quinta-feira, 4 de março de 2021

Conversa

 - Não sei dizer bem ao certo quando nossa relação começou a dar errado - digo

encarando a expressão amena da psicóloga. - Na verdade, eu nem queria vir, ela que me

obrigou.

- E isso te deixou irritada?

- Claro! Quem não ficaria irritada com isso? - respiro fundo e fico encarando fixamente

um pequeno abajur no canto da sala.

- Não sei se você tá irritada com ela por causa disso.

- Por quais outros motivos eu estaria?

- Não sei, me diz você.

- Não sei se conta, mas eu ultimamente não tô gostando de nenhum filme que ela

escolhe pra gente ver.

- Conta. O que mais?

- Todas as músicas que ela coloca pra ouvir no carro eu acho insuportáveis. E me tira do

sério quando a gente faz uma receita e ela coloca ingredientes que não tão na receita,

não tem sentido!

- Mas ela sempre fez isso?

- Sempre! E só começou a me irritar agora – paro por alguns segundos antes de

continuar – Sendo muito sincera, muitas coisas que ela andou fazendo tem me irritado.

- Tipo?

- Foi meu aniversário semana passada, e ela me deu uma blusa que eu não gostei, e isso

me estressou.

- E a blusa era feia?

- Não sei, era normal, eu acho. Ah! Ontem mesmo, ela fez um doce que ela faz toda

semana, custa variar?

- E você fala sobre essas situações com sua mãe?

- Às vezes eu falo, quando me incomoda muito. Nossa relação... sei lá, é tipo quando

colocam banana verde no forno pra ficar madura, sabe? Mas não tem motivo pra coisas

tão pequenas me deixarem assim, tem?

- Ter, tem. Mas e aí?

- Eu falo, a gente briga, nossa relação se desgasta, e eu acabo indo pra casa do meu pai.

Foram tantas briguinhas dessa, bobas sabe? Aí decidi ficar permanente no meu pai e

falei com ela.

- E aí?

- E aí vim parar aqui.


Asas de ícaro

Amor em via dupla

 Quando jovem, muito influenciada pelos filmes da Disney, eu imaginava um conto de fadas

perfeito para mim. Um príncipe. Um castelo. Um clima romântico e muitos passarinhos

cantarolando harmonias sincronizadas. Era perfeito mesmo, mas tão incrível que logo

percebi uma grande coisa: amores perfeitos não existem na vida real. E por isso, até eu ver

claramente este fato, tive uma breve e difícil jornada de forçosa compreensão.

Tudo iniciou com o primeiro amor, para alguns tão desmerecido, mas para mim era um

sonho ainda não realizado. E eu tinha total certeza que seria maravilhoso. Eu iria amá-lo,

desejá-lo, mimá-lo e fazê-lo feliz como imaginava que a Cinderela haveria de ter sido após

encontrarem seu sapatinho perdido. Além disso, eu iria também perceber, finalmente, como

era sentir este amor de conto de fadas que eu tanto assistia na televisão. Era impossível

não ser bom. Improvável.

Por um tempo, foi bom mesmo, beirando o meu “perfeito” tão almejado. Mas como vocês

podem imaginar, tudo o que é bom dura pouco e como essa simples e certeira frase, durou

bem pouco mesmo, apesar de ter sido bom, todo o resto foi ruim, horrível. Levando-nos

para um fim triste e sem muita explicação.

Faltou companheirismo, controle emocional, amizade, afetividade, carinho, flexibilidade,

enfim, tantas coisas, mas principalmente maturidade. Impossível haver um relacionamento

entre duas pessoas imaturas. Não haveria de dar certo, nunca, por mais que desejasse com

todo o meu coração.

Naquele momento eu percebi o meu erro, eu quis e desejei demais, e não dei espaço para

mais ninguém desejar. Foi um golpe sujo que arquitetei contra nós e somente eu pude amar

os dois, como um amor de via dupla em que uma via se encontrava bloqueada. Não haveria

de dar certo.

Ainda me encontro nessa busca de tentar encontrar a partida ou a manobra que me leve a

algo mais que um via.

Estrela do Mar

Será?

 Pensei muito numa situação que se encaixasse nesse tema. Pensei demais. Na verdade,

enquanto começo a escrever, continuo pensando.

Lembrei do meu primeiro relacionamento. As coisas foram ficando ruins, eu era nova, ele

era novo, e ninguém tinha maturidade para conversar. Eu fui ficando grossa e deixando

de me importar, ele foi ficando possessivo e agressivo. Mas espera, será que isso era uma

autossabotagem?

Melhor pensar mais.

Tive uma recordação ruim da minha convivência com a minha avó. Ela ajudou a me

criar, fazia de tudo por mim. Nós duas sempre tivemos temperamentos difíceis, mas em

2018 ela votou 17, aí já viu. A gente morava na mesma casa e ela insistia em defender o

jumento. Só que meu pavio é curto, eu não sabia ouvir calada, uma hora sempre explodia.

Muitas vezes em momentos em que ela nem estava falando desse assunto. A convivência

ficou difícil, e pedir desculpas pelas grosserias a troco de nada mais difícil ainda. Eu

tinha vergonha. É péssimo fazer essas coisas com uma pessoa que você ama tanto. E

então me pergunto, por que eu fazia? Não sei, quando eu dava por mim, já tinha feito.

Seria essa a autossabotagem, afinal?

Que difícil chegar a uma conclusão. Que difícil fazer um texto sobre isso. Será que eu

entendi mesmo o tema porposto? Será que tenho mesmo a capacidade de escrever alguma

coisa boa e interessante toda semana, que ainda se encaixe no tema? Bom, pelo visto,

acho que não.

Mas calma aí.

Será que toda essa barreira para escrever, toda essa dificuldade de lembrar (ou medo de

fuçar o passado) e toda essa dúvida, no final das contas, também é uma autossabotagem?

Será?

Alice no País das Loucuras

Boa noite

 Milhares de quilômetros nos separavam, mas nós conseguíamos anular toda essa distância apenas

com um celular. No início, não havia uma noite em que eu não te esperasse chegar do trabalho para

conversarmos um pouco mais. Eu poderia estar morrendo de sono, mas mesmo assim me mantinha

firme para, pelo menos, te desejar bons sonhos e ter sua resposta. Era sempre a mesma coisa. Eram

sempre os mesmos emojis de coração na última mensagem do dia. Mesmo que inconscientemente,

nós criamos uma rotina e passamos a vivê-la por meses que foram embora num piscar de olhos. E

sabe o mais interessante de tudo? Nós não erámos nada. Sequer chegamos a ser.

Até hoje eu não consigo te explicar o que aconteceu, vai além de mim. Não escolhi me afastar, foi

acontecendo de uma maneira que eu mal conseguia perceber. De repente, nossos assuntos foram se

esgotando. De repente, eu não sentia mais aquela euforia em esperar suas mensagens. De repente,

eu fui sentindo cada vez menos a sua falta. Quando fui perceber, nossas conversas acabavam antes

mesmo de desejarmos o nosso típico “boa noite”. Nós nunca brigamos. Nós nunca sequer tivemos

uma desavença. O que aconteceu conosco foi o tempo. E agora acho que está bem claro que tenho

um sério problema com o tempo.

Sou dona de picos de euforia que não duram nem algumas horas. Em um momento quero me

aventurar, conhecer pessoas novas, matar os desejos que todo jovem tem, mas, no seguinte, desisto

dessas ideias e vejo que estou bem do jeito que estou. O tempo passa e eu volto à estaca zero.

Àquela estaca cujo minha alma parece não querer sair. Talvez essa seja a explicação de eu ter

baixado o Tinder diversas vezes para desinstalar no dia seguinte. Talvez essa seja a explicação dos

meus desastrosos relacionamentos (que não são só os amorosos). Vivo em um ciclo, onde quero

para logo depois não querer mais. Algo me liberta só para prender novamente com mais força ainda.

E o pior de tudo é que eu até que vivo bem assim.

Então, você pode me xingar. Pode me odiar. Eu vou aceitar. Eu vou entender. Como sempre te dizia,

vou tentar lidar mais comigo mesma. Quem sabe um dia eu não quebre esse ciclo? Quem sabe um

dia esses picos deixem de ser picos e se tornem constantes? Quem sabe um dia eu não transforme o

tempo em um aliado? E ele realmente precisará ser para tudo isso se realizar. Até lá, eu fico aqui.

Até lá, eu me contento com o que tenho e sou. E para você, com todo o coração, desejo o meu

último “boa noite”.


Honey Lemon

Pensei que eu só fosse sagitariana mesmo

 Meu passatempo predileto é a autossabotagem.

Me autossaboto em quase tudo o que me proponho a fazer, sério, eu nem tô exagerando.

Desde sempre, me interesso por muitas coisas ao mesmo tempo. Certos assuntos, que a princípio

me parecem os mais interessantes e atrativos do mundo, depois de um tempo, sem nenhuma

explicação ou aviso prévio, parecem simplesmente não me atraírem mais a atenção.

Todavia, faz um tempo, experimentei desse sentimento com alguém, quando me deixei entrar em

meu primeiro relacionamento. As coisas se iniciaram em um fluxo manso, nem tão rápido a ponto de

me assustar, mas nem tão lento que me tirasse a paciência.

Depois de uns meses com a pessoa, eu tinha completa e absoluta certeza de que aquela era a minha

alma gêmea, que estávamos destinadas a nos encontrar, que o mundo era perfeito, que o amor era

lindo, etecetera, etecetera. Tudo isso que envolve um primeiro relacionamento bem clichêzão.

Porém, em um certo ponto, que eu não sei qual, as coisas mudaram.

A paixão se dissipou, sem grandes razões, sem grandes motivos.

Notei então, que os atos que um dia me atraiam, agora tinham o efeito contrário, me repeliam.

As manias que no começo eu julgava serem adoráveis, agora já não possuíam efeitos algum sobre

mim.

Não veio como um baque. Esse sentimento de que não existia mais paixão entre nós. Não.

Ele veio despreocupado, aos poucos foi se mostrando, cada vez mais sem vergonha... Até que então,

o sentimento não se encontrava mais ali. Quase como o desancorar de um navio, que conforme se

afasta do porto, fica cada vez mais pequenininho, pequenininho... até que no fim, o navio se

desvanece, e ali de pé, só restam você e a linha do horizonte, frente a frente, uma encarando a

outra, brincando de serinho.


Paty Maionese

Entre Tantas Coisas

 Se beijo na testa era pior do que separação, então um abraço de despedida sem

passagem para volta era pior do que a morte.

O ano é 2017. Nos conhecemos. Conversamos um pouco e etc.

O ano é 2018. Nos beijamos. Foi numa festa, começou, terminou e etc.

O ano é 2019. Olha só quem voltou. Conversamos, tudo fluiu e etc.

O ano é 2020. A gente disse “eu te amo” pela primeira vez.

O ano é 2020. A pandemia chegou. Não nos víamos nunca, nossos pais não deixavam.

Saúde em primeiro lugar.

No início foi tudo lindo. Conversávamos o dia todo.

E, então, o temido momento chegou. Começamos a nos desentender sempre. Como

continuar um namoro recente sem se ver por mais de 4 meses? Foi complicado para nós

conciliarmos nossas duas visões.

Eu queria mais, mas você já estava confortável com o jeito que as coisas iam.

Eu queria mais. Queria um namoro de novela, filme e série. Um romance baseado em

tela do celular era demais para uma pessoa que odiava ficar na frente da tela do celular.

Começamos a ver defeitos. As coisas começaram a dar errado.

Hoje eu me pergunto como eu não via a pessoa incrível que você era.

Mas eu via. Eu só não ligava mais. Eu não queria aquilo. Eu queria mais. Eu queria

muito mais.

Todo o meu esforço para um dia a gente dar certo, todos os anos que você não saia da

minha cabeça, todo o tempo que eu pensava em você enquanto estava com outra pessoa.

Nada adiantou.

Eu queria mais, mas comecei a ver defeito em tudo.

Não queria mais.

Era dia 12 de junho de 2020. A gente se viu de novo. Finalmente!

Mas foi tudo tão diferente.

A sensação não era a mesma. Até seu carinho me irritava.

A gente se abraçou. Você foi embora. A gente terminou um tempo depois, a vida seguiu

e etc.


Ellis Bell

O rolê da autossabotagem

 Hoje, enquanto lavava a louça da janta, me questionei o porquê de sempre complicar até as coisa menos complicadas ao meu redor. Como posso eu mesma ser a minha própria inimiga? Me indaguei em pensamento. Quanto já deixei de ser, ter e viver por não acreditar em mim, por deixar o medo falar mais alto. Lembrei do meu primeiro relacionamento, quando deixei escapar uma pessoa incrível, fiz de tudo para afastá-la, só porque, na minha cabeça, uma hora ou outra deixaríamos de dar certo, então não tinha sentido prolongar o fim. Como eu sabia disso? Não sabia. Inventei. Criei em mim a ideia de que eu não era merecedora de coisas boas e é isso que eu chamo de rolê da autossabotagem. Bem vindos!

Estou sempre vivendo em função do meu inconsciente. Minhas inseguranças coordenam minhas ações. Minha autoestima me convence de não ser suficiente. Minha ansiedade me faz desistir por medo de fracassar e me ensina a focar só no lado negativo de tudo. Nesse rolê todo deixo de aproveitar o que o universo preparou especialmente para mim. Adio minha vida. Essa vida tão frágil quanto o copo que eu estava ensaboando e que corre tão rápida quanto a água da torneira que deixei aberta porque pensava longe. Os laços e oportunidades se desfazem com a mesma facilidade em que a espuma sumia dos utensílios enquanto eu os enxaguava. É tudo uma questão de momento. Eu não deveria me maltratar tanto assim. Não deveria me autodestruir dessa forma.

Mas eu me maltrato. Eu me destruo. Eu me saboto tanto que o que era pra ser somente uma função normal do meu dia a dia (lavar a louça) se transformou em uma série de questionamentos que me pesou a mente e me causou insônia. Aproveitei que não consegui dormir e fiz esse texto.


Elipse