Sou cria do Méier, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, e a Dias da Cruz é o meu divã. Há algo de prazeroso no asfalto quente que quando visto no horizonte forma ondas de calor. As buzinas cantam com a tia que reclama que o preço do feijão aumentou mais uma vez que canta com o ambulante leve três pague dois que canta com o moço da barraca de laranja que canta com o flamenguista de dedos grossos sentado na mesa do bar do Dário bebendo uma cerveja estupidamente gelada que canta com Elymar Santos. O cheiro do podrão de cinco reais de uma Kombi rosa chamada Michelle se mistura com o cheiro que sai do escapamento do 679 lotado que se mistura com o cheiro de pão fresco que sai da padaria Rainha todo dia às 16 horas.
Andar na Dias da Cruz durante a semana é um processo de sinestesia urbana. Dá pra sentir o gosto amargo do asfalto quente e os gritos dos feirantes lembram tons de amarelo pra combinar com o leão dourado símbolo do Imperator. Imperator, que foi um cinema clássico nas décadas passadas pra onde meus pais costumavam fugir no auge de sua juventude, hoje é o Centro Cultural João Nogueira, que vive lotado de estudante uniformizado do colégio Metropolitano que quando sai de lá vai para a feirinha do Mackenzie pra importunar a tia que vende biquínis fluorescentes. Que os amantes da literatura árcade me perdoem, mas é na desordem do meio urbano que encontro meu Eu no seu sentido mais genuíno. No final das contas, todas as narrativas do mundo se encontram na esquina de uma Dias da Cruz.
Skeeter
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