Era fim de tarde e a gente conversava. Foi mais um
desabafo que conversa, mas o esconderijo começa aqui- vocês vão entender
o porquê da palavra “esconderijo” quando eu falo de mim mesma.
Era
quase noite e a gente tentava se entender. Ele falava das suas aflições
e do seu dia, do seu cansaço, do estudo, e da insônia que prega peça
quando é madrugada e ele gira na cama até que os carneirinhos fazem
efeito e o nosso gps cerebral encontra o sono.
Era
um entardecer carioca quando ele me perguntou sobre mim, sobre minhas
aflições, cansaço, estudo, e se o travesseiro estava de bem com a minha
consciência e eu conseguia dormir tranquila sem precisar pedir ajuda
àqueles bichos brancos.
Tava bom o café?
Eu
disse. Eu falei. Eu perguntei aquilo. Saiu de mim a pergunta mais
esfarrapada do mundo, eu nem bebo café, eu odeio café, eu nem sei fazer
café. Eu jamais iria querer informações sobre a bonança do café que ele
tinha bebido há horas atrás antes de começar a falar e dissertar sobre a
sua vida.
Tava gostoso, aprendi a fazer.
Ele
respondeu. Pareceu não perceber que peguei a primeira saída da estrada
eterna sobre minhas lamentações. Achei que ele não tivesse visto meus
olhos bombeando sangue e imaginando uma resposta digna de um novo
assunto.
Por que você nunca quer falar de você?
Depois de rir demonstrando que nada tinha ficado escondido, ele me fez a pior pergunta que alguém pode fazer à mim na vida.
Pensei
em dizer que eu não falo sobre mim, ou, de mim, porque eu me decepciono
demais com quem eu sou ou com quem eu me torno diariamente. Pensei em
dizer que não falava de mim, ou sobre mim, porque era sufocante lidar e
conviver comigo, e que para discorrer sobre esse ser humano que escolhi
ser, precisaria abrir as janelas do apartamento 911 e gritar para os
sete cantos da cidade, tudo o que eu acho sobre, eu. E pensei tanto que
aquilo me engasgou e precisei tossir, depois dei um riso sem graça e
tentei imaginar qualquer outra coisa que eu pudesse falar e que não
demonstrasse que eu sou covarde demais pra contar pra qualquer pessoa
que seja- mesmo quando essa pessoa não é qualquer pessoa que seja- que
eu não sou tão legal assim, que eu fiz mal, que eu faço mal, que eu sou
chata,
que eu
que eu
que eu
que eu
que eu
que eu
que eu
que
eu falo qualquer coisa pra fugir do assunto “eu” e busco qualquer
coisinha microscópica que interesse mais as pessoas pra que eu fale
sobre essas coisas e consiga fugir de falar sobre mim. É que na verdade,
quando eu falo de mim, até eu tenho que me encarar, e aí começa a ficar
difícil.
Tava bom o café? Acho que vou provar.
Sophie Milk
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