Quando um jovem atravessa um campo de batalha, tudo o que ele mais
deseja é sair vivo do embate. E, se não for pedir demais, sair sem ser ferido,
são, para que seja de utilidade por mais anos.
Mas eu pedi demais. Eu pedi demais.
Voltei sem uma perna. Sem a perna direita.
Jogaram-me em um dos leitos que ainda sobravam. Um leito sujo,
abandonado ao canto da tenda movimentada e lotada de moribundos. Cortaram
minhas roupas, limparam minha enorme ferida e me deixaram ali, à deriva. Havia
outros de mim, diziam; eles estavam piores do que eu. Pior do que a falta de um
membro, de onde saía muito sangue.
Essa guerra ia de mal a pior.
Eu não queria ficar ali sozinho. Eu poderia estar morrendo. Lutei
bravamente por várias batalhas. Não queria esse fim. Não era essa a recompensa
que eu esperava.
Pedi que me trouxessem alguma companhia. Esperei por vários minutos,
sentindo muita dor. Precisava de alguém.
As enfermeiras me trouxeram ela.
Ela era pequena demais para ser uma enfermeira. Jovem. Com os cabelos
longos e lisos de uma princesa. Uma princesa que cuidava das pessoas. Tão
jovem! Veio até mim com o uniforme — uma vez — branco e curto, um chapeuzinho
caído e esquecido nos cabelos, que estavam sem o habitual coque das mulheres.
Com tanta gente ferida, por que ela arrumaria os cabelos louros?
Veio até mim com um sorriso. Mediu minha temperatura com a mão trêmula,
porém firme de determinação. Passou pano com água gelada em minha testa e
cabelos.
“Bela ferida você tem”, ela disse. E me fez sorrir com seu sorriso.
Seu nome era Blue. Ela tinha quinze anos. Era filha de uma enfermeira e
um general. Não queria estudar enquanto tantos outros morriam.
Eu estava morrendo?
Ela disse que, se estivesse, não precisava me preocupar. Não havia
muitas coisas bonitas para se olhar enquanto estava vivo. O Paraíso era a
melhor opção.
Mas ela estava enganada. Eu gostava de olhar seu sorriso. Era bonito.
Enquanto fazia o torniquete inútil em volta do que sobrou de minha perna
e passava o pano branco pelo meu corpo, ela me falava sobre algo muito legal.
Alguma matéria de escola. Não me lembro do que era, porque eu estava
concentrado no rosto dela. Era um rosto muito delicado. Não merecia ver todo
aquele horror.
Ela me perguntou sobre o que eu aprendia na escola. Eu disse que não me
lembrava. Não queria, na verdade. Disse a ela que o que os jovens de minha
turma mais queriam era se alistar para o exército. Vencer o país inimigo era o
objetivo de nossas vidas.
Ela riu de nossos objetivos. Não eram muito inteligentes ou alcançáveis.
Ri com ela. Ela tinha razão.
O sangue não parou de sair de minha ferida. Jorrava, jorrava e jorrava,
assim como sorrisos saíam da boca de Blue. Outra enfermeira veio ver minha
situação. Acho que não gostou do que viu, pois suspirou, abaixou a cabeça e foi
visitar outro leito.
Eu não me importava com minha situação. Estava tendo os últimos momentos
que merecia.
O canto de um pássaro era ouvido de longe, mas não podíamos ver de onde.
Esse som bonito se misturava com a risada de Blue, reação a alguma piada ruim
que balbuciei.
Será que eu ouviria a risada de Blue no Paraíso, que ela tanto
valorizava?
Isso não me importava muito.
Porque eu ouvia e via seu sorriso azul enquanto
viajava até lá.
Rocket Queen
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