sexta-feira, 20 de outubro de 2017

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Acordei atrasada. Logo hoje que tenho trabalho pra apresentar. Além disso, é um daqueles dias de calor do Rio de Janeiro que você já sai do banho suando. Queria botar o meu short preferido e uma blusa curta. Mas não vou. Tenho que encontrar o meu pai depois da aula e ele não deixa eu ir de short pra faculdade. De barriga de fora então, nem pensar. Saio de casa. Na primeira esquina, um homem, dentro de um carro, passa gritando e buzinando pra mim. Todos na rua me olham. Queria mandar ele ir para um certo lugar e mostrar um certo dedo. Mas não vou. Abaixo a cabeça e finjo que não é comigo. Entro no ônibus. Queria sentar na última fileira e cochilar com a cabeça encostada na janela. Mas não vou. Prefiro sentar do lado de uma senhora na primeira fileira. Salto do ônibus. Vejo que tem uma obra mais pra frente, na mesma calçada. Queria andar naquela calçada pra chegar mais rápido na faculdade. Mas não vou. Atravesso a rua para evitar qualquer constrangimento. Chego na faculdade. Ainda não são nem 8 da manhã. O que eu vou ter que encarar pelo resto do dia? E pelo resto da vida? Queria andar de transporte público de saia. Queria voltar da festa de madrugada sozinha no táxi. Queria falar que gosto de futebol e não ter que explicar o que é impedimento. Queria sair da praia e andar de biquíni pela orla. Queria viver sem medo, sem restrições, sem estereótipos, sem preconceito. Mas não vou. Espero que as minhas filhas consigam, talvez eu nem tenha filhos. “Mas como assim não vai ser mãe?” É difícil. É rotina. Rotina de mulher.
 
@justeffy 

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