sorri desconfortável e acenei com a cabeça.
- Ó, - o amigo estava agora se dirigindo a mim - você faz lá suas coisas, suas notícias, escreve o que mandarem escrever, mas é só pro seu chefe vê, viu? Só pro salário cair na conta. Não tem nada daquilo não. 

Enquanto almoçava, Tom sentou do meu lado e ficou me encarando. Tom é um dos cachorros da casa. Não sei a raça, mas tem o tamanho de um shitzu. Se eu desse um pedaço da carne, ele nunca mais me deixaria em paz. Dei um pedaço. Me senti obrigado a dar pra Toby e Sofia também. 
Não sei como a conversa chegou nesse ponto, porque na verdade eu não me importava nem estava prestando atenção, mas ouvi sair da boca do meu pai: "não, não era o ideal mas dentro das opções Bolsonaro é o menos pior". Me levantei da mesa e procurei qualquer cômodo vazio dentro da casa pra me entocar enquanto não começava o jogo. 
O gato siamês sem nome passou três vezes arrastando o pelo cinzento macio nas minhas canelas. Me abaixei para fazer um carinho. O gato me mordeu. 

O resultado do jogo vocês já sabem. A essa altura a conversa ia longe e as vozes iam altas. De alguma forma eles chegam na pauta "drogas".  Levando a "drogas na universidade". Um absurdo sem medidas o que acontece nas dependências de uma universidade federal, onde a polícia nem entra e os universitários agem como se não houvessem leis. Condenavam o uso da maconha enquanto o álcool corria misturado com o sangue e continuavam a entornar garrafas de cerveja. Em seguida começaram a falar de drogados em geral, principalmente esses "fudidos", os pobres, os miseráveis, esses que a elite política deixa a polícia pegar pra fazer o que são pagos pra fazer (falo da prática, não da teoria).

Meu tio falou da propina. Falou da tortura. Das sessões de tortura. Fiquei chocado. De fato chocado. Meu pai se moveu com desconforto. Aquele amigo negou tudo. Talvez não estivesse tão bêbado.
- Não, isso aí não. Eu nunca fiz nada disso - ignorou a interjeição alongada e desdenhosa do meu tio. - Eu, EU, sempre trabalhei direitinho, tudo certo, tudo den..
- Tá bom, Tá bom, eu nunca conheci UM polícia que fosse inocente assim, mas tá bom, se você tá falando que você é, tá bom...
Meu pai me cutucou com o cotovelo e fez uma cara divertida enquanto indicava os dois com o olhar. Ele sentiu meu peso e tentou me deixar mais leve, como se eu pudesse ver aquela pequena discussão entre os dois como algo divertido. 
Eu não achei graça nenhuma. 

Saí daquele núcleo narrativo na intenção de voltar a me isolar. Mas meus ouvidos acabaram alugados pelo primeiro patrão do meu pai. Meu avô o mandava pra oficina dele toda vez que "fazia merda". Por algum motivo ele estava animado a comentar política. Apontou os erros dos governos de Lula e de Dilma. Eram muitos. Apontou os prós do governo Bolsonaro. Apontou contras também, coisas que ele "tinha que reconhecer". Vez ou outra meu pai, que resolveu me acompanhar quando mudei de círculo, movia a cabeça negativamente, em discordância. No entanto não o interrompeu nem corrigiu em momento algum. Provavelmente por resquícios da relação de obediência estabelecida desde o início da adolescência. 

Acordei na manhã seguinte com a tv ligada no "PRIMEIRO IMPACTO". A notícia vocês já conhecem: tesoureiro do PT assassinado por uma divergência política em festa temática. E foi assim que comecei meu dia. Atingida pelo espírito brasileiro do tempo presente.
     - Akil Ubirajara 

 A agonia da existência 


Nossa última crônica. A última dose da droga que me mantém vivo, meu último suspiro de existência, a última vez que verei meu nome em uma tela ou serei lido por alguém que verdadeiramente me conhece.


A linha entre o bem e o mal é uma corda bamba em um circo de horrores, meu caro leitor. Gostaria de dizer que alguém pode ser composto apenas por bondade ou por maldade, mas a verdade é que somos uma confusão. Uma vitamina horrível de atitudes e impulsos, com um toque de razão para aqueles que são sortudos o suficiente. 


O arrepio na espinha que corresponde ao medo da existência é o perfeito trauma para um estado de espírito de tortura. Um posicionamento político, um número na balança, a cor de pele no espelho, o gênero da pessoa com a qual você se relaciona. Esse é o impacto que faz com que uma máscara nasça. Quantas vezes é preciso respirar fundo antes de se sentir seguro em ser você mesmo? 


Ser um guerreiro. Enfrentar batalhas particulares como um soldado na esperança de vencer a guerra, sentir os estilhaços das palavras impensadas sob a pele com os olhos voltados para o céu. Alguma divindade suprema seria capaz de trazer a aceitação embrulhada em papel de presente? 


O cansaço das notícias, dos ataques e dos assassinatos. Não é tarde demais para desistir da humanidade que já desistiu de si mesma. Um suicídio coletivo, lento e gradativo. Milhões de máscaras espalhadas, o mundo não está pronto para descobrir a quantidade de sangue que ele já derramou. Você não está pronto para descobrir a quantidade de sangue que estão nas suas mãos. Você já me feriu. Você já feriu a si mesmo.


Quebrados, insuficientes e tóxicos. A selvageria de uma geração que aplaude a violência. Pessoas podem ser cruéis e a beleza pode maldosa, o final nem sempre é feliz. Eu prometo que mesmo instável, continuarei aqui. Esperando a oportunidade de ouvir meu nome sendo chamado outra vez, um clamor de uma alma perdida em um vazio dramático de uma crise existencial. O que eu sou?


Meu nome pode ser vários, companheiro. Pedro, Larissa, Maria Eduarda, Luiz, Marcos, Silvia, Samuel, Kelly, Jhonny, entre tantos outros. No dia 9 de julho, me chamei Marcelo Arruda. A luta para existência, para sobrevivência, para resistência.


Aqui, eu sou interpretado por uma graduanda de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense, a mini Jajá ficaria ainda mais orgulhosa. A Jamile Rezende de hoje foi forte o suficiente para usar a máscara da Odile e da Odette, nós aguentamos bastante juntos. Quando ela me deixou ir, percebi que minha missão estava completa. Não houveram mortes. Nós acabamos por aqui.


Até um próximo chamado. 


Com carinho e um saudoso adeus, 

Shaolin, o matador de porcos.

Mitologia brasileira


Entendo que a mitologia se refere a um conjunto de mitos que coexistem de forma harmoniosa ou degradante. Já os mitos evoluem de acordo com as condições históricas de determinada cultura, buscando justificar por meio de ações a origem de algo. Eles são, nada mais que crenças populares que a ciência não consegue explicar. Me pergunto o que leva um ser humano a crer veemente em uma farsa. O mito cresce de acordo com a quantidade de atenção que nós damos a ele, perigoso, sorrateiro e com alto poder de convencimento. Odiosos, odiado e poderoso se for acreditado. Assim, o mito constrói seu exército de seguidores fanáticos e imprudentes que de maneira tola se deixam convencer por propostas absurdas. Por esse lado, até entendo o motivo de terem escolhido “mito”, porque sua função não  é explicar a realidade ao homem, mas sim acomodá-lo, criar fantasmas imaginários para serem odiados. E dessa forma, espalhar o ódio.

Para os mitos, não existem limites pré-definidos para o que é real ou fictício. Mas e a morte? A morte é real? A mitologia tem um mercado caríssimo de carne humana  abastecido pelos seus simpatizantes que são tudo, menos racionais. São caçadores, com arma e tudo. Cuidado, pude ver do que essas pessoas são capazes, todos vimos mas tem quem acredite que tudo foi uma ilusão. Esse é o problema do mito, ele entra na cabeça das pessoas, confunde a sua noção de realidade, te mata, te faz matar, me mata. Poderia ter sido comigo ao invés de um cara com 50 anos, filiado ao PT e do Paraná. Uma menina de 18 anos, filiada ao PT e do Rio de Janeiro. Do lado de cá, as semelhanças são maiores que as diferenças. Por isso, tenho medo. 

Seria melhor acreditar que a confiança que muitos tem em um “mito” é uma alucinação, parecida com os efeitos de uma droga psicodélica que te faz cometer barbáries. Não se trata disso, eles realmente sabem o que estão fazendo. Se você não concorda, corre risco. Conto que meus familiares tentam me convencer a não ser uma pessoa politicamente ativa cerca de 17 ou 22 vezes por mês. O motivo é sempre o mesmo: medo. A minha justificativa pra continuar também: medo. É perigoso viver com medo, não devemos, não podemos, não vou permitir. Por mais que esse medo quase me destrua às vezes, luto para que um dia ele não esteja mais aqui. Não faço a menor ideia de onde ele pode me levar, ou melhor, até faço. É preciso ter coragem pra ter medo. 


Com medo, 

Dandara dos Palmares.

O CIRCO DOS HORRORES



Fiquei bem confusa sobre como deveria iniciar essa crônica, não porque eu não saiba o que escrever e sim por estar aflita com a multiplicidade de sentimentos ao me deparar com a ignorância, o fascismo, o bolsonarismo. O bolsonarismo mata, humilha, aprisiona, destrói lares, rouba o pão da mesa, o leite do copo. Taurus 40 não encheu a barriga de ninguém, ao invés disso assolou uma família. Eu gostaria de dizer que me compadeço de pessoas ignorantes, mas não faço, a minha empatia e tolerância pelo fascismo é zero, não lamento o revide, apenas lamento que os projéteis não tenham sido eficazes para eliminar um verme bolsonarista. 


Me pergunto agora por qual razão as coisas precisam ser dessa forma, se Deus existe porque permite essas atrocidades? Tenho desprezo pelo conceito de céu e inferno, porque já me sinto vivendo em um inferno, um poço de lava e destruição onde o enxofre tem o odor de um projétil desferido. Click. E tudo se acabou, as cortinas se fecharam para alguém, sem aplausos, sem beijo de namorada, sem prêmio na linha de chegada. É neste circo de horrores que eu acordo todos os dias, com um palhaço vestindo uma faixa presidencial e brincando com a vida das pessoas, fazendo graça, imitando pessoas asfixiadas. Não vou fazer crônica para ficar bonito pra ninguém, não quero fazer poesia falando da morte de uma pessoa por causa do Bolsonarismo, não tem que ser assim. 


Escrevo com raiva porque estou cansada dessa merda e não queria precisar ter que fazer uma crônica sobre isso, não devia ser assim. Hoje alguém não assistirá os primeiros passos da filha, uma menina perdeu o direito de conhecer o pai, uma esposa vai se virar para dar conta da família e os filhos lidarão com o fato de que nunca mais terão um pai. O Bolsonarismo sufoca, empobrece, enlouquece. Fico confortada por estar sã e deprimida por todos os dias perder alguém. Todo dia perco alguém para a fome, o racismo, a homofobia, o machismo, a intolerância religiosa e agora política. Ontem foi o Marcelo, será que amanhã serei eu? Sinto medo pelo futuro que nos aguarda, espero do fundo do coração que o bom senso triunfe sobre o conservadorismo e o cidadão de bem.

Democracia e liberdade de expressão em um ano eleitoral são dois tópicos que vêm sendo fragilizados nos últimos anos, principalmente em um momento que a nossa democracia se divide entre dois partidos PT e PSL, ou melhor, Bolsonaro e Lula. O que aconteceu no último sábado, foi um nítido ataque à nossa liberdade de expressão, talvez seja o prenúncio dos tempos violentos que virão por aí, graças à intolerância política. Neste trágico crime fica óbvio que os tais "defensores da liberdade" não sabem lidar com a liberdade de outros. 

E o que nos espera? Incerteza? Medo? Bom, provavelmente mais um ataque contra a vida, um ataque contra a liberdade de expressão ou contra a nossa democracia, motivados por essa oposição política. 

ATÉ AS ELEIÇÕES 

Essa eleição será a primeira em que eu votarei. Quando eu era criança, gostava de ir nos domingos de eleição com meu pai para votar, amava o poder de decisão, ainda que não fosse o meu. O barulho da urna e todos reunidos para decidirem o futuro do país me deixava animado, e ansioso. Porém logo na minha primeira eleição eu não sinto isso, hoje eu sinto medo. Medo de ser agredido só por não concordar politicamente com outra pessoa. A que ponto chegamos?

Hoje eu tenho medo do que pode acontecer no futuro próximo do país. Estamos na merda? Com certeza, só pisar em um supermercado para perceber isso. Mas não é economicamente que eu falo, recentemente os discursos discretamente ameaçadores do atual presidente já foram feitos. Em uma eventual derrota dele, eu ficaria chocado, mas não surpreso se um golpe acontecesse, e a desculpa já está estabelecida, as urnas eletrônicas. Desde que eu me conheço por gente, as urnas eletrônicas sempre foram tratadas como algo seguro e um exemplo de como a tecnologia pode nos ajudar a decidir o rumo do país. Mas logo dessa vez, o atual presidente já começou a questioná-las, o motivo já sabemos.

Enfim, eu espero muito que esteja errado e que nada disso aconteça. Mas hoje eu sinto que o Brasil é um barril de pólvora, basta uma faísca para tudo explodir. É triste esse caso do tesoureiro do PT ser assassinado apenas por apoiar o Lula, é mais triste ainda que a probabilidade de casos como esse acontecerem nos próximos meses é grande. Essa violência política que acontece já nos mostra algo, se a mudança não acontecer no fim do ano, o futuro democrático do Brasil estará em risco.

Futuro

Eu desisti de planejar o futuro há muito tempo. Não que eu não sonhe, não aspire, não anseie. Eu simplesmente abri mão do compromisso de entregar meu fôlego a algo que nunca possa se concretizar. Com meu próprio país não é diferente. A política não é o tipo de assunto que me motiva a discutir e debater, e ninguém me verá fazendo campanha para nenhum candidato quando as eleições estiverem perto. O mundo político brasileiro é dotado de uma hipocrisia centenária, onde numa "democracia", o único poder que nós temos é o de apertar alguns botões e esperar alguns anos pra repetir o processo. Independente de quem escolhemos, o sistema sempre acha uma foram de se reorganizar e se proteger, o que não abre possibilidade alguma pra qualquer mudança significativa na qualidade de vida das pessoas. Pouco me importa o alinhamento religioso ou cultural de candidato X ou Y, o que me importa é que a fome tem assolado, as secas têm matado e a falta de infraestrutura e investimento no setores carentes são problemas que ninguém resolve, e nós como cidadãos democráticos não podemos interferir. Não podemos derrubar projetos de leis, não podemos nos organizar e fazer emendas serem aprovadas. Somos telespectadores de um jogo no qual não importa qual face do dado caia para cima, os resultados nunca diferem muito uns dos outros. 
Não tenho esperança de que qualquer candidato que se eleja vá mudar essa realidade. Me chame de pessimista, eu vou concordar com você. Sou cético em acreditar na utopia de que nosso país vá divergir muito do que já foi. Acredito sim numa curva mais positiva, mas é impossível nos próximos 4 anos irmos de um emaranhado de preconceito, violência e pobreza para um estado utópico. Não tenho esperança, não aguardo por nada. Quem sabe assim eu me surpreenda positivamente. Só sei que nas próximas eleições, espero estar em qualquer lugar, menos aqui. Boa sorte pra quem ficar. 
Vocês ainda vão ouvir falar de mim, mesmo que isso te irrite ou te alegre. O nome Argus vai lotar as manchetes e as threads, e eu espero que nesse dia eu não tenha vergonha de falar que sou brasileiro. Meu único desejo que deixo aqui registrado é que eu não apareça nas estatísticas dos assassinados, apagados e silenciados. Mesmo que eu morra, minha voz vai ecoar. Prefiro não morrer, mas estou preparado pra ser um mártir. Não tenho cruz para carregar nem uma humanidade para inspirar, mas tenho certeza que sou relevante e que não vou ser desprezado.  
Mas, caso isso não aconteça, espero que eu e Você sobrevivamos, espero que possamos nos formar e pelo menos dar um passo além do que deram nossos pais e avós. Espero que nossas vozes não sejam mais representativas, mais ativas. Até lá, não espere notícias minhas. Sentirei saudades de Você, meus estranhos tão familiares.
Com incerteza, amargura e incredulidade,
Argus Stoneheart.

quarta-feira, 13 de julho de 2022

 A mulher do fim do mundo 


Imagina Deus na tua frente, como uma pessoa que acabara de reencontrar. Não sei qual é a sua intimidade com Ele, mas tenta. Me responde, como o seu Deus há de ser? Se me diz que acabou de pensar em uma mulher negra baterei palmas, Palmares. Busquei a origem etimológica da palavra, "vencedores de uma competição”, foi o significado que encontrei. A vida é uma competição, a liberdade utópica é a premiação. Por isso eu luto, por isso Dandara lutou. Vou te dar um spoiler, ela cometeu suicídio. A vitória no fim, sim, Deusa. 

Uma morte simbólica porque Dandara ainda vive e é muitas. “Me atirei do penhasco pois voltar a ser escrava nunca mais”, não sai da boca dela mas foi o que ela quis dizer com a sua morte. Essa não é a primeira vez que me visto de Dandara, também sei que não será a última. Além de vencer a competição da liberdade ela me levou ao primeiro lugar de uma. É o prazer seguir os “Passos de uma heroína”. Confesso mais uma vez, tenho confessado tanto aqui, mas nessa confissão digo que a liberdade me assusta. Posso escrever sobre tudo o que eu quiser e mesmo assim preferia que tivessem me designado um tema. É assustador, escravizador.

Eu mesma já pulei de muitos penhascos, não porque estava buscando ser livre mas porque estava lutando para que fossem livres. É uma queda linda, experimenta. Bell Hooks disse: “Quando largamos o medo, podemos aproximar-nos das pessoas, podemos aproximar-nos da terra, podemos aproximar-nos de todas as criaturas celestiais que nos rodeiam.” O penhasco, a ausência de medo, o início da vida, o fim da vida. Quanto mais me aproximo da terra, ponto final da queda, me sinto no ponto de partida da vida. 

Tá bom, não vou ficar só em lembranças, vou te contar uma das vezes. Glória, uma mulher negra de 50 e poucos anos, conversava comigo sobre a relação abusiva que estava vivendo, as agressões e os xingamentos do seu marido. Ela tinha medo de fugir, por isso eu tinha que ter coragem para ela, por ela. Se você tem medo, não consegue pular do penhasco. Então, eu e a Glória fomos tirando cerca de 1 sacola de roupa da sua casa a cada semana. Ela conseguiu fugir aos pouquinhos e o canalha nem percebeu. O ato de “pular do penhasco” nem sempre é morte, queda e fim. Pode ser que você esteja somente saindo da sua zona de conforto, exposta e ciente que tem grande chance de dar errado, mas se der certo será libertador. 


Com amor, 

Dandara dos Palmares, A mulher do fim do mundo.

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Negar que te amo

Hoje eu queria poder voltar a acreditar que tudo o que sinto nada mais era do que um fogo de palha, que não era amor. Hoje eu queria que estivéssemos somente naquele jogo de indiretas, em que eu demonstrava suavemente o que eu sinto por você, sem que eu pudesse ter sentido o gosto dos teus lábios. Hoje eu queria não ter tido a coragem de meses atrás, quando eu te escrevi sobre os meus sentimentos numa madrugada. 

Hoje eu queria negar que te amo, mas isso não seria justo. Não seria justo porque você poderia achar que tudo o que te disse era mentira. Não seria justo porque eu estaria tentando, mais uma vez, suprimir dentro de mim esse sentimento esquisito (e libertador) que é gostar de alguém. Não seria justo porque eu estaria apagando dentro de mim a vivacidade que te amar me trouxe. E também não seria justo porque, caralho, é bom demais amar você, por mais que isso me doa às vezes. E me dói porque a única coisa certeza que tenho nisso tudo é que te quero cada dia mais, mesmo não podendo te ter. E digo isso mesmo sem ter ouvido essas palavras da sua boca. 

Ao mesmo tempo, eu fico me perguntando se você também não sente a mesma coisa quando nossos lábios se encontram: conexão e desejo. Quando eu sinto teus lábios nos meus, é como se eu tivesse voltado a descoberta do meu primeiro amor, sentindo aquele friozinho na barriga e ficando com um sorriso bobo no rosto. Quando sinto teu corpo colado ao meu, sinto que você quer se entregar ainda mais, mas que tem algo ali que te impede de demonstrar. Acho que o fato de estarmos em momentos diferentes da vida, com você explorando o novo, e eu querendo a estabilidade talvez te assuste um pouco. 

Aqui, a reciprocidade não tem andado na mesma proporção que eu talvez gostaria, e isso machuca. Mais uma vez, me permitir sentir algo por alguém e não ser correspondido como eu gostaria me dói e me faz revisitar aqueles antigos medos que eu cresci criando dentro de mim. E, por mais que eu tente seguir a vida me permitindo me relacionar com outras pessoas, é somente você que me vem à cabeça. Acho que me acostumei ao caos que você me traz, e eu não quero sentir outra coisa além disso. Por isso, mais do que nunca, não posso negar que te amo.


-Por Bluebird Roger

HOJE EU NÃO SOU UM OMBRO PRA VOCÊ CHORAR


Eu sempre estive aqui pra isso, assim como você sempre esteve aí pra mim todas as vezes em que precisei. Mas você nunca precisou de mim, não foi? Até hoje. Hoje te ouvi chorar pela primeira vez. Mas agora eu já não vou ser um ombro pra você chorar.
Você já deve saber o quanto eu gosto de sofrer... Claro que sabe. Você me conhece muito bem. Eu te dei todas as ferramentas para me desmontar e remontar ao seu bel-prazer, te versei na arte de me ler, não existem segredos em mim que você não possa ver.
Você sabe o quanto eu gosto de sofrer. Rolei até a mensagem mais antiga que já trocamos e reli cada palavra sua. Há quanto tempo você me traía ideologicamente antes de começar a me trair no ato? Quantas vezes você me confortou enquanto pensava nele? Quantos pecados eu te confessei enquanto me escondia o fato? Quanto de mim eu entreguei enquanto você se entregava a ele?
Reli todas as nossas mensagens e chorei mais uma vez. Tudo o que você precisava fazer era me dizer a verdade. Talvez a gente ainda funcionasse de alguma maneira. Eu te amava tanto... Eu ainda te amo. Tentei deixar de te amar mas não sei se um dia consigo. Porém também sinto muita raiva. Como pôde me tirar o chão dessa maneira?
Já disse que te perdôo mas jamais vou esquecer. Nunca mais seremos como fomos mas não quero te perder...
Merda. Eu já perdi. O que eu ganho estando ao seu lado esperando que me chame de volta como se fosse um cachorro? E basta um olhar seu para que eu abane o rabo, dê a pata, vá buscar qualquer coisa que você precise. Não posso continuar aqui. Não consigo ir embora. Continuo te observando. Olhando os dois juntos. Me torturando. Eu devo mesmo gostar de sofrer.
Prometi pra mim mesmo que não faria o que estou pensando em fazer, mas você me arrastou pra uma situação tão complicada... Ainda não sei o que fazer. Sigo flutuando no vácuo. Sem ar e sem chão. Apenas o pensamento em vocês dois. Juntos.
Você me pede desculpas chorando e diz o quanto eu sou importante na sua vida. Isso apenas me enfurece e me afasta mais ainda de você. Eu sempre soube o quão manipuladora e sonsa você era, mas te amava mesmo assim. Achava que conseguia contornar isso a fim de me proteger, agora percebo que não. Ele enxerga seus defeitos? Ou ainda te acha perfeita?
Espero que ele te ame apesar dos defeitos. Espero que vocês sejam muito felizes juntos. Espero que passem a vida toda juntos pois, se for pra terminar em poucas semanas (como eu acredito que vá  acontecer) estará confirmada minha hipótese de que nada disso precisava acontecer. Até porque isso não tem volta. Perdoei mas nunca vou esquecer.
Ainda não faz sentido pra mim. Eu sempre estive aqui pra você. Assim como você sempre esteve aí pra mim. Todas as vezes em que precisei. Você nunca precisou de mim, não foi? Hoje te ouvi chorar pela primeira vez. Nada me convence de que não foi uma encenação. Uma última tentativa desesperada de me manter aos seus pés, sob as suas condições. Por isso a partir de agora eu não serei um ombro pra você chorar.Você já tem outra pessoa para isso.
Vá chorar no ombro dele.
                          - Akil Ubirajara 

Apocalipse dos defuntos

Quando eu era criança, zumbis me apavoravam. Aterrorizava-me o fato de que aquelas criaturas canibais eram quase imparáveis e não sentiam dor. Não tinham sentidos, motivações. Não sei nem se cabe o termo monstro, porque acho que os verdadeiros monstros são aqueles que causam o mal com plena consciência, enquanto os zumbis têm carência total desta. Não perseguem mulheres brancas de aparência aprazível porque tem uma espécie de instinto carnal que os motive a isso. Não tem razão, não tem cérebro. São os seres mais rejeitados que o homem pôde criar, porque são pessoas que a Morte regurgitou e condenou a um destino mais triste do que o Fim: o Nada. De todas as abominações de filme de terror, a única que nunca desejei me tornar era um zumbi, mas foi justamente isso no que me transformei.

É difícil dizer se me contaminaram, se alguém me mordeu ou se eu carregava o vírus dentro de mim. De uma coisa eu sei, participei do apocalipse dos defuntos, e não foi do lado dos mocinhos que sobrevivem, mas do lado dos personagens secundários que são infectados. Por alguns anos, vivi na pele da criatura que foi a razão dos meus pesadelos de infância, mas por algum motivo eu não tinha mais medo. Apenas vaguei inconscientemente, sem determinação, dignidade ou noção. Um pedaço de nada, preenchido de nada, movido por nada, que não sentia nada e que nada sonhava. Como um zumbi, andei trôpego, incerto e morto. Uma casca vazia, esperando a podridão me corroer. Não foi nada parecido com o horror dançante de Thriller.

Não estava dopado, mas acho que seria incapaz de ficar, dada a minha dormência. Muitas vezes duvidei que meu coração ainda batesse, então passei longas horas sentado em silêncio ouvindo ele pulsar de maneira fraca e lenta, quase inexistente. Eu desejava que ele parasse. Confinado na prisão de um corpo cuja alma havia desistido de vibrar, meu coração era meu algoz, batendo insistentemente contra as grades da sua óssea gaiola torácica. Como um aviso latente, ele me lembrava que não estava morto, nem estava vivo, mas era um defunto de sangue quente. A Vida me descartou, e a Morte não quis me tirar pra dançar, então segui nas pegadas dos outros 300 milhões de zumbis espalhados por aí.

Muitas vezes tentei comer o cérebro das pessoas à minha volta. Tinta tanta inveja de suas capacidades de sentir, sorrir, chorar. Eu tinha perdido tudo isso. Não tinha dor, alegria, tristeza, raiva, angústia. Não tinha nada dentro de mim. Eu não queria tirar o que era delas, não queria roubar suas vidas e condená-las ao mesmo suplício que me encontrava, apenas esperava que pudesse aprender novamente a ser humano se segurasse seus cérebros mornos na ponta dos meus dedos gélidos. O que eu não entendia era que, diferente de mim, elas ainda sentiam dor, e toda vez que eu me aproximava pra tentar aprender, eu acabava machucado alguém. Não era intencional. Já tinha sido machucado tantas vezes que, involuntariamente, me tornei um espelho de quem me maltratou. Era perigoso demais pra estar perto das pessoas, mas odiava a solidão acompanhada de estar com meus semelhantes. Por isso, preferi o exílio.

Com minhas magras, anêmicas, esqueléticas e doentes pernas de zumbi, me arrastei para o mais distante que pude, esperando o tempo fazer o trabalho dele e terminar de putrefar minha carne decadente. O tempo, porém, não tinha pressa de me matar. Eu, por outro lado, tinha muita pressa de morrer. Por isso, resolvi dar um fim à minha maldição e lançar minha existência no limbo cósmico. Não me importava se reencarnaria em outra vida, se simplesmente pararia de existir, ou se seria lançado numa espécie de inferno como punição. Qualquer coisa soaria melhor do que aquela falsa vida que me deram pra viver.

No entanto, minha visão inebriada e meu ser entorpecido não tinham mais aptidão e precisão. Ao invés de me separarem de tudo e de todos, eles me levaram de volta para mim mesmo. Não sei quando me dei conta, mas num momento de clareza, me dei de cara com minha situação. Talvez tenha sido quando olhei o reflexo machucado no espelho segurando a enorme faca de chef que meu pai escondia pra ocasiões especiais. O fio estava a poucos centímetros do meu pomo de adão, e se eu tivesse um pouco mais de coragem, talvez estivesse realmente me arrastando atrás de você pra devorar suas tripas. Nunca fui tão grato por ser covarde. Você também deveria agradecer. Ser comido vivo não parece o melhor dos finais, não é mesmo?

Ali, estatelado e petrificado, eu chorei. Chorei sem convite, aquele pranto que você não percebe que está se formando, mas que te toma de surpresa. Depois de meses, ouvi minha própria voz porque eu gritava enquanto soluçava. Eu estava tão maltratado. Até os cadáveres que vão ser enterrados tinham uma aparência mais digna do que eu. Não fui capaz de processar o que sentia. Era um misto de culpa, arrependimento e... pena. Eu tive pena de mim mesmo. Por Deus, como eu fui parar nesse estado? Por que eu deixei isso acontecer comigo? Se minha mãe enxergar o estado que eu estou... Eu ainda tenho mãe. Eu ainda tenho família. Eu tenho um nome!

Ainda com a arma em meu pescoço, me lembrei de todas as coisas que me constituíam como ser vivente. Não sei como fui me deixei enganar, porque elas eram muito mais numerosas do que as que me faziam defunto. Pouco a pouco, abaixei o braço. Sem palavras, foi naquele gesto que assumi o compromisso de estar vivo novamente, e de cuidar muito bem da nova vida. Sou grato por não ter tido a coragem de tantos outros zumbis que não tiveram um espelho para encarar antes do fim. O mundo colapsa num apocalipse digno de The Walking Dead, mas, porque na vida real os mortos não arrancam a jugular de criancinhas a dentadas, nada se faz pra achar a cura. Abandonados, os zumbis são excluídos, os leprosos dos quais ninguém quer proximidade, mas que todos querem estar no funeral. Os renegados que não recebem um pingo de atenção dos amigos, mas cujos perfis lotam de homenagens depois que vão até as últimas consequências. A pior parte de ser um zumbi é que parece que só estivemos vivos depois que morremos.

Acredito que não há quem culpar por me tornar um zumbi. Não tenho marcas de mordida, porque as únicas cicatrizes que marcam meu ser são as que eu mesmo deixei de lembrança. Eu aprendi a gostar delas. Como um eterno lembrete da existência, são as únicas tatuagens que preciso, e vão ficar pra sempre gravadas no meu coração. Coração este que escuto com mais cuidado agora. Por vezes ainda sento calado para ouvi-lo bater, mas ao invés de um tic toc robótico, no estalar de suas batidas eu ouço uma sintonia de vida. Essa não é a história de um menino incapaz que se transformou em morto-vivo, mas a história de um zumbi que (re)aprendeu a ser humano.

Eu ainda mordo, não se engane. Meus dentes estão armados e prontos pra abocanhar qualquer um que tente roubar aquilo que construí. Vou proteger minha vida a todo custo e com a ferocidade de uma fera que agora tem um cérebro funcionando, vou seguir meus instintos. Esteja ao meu lado, e você vai viver o felizes para sempre dos contos de fada. Ouse se posicionar contra mim e meus sonhos, e eu vou me transformar numa criatura nascida no pesadelo mais ancestral. Uma fábula com um lado sombrio ou um filme de terror no qual todos os protagonistas são devorados vivos. Quem eu sou depende de você, mas lembre-se de uma coisa: esse zumbi aqui tem um coração bem pulsante.

MINHAS FELICIDADES


Olá, sou eu Freddie. Novamente cá estou, fazendo um texto simples sobre uma vida simples, mas disso vocês provavelmente já perceberam. Creio eu que já devem estar de saco cheio de entrar no Blog e se deparar com textos tão tristes e melancólicos. Mas o que eu posso fazer? As crônicas acabam refletindo tudo que acontece na minha vida, e eu estaria mentindo se falasse que minha vida nesse momento é feliz e alegre. Porém, ao ler as minhas crônicas feitas nos últimos meses, eu cheguei a conclusão de que a imagem que eu passei é que eu sou uma pessoa completamente afundada na tristeza, e que não é verdade. Por esse motivo, hoje vou fazer algo diferente, ao invés de falar sobre as minhas tristezas diárias, vou falar sobre o que me faz feliz e o que me faz esquecer do mundo e focar apenas no momento.


A chegada da pandemia me machucou muito, não só pelo acontecimento em si, mas pelo momento em que chegou. Eu estava vivendo o auge da minha vida, de forma que meus problemas na época, que me seguem até hoje, viraram secundários. Mas de repente tudo desmorona e eu passo pelos meus dois piores anos, a tristeza que eu vivia diariamente era gigantesca. Eu não dormia direito, não me alimentava corretamente e pra completar a equação eu não fazia nenhum exercício. A partir disso, vocês já devem entender o momento que eu passei. Mas tem uma coisa que me fez feliz, funcionando até como uma terapia, que foi jogar com os amigos. Eu passava horas com eles, isso me fazia esquecer completamente tudo que acontecia fora dos jogos. Acredito que os meus amigos também passavam por uma situação semelhante à que eu estava passando, por isso quase todo dia estavam presentes. Não tinha sensação melhor do que ligar o computador e ver que estavam todos lá, o alívio era gigantesco. Tudo isso foi um escape para a situação que eu estava passando, por isso, agradeço aos crias do CERJ por terem me ajudado muito durante esses tempos tristes.


Não posso esquecer de um dos meus maiores amores, o Futebol. Durante a quarentena eu me afastei um pouco desse esporte que eu tanto amo, até mesmo quando ele voltou senti que não era o mesmo, faltava sua alma, a torcida. Recentemente, mesmo com meu clube passando por momentos ruins, consegui me conectar de volta com o futebol, passei a acompanhá-lo frequentemente e a estudá-lo melhor. Essa conexão me fez lembrar dos momentos que eu passei assistindo meu clube e a seleção, tanto os felizes quanto os tristes, afinal é parte do esporte e ajuda a moldar o meu amor por ele. Passei a frequentar mais o estádio, toda vez que eu vou acompanhar meu time de perto recebo uma dose extra de amor. Também comecei a amar outro clube, mas eu não vou revelar se não podem saber quem eu sou. Enfim, agradeço ao futebol e aos meus clubes, por me ajudarem a passar por esses momentos ruins.


Com carinho,


Freddie Mercury

 O meu cisne negro particular


Hoje, em nossa penúltima viagem, promete caminhos até então desconhecidos, uma vez que o tema livre nos permite a liberdade da verdade e da criatividade, companheiros. Conheceremos a arte do Lago dos Cisnes, em novos olhares e perspectivas. 


Uma princesa transformada em cisne, o conto sobre uma metamorfose. Você já imaginou ter tudo, perfeitamente enquadrado e encaixado, e assistir tudo quebrar em um piscar de olhares? Uma decisão precipitada e o inferno começa, o matador de porcos nasce.


A única maneira de se libertar é a oportunidade de amar, verdadeiramente e incondicionalmente. E mesmo que Odette tenha tatuado em seu corpo sobre as maneiras inefáveis do amor, quem seria capaz de reconhecer isso em um cisne? Quando Odile ressurge, tudo se torna nebuloso. Como separar a sua parte podre de si mesmo? O cisne negro é uma droga nociva que emerge em cada um de nós. 


O cisne negro é atraente, costuma nos seduzir para o vazio de pensamentos altos demais. As vozes de Odile se misturam com a do Shaolin, e se torna muito fácil de se perder em si mesmo. As vozes já não tem um gênero definido, as falas cortam mais profundamente que um canivete e você se perde no escuro. Você termina aqui. O seu trauma começa agora.


Você já não sabe onde você começa e ele termina, vocês são os mesmos fractais biográficos. Uma só máscara para dois personagens, uma só intérprete para o cisne branco e o cisne negro. O quão rude e desumano isso pode ser? Até onde você iria para alcançar a perfeição? O êxtase de saber que foi capaz de suprir as malditas expectativas, Odile está feliz agora. Uma pena que Odette já quase não subsista mais.


A primeira vez que considerei o paralelo, as nossas cabeças doeram. Por um segundo, o Eu e o Shaolin entenderam o seu propósito. Estávamos aqui para construir uma narrativa juntos, e separadamente. Eu prometi muitas máscaras e a verdade absoluta, você só precisa juntar o nosso quebra-cabeça. Nós te dissemos muitas vezes sobre as palavras escritas em minha alma. Você sabe quem eu sou, você sempre soube.


O Eu seria a ponte que faz com que vocês tenham a oportunidade de conhecer o matador de porcos em uma proposta desnuda e vulnerável. Nossa jornada está quase completa, veja só. A multidão sobreviveu.


O Lago dos Cisnes é sobre paixão e desespero, nós somos paixão e desespero. Uma obra de arte incompleta, à espera da perfeição covarde. Odette é o infinito, e ela se restringe ao amor de Siegfried. Odile é o buraco negro, e ela se restringe ao desejo de pertencer à máscara de Odette. 


O Shaolin me ensinou mais do que o que pude revelar em palavras, e certamente te ensinou também. Nossa plateia de uma pessoa só foi uma contusão psicológica. Você aprendeu sobre dor, decepção, desilusão, deformação e recomeço. 


Abrace o seu matador de porcos, seus traumas em forma de personagem. Seja ridiculamente monstruoso, você vai gostar do final da jornada.


Eu aprendi a lição, você pode aprender também. Você sabe quem eu sou, você sempre soube.


Com carinho, 

Nós (O Shaolin, o matador de porcos e o Eu)

DEIXE QUEIMAR

Pernas entrelaçadas, mãos sobre o peito, respiração afobada e olhos escuros, misteriosos. Você tinha gosto de café fresquinho, delicioso, aconchegante, abrasivo. Provocava, em suas mãos eu incendiava o quarteirão. Unhas, pele, beijo, meu cabelo, meus seios. A sua língua era um pecado na minha boca, proibida para mim.


No começo da nossa ópera, as suas palavras soavam como música, uma obra de Vivaldi no meu ouvido, verão, outono, inverno e primavera. As quatro estações e quiçá que mais estações existissem, eu as inventaria se necessário para continuar a me deliciar. Essa boca, tão faceira, ora me alucinava em beijos quentes, ora me partia em pedaços pela indiferença exposta.


Belo Horizonte. Rio de Janeiro. Qual era a probabilidade de dar certo?! Você sabe. Não fomos feitos para durar. A sensação de amar é de longe uma das melhores do mundo, a de perder é a pior. Odiava admitir que perdia, você ganhou todas. Absolutamente. Era mais inteligente, mais culto, ouvia músicas melhores e os seus filmes eram interessantes. Quem era eu? Ninguém. 


Não tirarei os meus méritos, lutei até à exaustão, mas todos os guerreiros um dia são vencidos, pelo ego, fraqueza, cansaço. Existem coisas na vida que são impossíveis de se encontrar, eu, por exemplo, nunca encontrei outro igual a você, nunca encontrei alguém que não tenha simplesmente desistido e ido para casa. Infelizmente, existia mais escuridão nos meus olhos do que se supunha a princípio, frisei que era uma bagunça. Esclareço: você pode ter toda força do mundo e não ter força para escapar dos seus demônios interiores. Almas atormentadas? Pois é. 


5 ou 6 anos, não sei ao certo quanto tempo se passou, não me recordo de quando a minha mão passou a se soltar da sua, quando o meu riso não se confundiu ao seu ou quando o meu olhar buscou uma nova direção. Teria sido você, menino bonito?! Brilho eterno de uma mente sem lembranças, aqui é onde eu quebro. Não te apaguei, mas gostaria, queria resetar tudo. Quão feliz seria esta que vos fala, não mais virgem, se pudesse viver sem culpa.


A minha penumbra particular não tocava a minha aliança. O prata continuava prata. Entre o silêncio e o inalcançável existia você, eu te sentia perto de mim, mas não estava. Bem, existem flores sobre os meus pés, elas são pratas como a minha aliança era, elas estão sorrindo e indo embora com o vento. Elas têm o seu cheiro, gostoso e suave.


Por favor, perdoe o meu coração confuso e cigano, é que precisava voar para longe. Você me conhece, sou impulsiva. Ao final do dia, sigo perdendo, te deixo no meu travesseiro todas as noites, contudo, é melhor ter amado e perdido do que não ter te amado.

Chaves do coração


  Toco em meu peito e sinto um cadeado. Isso não é normal, certo? Onde está meu coração? Ele está trancado? Você já se sentiu assim, meu querido leitor? Já se viu num labirinto de emoções sem saber onde é a saída? Como faço para parar de sentir tudo isso, ou melhor, como faço para sentir alguma coisa? Será que eu sou um monstro que não consegue sentir mais nada, ou será que eu estou tão desesperada ao ponto de sentir tudo ao mesmo tempo?


  Essa dualidade me afronta. Me confronta. Me perturba. Me inunda. Me desespera. Me acelera. Me faz paralisar.

“Estátua!” Não, isso não é mais uma brincadeira de criança, isso é a minha vida. Minha agridoce existência. 


  Eu não sei vocês, meus caros, mas eu acredito fielmente que coisas mal resolvidas sempre voltam. E adivinhem só: ele voltou para a minha vida! Não foi do jeito que eu imaginei nem do jeito que a minha mente idealizou, mas o que importa é que ele retornou. Se a história acabasse aí, estaria um lindo céu azul, cheio de borboletas e um arco-íris perambulando pelo ar. Mas como nada é perfeito, sinto que ele já está prestes a se encaminhar para a saída. Será que ele desistiu de explorar o labirinto do meu coração? Eu nem precisei entregar as chaves do meu coração para ele, sempre foram somente dele, nem eu mesma tinha pleno acesso aos meus conflitantes sentimentos… Mas ele sempre o teve.


  Loucura, eu sei. Como pode uma pessoa se trancar para o resto do mundo e dar pleno acesso a um ser que pouco se importa? Se você não sabe, meu bem, eu muito menos. A essa altura do campeonato, você já sabe que eu sou romântica e ansiosa. Sem paciência e medrosa. Teimosa e sonhadora… Mas não para por aí. Eu, Glória Maria, sou apenas uma das multifacetas disponíveis na prateleira da vida. Aliás, todos nós temos uma face para cada situação que os engloba. E, a que eu resolvi mostrar-te é essa. 


  Mas voltando ao que interessa, meu acompanhante dessa jornada, algo que vêm latejando em meu isolado coração é para quem você entrega as chaves do seu coração? Eu sei que a princípio pode parecer uma pergunta besta, mas pare para pensar, a nossa alma é profunda demais para entregarmos à pessoas rasas. O nosso espírito é leve demais para o amarrarmos à âncoras. O nosso coração é lindo demais para trancarmos no peito.


  A vida é curta, meu bem. E, nem sempre aproveitamos tudo de paradisíaco que ela nos oferece simplesmente por estarmos focados no que menos importa. Então, aqui vão os conselhos mais profundos do meu ser, espero encarecidamente que as palavras a seguir ultrapasse todas as barreiras dos pseudônimos e domine seu coração.


  Apenas Viva. O que tiver que ser, será. Do que adianta olhar para trás? O que passou, passou. Dance na chuva, molhe os pés na água da praia. Admire o pôr do Sol. Lembre-se de olhar as estrelas. Abrace seus familiares que ama. Vá ao shopping com os amigos. Frequente a Igreja, se quiser. Se permita fazer idiotices de vez enquanto. Destranque seu coração. E o mais importante: Sonhe! Não custa nada sonhar… Os sonhos nos permitem alcançar esferas inimagináveis.


  “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos.” 


  Se você não se sentiu perdido, num verdadeiro labirinto, lendo esse texto, sinto te informar que você o leu errado. Eu mesma fugi do meu foco principal… Mas a marca que eu verdadeiramente quero deixar aqui é essa: não vale a pena trancarmos nosso coração, escondermos as chaves e entregarmos para alguém que não se importa com o verdadeiro significado delas. Sua alma é a sua maior riqueza, ela pode ser sua maior inimiga se você não dominá-la, mas também pode ser sua maior benção. Me promete que não vai entregá-la para qualquer um? Me prometa que você vai continuar sonhando?


  A vida é curta demais para não vivermos intensamente. Então, destranque seu coração, liberte-se das suas amarras e viva o hoje! Eu tenho a plena consciência que ainda vamos provar do Amor que tanto ansiamos, mas enquanto ele não chega, viva! Se ele não quer explorar o meu amor, exploro eu mesma. 


  Como diria a nossa querida Colleen Hoover: “É assim que acaba".


  E, para fecharmos esse ilustre ciclo, deixo aqui registrado um poeminha que escrevi especialmente para essa ocasião:


“Ciclos”


Eles se fecham e se abrem

Como num simples movimento de bombear

Quero que uns comecem, quero que uns acabem


Sua infinidade me faz pensar:

Tudo é tão efêmero

será que vale a pena amar? 


Pensando nele, no Amor 

As vezes ele inicia um ciclo que termina na dor

Começa com vigor

E termina com furor


Mas tudo isso é necessário

Para que possamos avançar

E sair do imaginário


“Ciclos se fecham” já dizia uma amiga

é necessário essa quebra

Para que possamos prosseguir na estrada da vida


Esse ciclo acaba por aqui

Lembre-se de sonhar, de amar e de curtir

Nos encontramos por aí


Beijos da sua amada Glória Maria. Foi um prazer estar com vocês!