sexta-feira, 1 de julho de 2022

 A dúvida hiperbólica: crônica “Tempo incerto” da Cecília Meireles 


“Os homens têm complicado tanto o mecanismo da vida que já ninguém tem certeza de nada”. É assim que Cecília inicia sua obra e essa também será minha partida. Em muitos versos fiquei confusa, a metodologia proposta pela autora mais parecia com o conceito de René Descarte, duvide de tudo, duvide, duvide e duvide. Concordo que não devemos aceitar de bandeja qualquer coisa que nos é oferecido, imagino inclusive que esse exercício é como um jovem de vinte e poucos anos no open bar. Ele aceita todas as bebidas sem sequer imaginar que talvez uma possa estar envenenada. É perigoso, arriscado, pode te matar. 

No fundo, somos jovens de vinte e poucos anos aceitando bebida no grande open bar que a vida é. Cécilia é atemporal. Isso se confirma ainda mais quando ela diz: “Chegamos a um ponto em que a virtude é ridícula e os mais vis sentimentos se mascaram de grandiosidade, simpatia, benevolência.” Pelo que parece, descemos do ônibus, chegamos nesse posto e nunca mais saímos. Por mais que pareça inteligente duvidar sempre, hesitamos em acreditar. Nos decepcionamos e ainda acreditamos no amor. Vemos a sujeira por trás da política e ainda tentamos enxergar um futuro melhor. Por quê? Precisamos acreditar para nos manter vivos, a crença é a essência que faz com que eu me levante da cama pela manhã. Acordo porque acredito que vou tomar café e me sentir melhor, escovo os dentes porque acredito que dessa forma estarei preservando minha saúde bucal. Vou para a faculdade porque acredito que um dia serei uma grande jornalista. Trabalho porque acredito que vou conseguir juntar dinheiro para presentear minha mãe com um tapete. Acredito.

São tempos incertos sim, difíceis e que todo mundo quer estar certo e acreditar em tudo, sobretudo, em si mesmo. Não posso comentar sobre a estrutura e as figuras de linguagem utilizadas da crônica da Cecília se a ideia que está presente ali me impressiona ainda mais. Ela está certa, devemos prestar atenção nas coisas que estão sendo ditas e também pensar no que estamos dizendo. Se a esperança dela era no fim do mundo, digo que minha esperança está no recomeço.  É inacreditável e eu duvido que um dia resolveremos todos os problemas presentes nessa enorme bola flutuante. Acredito e continuarei acreditando, mesmo após a morte dos meus tataranetos.

Por Dandara dos Palmares

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto, Dandara! Me fez mudar de pensamento: assim como Cecília Meireles minha esperança estava num possível fim, no basta que simplesmente faria tudo sumir, mas me encantei com a perspectiva de renascimento que vc me trouxe, a mim e a todos os outros leitores. Gostei bastante também da forma como finalizou o texto, trazendo um senso de esperança também em relação à humanidade e a gerações futuras.

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  2. Dandara, parabéns pela excelente crônica! Muito rica em referências, comparações e uso do intertexto com o Descartes. Foi uma leitura que me prendeu do início ao fim e eu particularmente gostei muito da leitura que você fez do texto da Cecília! Foi a dose de esperança que eu precisava ter hoje.

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