sexta-feira, 8 de julho de 2022

O RESTAURANTE DO FIM DO UNIVERSO

Hoje eu estava feliz.

Finalmente ia conhecer o restaurante do fim do universo. Na nave coração de ouro iam Arthur, Tricia, Zaphod, Eu e claro, Marvin, aquele maldito robô. O restaurante está localizado na segunda saída do quinquagésimo quarto salto interdimensional caso você faça o caminho saindo da via láctea, ou mais especificamente, da Terra. Se, por acaso, você for um ser multidimensional que veio de um planeta distante de uma galáxia incompreensível localizada num universo ainda não catalogado, sinto lhe dizer, mas o caminho é ainda mais fácil e sem nenhuma diversão. O restaurante do fim do universo fica sempre localizado no canto à extrema esquerda de todas as galáxias imagináveis, sendo praticamente inútil realizar tantos saltos interdimensionais. A via láctea foi a única galáxia a não construir uma via rápida até o seu canto extremo esquerdo por falta de verba. Ainda não acredito numa coisa dessas. Imagine só a quantidade de combustível gasto pra realizar tantos saltos interdimensionais. Sim, um absurdo. Enfim, foi essa a maneira que os inventores do restaurante imaginaram que seria mais fácil para que todos encontrassem o lugar. No canto extremo esquerdo de todas as galáxias existe um simples portal que te leva ao restaurante, que obviamente está no fim do universo (A via láctea também não possui portal próprio. O absurdo só aumenta). É importante deixar clara a diferença do fim do universo para o início do universo. O início é chatíssimo porque tudo já aconteceu por lá, não há o mínimo de diversão, apenas monotonia, planetas já há muito formados e todos quase mortos. Diria que se assemelha muito aos cemitérios que já conheci, mas isso seria uma afronta aos cemitérios porque até lá os espíritos estão mais animados do que naquele lugar terrível. O fim do universo por sua vez é dotado de uma beleza ímpar. Um show de luzes, explosões, nascimentos, colisões, supernovas; tudo ao mesmo tempo. Ah, e é claro, a atração principal, o momento que a expansão cessa – o milésimo de centésimo de segundo em que o universo deixa de se expandir, criar e matar, antes que você pisque ele retrocede por completo e acaba. Sim, acaba. Assim que o universo chega a seu ponto de expansão máximo ele simplesmente volta para o início como um grande estilingue e explode novamente gerando o Big Bang; e tudo começa de novo. Essa é a ideia do restaurante - fornecer um ambiente luxuoso, hermético e seguro para que você assista de camarote à esse show. Uma beleza que poucos têm a chance de experimentar. Sim, hoje estava feliz porque veria o fim do universo, ali de pertinho, espiando cada mínimo detalhe e me espantando cada vez mais com as oportunidades magníficas da vida. Sim, hoje eu estava feliz. Estava, do verbo Estar, conjugado no passado, pretérito perfeito. Estava, do não estar mais, do não ficar feliz nunca mais. Exatamente porque aqui no fim do universo já chegou o dia que eu não posso mais estar com você. Você indo embora é o fim do meu universo. Diante daquele espetáculo visual atravessou minha alma um sentimento de solidão, algo que não era capaz de explicar. Era apenas uma dor intensa que não cessava. Aquele sentimento foi como uma supernova dentro de mim. No momento que via o universo tendo seu fim, todos os corpos estelares e celestes deixando de existir, colidindo uns com os outros, meu coração colidia contra si mesmo, tomando conta do meu peito uma explosão; a morte de uma parte de mim que eu sabia que não voltaria jamais. Ali eu sentia o que eu não queria sentir jamais. Sentia tudo que eu havia negado durante muito tempo, mas que no fim dos tempos seria impossível de se esconder. Sentia a sua falta, mais do que nunca entendia o tamanho que você teve na minha vida. O fim do universo, em todos os sentidos. Como num piscar de olhos estamos de volta ao estado original das coisas. O teto que se abriu permitindo que observássemos aquele espetáculo se retraiu novamente, as luzes se ascenderam e, como nos momentos de fim de filme onde as luzes se ascendem e você demora pra entender em que realidade está, ainda confuso com todos os acontecimentos e a imersão; eu me via confuso, triste, em êxtase, sentia-me incompleto porque parte de mim tinha morrido com aquele universo. E eu já sabia disso há muito tempo. Ainda tentando me reconectar à realidade observo todas as pessoas no salão do restaurante extasiadas, também confusas e tentando recuperar o fôlego. O universo estava lá, eu estava lá. Se nesse restaurante há a possibilidade de assistir incontáveis vezes o fim dos tempos, isso quer dizer algo. Quer dizer que até mesmo o maior dos fins exige um recomeço. Afinal, eu preciso sair desse salão antes que me cobrem esse prato de comida ridiculamente caro que mal cobriu o menor dos buracos do meu estômago. Deveria ter pedido o combo infantil. Sempre vem mais comida.

- Ford! Precisamos correr! Zaphod disse que há um problema com a coração de ouro!

Bom, um recomeço forçado, mas ainda sim um recomeço.

“Vou reaprender a andar. Reaprender a andar.”

Por Ford Prefect

2 comentários:

  1. Caramba Ford, esse texto se tornou um dos meus favoritos de todas as crônicas já escritas. A construção é impecável e me prendeu a todo momento na sua história. Meus parabéns, sério mesmo.

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  2. Parabéns pelo texto, Ford! Gostei muito da leitura, da construção e da referência que você trouxe.

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