sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Tinha mais ou menos 11 anos quando o conheci. Naquela época ainda pensava em ser
estilista. Recortava retalhos e costurava dias inteiros, elaborava esses meus pequenos
projetos artísticos no cortiço que havia no meu quintal e que eu fazia de quarto de
brinquedos. Além de recortar retalhos também recortava figuras ou palavras de um livro
velho de sobre redações com folhas amareladas, e foi em uma dessas páginas que vi a
letra dessa música: grande, crua e linda. Esse cantor demostrava um mar de
sentimentos: amor, impotência e vontade de liberdade. Além disso, ora ele parecia
bravo, ora ele parecia contente. Passei a pesquisar mais sobre a mensagem da música e
como ela foi influente na época que em que foi lançada: 1967, um ano marcado pela
Ditadura Militar, opressão artística e censura de opinião. Foi naquele momento em que
comecei a pensar em ser Jornalista. Tive uma sede insaciável de conhecimento, queria
saber mais sobre ele, queria saber sobre seu autoexílio, suas inspirações, suas críticas
sociais sobre o Brasil hostil e boçal dos anos 60 e também sua comida favorita! Queria
saber até qual era o nome da sua esposa, seu sorvete e preferido e se ele gostava de
jujubas. Depois disso, praticamente todos os dias, eu declamava aquela música no meu
cortiço, não declamava para uma pessoa, mas sim para mim mesma. E declamava só
para saber que eu poderia ser como ele. Que eu poderia mandar no meu próprio destino,
ser destemida e escrever como ele. Mas só havia uma única coisa que eu não pensava e
nem poderia ter como ele, era a imensidão azul no seu olhar.

Cigana Oblíqua e Dissimulada 47

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. UAU! Fechou com chave de ouro falando sobre os olhos. E adorei você ter descrito o cantor sem precisar colocar o nome, ficou ótimo.
    Bem vindx! :)

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