sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Sob o Mesmo Céu

Era tarde, o sol já estava se pondo quando ele apareceu. Estava cheirando a bebida e a
cigarro, o seu hálito de whisky era tão forte que ardia meus olhos. Eu tinha 12 anos, ele,
42. Lembro de tudo claramente: a cor alaranjada do céu, o controle remoto jogado no
sofá, uma mosca zunindo querendo ultrapassar o vidro da janela do quarto e seus olhos
famintos me fitando. Ele me tocou. Meu tio me tocou. Passou a mão na parte de dentro
da minha coxa e a subiu a mão para o meu quadril.
- Você está virando uma linda mulher, ele disse sussurrando no meu ouvido enquanto
abaixava a alça do meu vestido
Meu corpo dói só de lembrar. Era difícil não poder contar para ninguém por medo e
vergonha, era difícil esconder minhas mãos tremulas e a vontade de chorar quando ele
aparecia no almoço de família e logo vinha me cumprimentar, e era mais difícil ainda se
relacionar com alguém. Tentei por anos não sentir medo de me apaixonar, de me
entregar, mas a aproximação e o toque continuavam sendo pavorosos. Eu não queria
sentir medo, eu queria sentir amor. Foi então que encontrei o Dani, senti uma conexão
instantânea com ele. Tudo parecia ser diferente, me apaixonei e o beijei, um medo foi
vencido. Mas quando ele tentava me tocar eu entrava em pânico, sentia uma febre que
surgia dos meus pés e esquentava todo o meu corpo, arranhava minhas coxas e chorava
pedindo para ele parar. Eu me frustrava, mas ele entendia. Dani sabia tudo o que tinha
acontecido 16 anos atrás, era a única pessoa que sabia. Queria tentar de novo, mas não
sabia se iria conseguir, o medo já estava instalado em mim.
Era de tarde, o sol já estava quase se pondo, aquela era a hora. Decidi não sentir mais
medo e nem chorar, decidi que queria amar. Dani sentou à minha frente, segurou uma
de minhas mãos e olhou nos meus olhos. Eu lembro de tudo: De seus olhos de cores
diferentes, do cheiro refrescante que ele emanava, e da empatia em seu olhar. Olhei para
baixo e vi sua outra mão em minha coxa, respirei fundo.
- Não tenha medo, ele disse enquanto a subia pelo meu quadril
Então percebi que era por isso que esperei tanto, era aquele amor que esperei tanto. Eu
estava sob o mesmo céu alaranjado, mas não sentia medo. Só senti que, naquele
momento, mal podia esperar para ele abaixar a alça da minha blusa.

Cigana Oblíqua e Dissimulada 47.

8 comentários:

  1. Amei como você interligou o começo e o final dando sentimentos opostos pra cada parte, acabou dando um teor mais esperançoso pro texto e quebrou a expectativa de ser só essa porrada do abuso, dando mais camadas pras emoções que a história tenta passar.

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  2. Seu texto foi capaz de aflorar meus sentimentos de maneira que fiquei feliz pelo final feliz. Você, independente de quem seja, merece a felicidade. Não consigo encontrar erros graves no texto e realmente gostei muito dele.

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  3. Meu Deus! Eu me arrepiei do início ao fim e não seria exagero nenhum falar que eu me emocionei. Eu estou... sem palavras! Extremamente envolvente, prende o leitor para saber qual fim tomará, e fiquei muito feliz pelo desfecho que teve. E faço das palavras de Alaska Pett, as minhas: "Você, independente de quem seja, merece a felicidade. Não consigo encontrar erros graves no texto e realmente gostei muito dele."

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  4. ótimo texto! não tem como não ler um pedaço e ficar curioso para saber o resto! parabéns.

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  5. Amei a ligação do inicio e do final do texto, me envolvi com toda a história.

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  6. Quando começou, eu já senti que vinha pesado. Muito emocionante, muito impactante. Sem palavras..

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  7. Amei a ligação direta do final do texto com o início. Muito bem pensado!

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