quarta-feira, 13 de julho de 2022

 A mulher do fim do mundo 


Imagina Deus na tua frente, como uma pessoa que acabara de reencontrar. Não sei qual é a sua intimidade com Ele, mas tenta. Me responde, como o seu Deus há de ser? Se me diz que acabou de pensar em uma mulher negra baterei palmas, Palmares. Busquei a origem etimológica da palavra, "vencedores de uma competição”, foi o significado que encontrei. A vida é uma competição, a liberdade utópica é a premiação. Por isso eu luto, por isso Dandara lutou. Vou te dar um spoiler, ela cometeu suicídio. A vitória no fim, sim, Deusa. 

Uma morte simbólica porque Dandara ainda vive e é muitas. “Me atirei do penhasco pois voltar a ser escrava nunca mais”, não sai da boca dela mas foi o que ela quis dizer com a sua morte. Essa não é a primeira vez que me visto de Dandara, também sei que não será a última. Além de vencer a competição da liberdade ela me levou ao primeiro lugar de uma. É o prazer seguir os “Passos de uma heroína”. Confesso mais uma vez, tenho confessado tanto aqui, mas nessa confissão digo que a liberdade me assusta. Posso escrever sobre tudo o que eu quiser e mesmo assim preferia que tivessem me designado um tema. É assustador, escravizador.

Eu mesma já pulei de muitos penhascos, não porque estava buscando ser livre mas porque estava lutando para que fossem livres. É uma queda linda, experimenta. Bell Hooks disse: “Quando largamos o medo, podemos aproximar-nos das pessoas, podemos aproximar-nos da terra, podemos aproximar-nos de todas as criaturas celestiais que nos rodeiam.” O penhasco, a ausência de medo, o início da vida, o fim da vida. Quanto mais me aproximo da terra, ponto final da queda, me sinto no ponto de partida da vida. 

Tá bom, não vou ficar só em lembranças, vou te contar uma das vezes. Glória, uma mulher negra de 50 e poucos anos, conversava comigo sobre a relação abusiva que estava vivendo, as agressões e os xingamentos do seu marido. Ela tinha medo de fugir, por isso eu tinha que ter coragem para ela, por ela. Se você tem medo, não consegue pular do penhasco. Então, eu e a Glória fomos tirando cerca de 1 sacola de roupa da sua casa a cada semana. Ela conseguiu fugir aos pouquinhos e o canalha nem percebeu. O ato de “pular do penhasco” nem sempre é morte, queda e fim. Pode ser que você esteja somente saindo da sua zona de conforto, exposta e ciente que tem grande chance de dar errado, mas se der certo será libertador. 


Com amor, 

Dandara dos Palmares, A mulher do fim do mundo.

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