quinta-feira, 8 de abril de 2021

O caso de Iris M

 Prezada, Íris M. O tribunal de justiça vem por meio da presente intimação notificar V.Sa. a comparecer na audiência, ajuizada por Felipe Pena, no dia 8/04/2021.

Essa foi a carta que chegou na residência da última cliente que recebi no meu escritório de advocacia. Esse caso era diferente de todos os outros com que eu já havia trabalhado. Com certeza eu estou quebrando aqui todos os princípios de ética e moral os quais jurei respeitar no meu bacharelado de direito, mas eu preciso contar essa história pra vocês. Na última terça feira, essa menina entrou no meu escritório correndo. Pálida, sua pele ganhava tons que eu jamais havia visto. Ela rapidamente se sentou, jogou os papéis em minha mesa e me contou sua história. Depois de ouvir tudo que ela tinha pra dizer, não pestanejei em avisar a moça que aquele caso eu simplesmente não cobraria um centavo sequer. Por quê? Ela havia acabado de descrever ali, naquela mesa de escritório, problemas e neuroses pelos quais eu me identifico muito.

Naquele dia eu não queria exercer minha profissão, a cada palavra que saia de sua boca eu olhava fundo em seus olhos e me enxergava cada vez mais no fundo de sua alma. Medo. De se entregar, de ser feliz, de escrever. Não importa. Medo. Aquela menina passava horas e horas de seus dias com esse maldito sentimento entalado na garganta. E não tem sentido figurado, é medo em sua essência. Puro. De errar, de acertar, de viver. E eu sabia bem como era isso, e ela percebia, sentia na minha voz que falhava na nossa informal conversa. Sua rotina então era norteada na fuga dessa prisão, que ela mesmo se colocou. E procurava por horas, todos os dias, nos seus mais diversos a fazeres, as chaves pra sair. Se libertar. Não adiantava, elas não estavam no barzinho que Íris ia com os amigos no fim de semana, muito menos na academia que era logo na esquina da sua rua. Era na sua cabeça, o seu subconsciente abrigava o tesouro que ela havia perdido.

A gente ficou horas conversando, se perdendo e se encontrando naquela troca de ideias, e seus relatos eram tão detalhados que eu esqueci o que de fato era o meu trabalho. Acho que consulta com psicólogo nenhum faria eu decifrar as coisas que ela decifrou, sem querer, mas decifrou. Ah, e sobre o caso dela? É o mesmo que o meu.

Rato Guaraná

11 comentários:

  1. Oi, Rato! Adorei a história de fundo que você criou pra sua análise da Íris, deixou o texto bastante envolvente.

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  2. Meu Deus, Rato! Que leitura fascinante. A narrativa de fundo realmente me prendeu, assim como os sentimentos bem expressados. Muito bom! Parabéns!!

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  3. Texto Brilhante, mais uma vez, diga-se. Me impressiona sempre sua criatividade de ideias, metáforas e formatos para os seus textos.

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  4. Incrível, Rato. Muito dinâmica e original sua proposta de texto.

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  5. Rato, gostei muito do seu texto! Muito criativo e bom de ler, ficou bom demais. Parabéns!!!

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  6. Rato, gostei muito do texto! O formato que você propôs começando com uma carta foi diferente, mas depois vimos uma narrativa que consegue prender a atenção e que sempre nos traz variadas sensações. Além disso, não sabia que você era advogado, Rato. Super legal!
    Parabéns! Mil beijinhos <3

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  7. Incrível, Rato, incrível!!!!! Criatividade absurda pra colocar um cenário de advocacia! Muito bom ver a evolução da sua escrita! Incrível!! Parabéns!!!!!

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  8. Rato, como sempre amo seus textos. A forma que escolhei para começa-lo foi ótima.

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  9. Rato Guaraná, adorei o seu texto, mas principalmente o enredo que criou e fantasiou de Íris para conseguir descreve-la ao tempo em que dizia se identificar, foi uma escrita fascinante, parabéns!

    Beijos, Estrela!

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  10. Adorei a introdução, Rato. A dinâmica foi bem interessante do seu texto. Leitura bem fluida. Arrasou!

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