criaturinhas solitárias que precisavam muito de bons tratos. Eu estava só, divorciado, entre quatro
paredes. Quanto a você, não creio que ficou tão frustrado, dormiam do seu lado no condomínio,
muitos carros para conversar sobre a vida e as estradas que nelas percorreram. Porém todos ao seu
lado não compartilharam da sua solidão. Afinal você ficou bem velhinho e a juventude ao seu lado
o desprezou como se fosse uma máquina velha que vendemos no ferro velho da esquina.
Gostaria de estar sempre ao seu lado, mas por motivos financeiros, não pude segurá-lo nem
mesmo no INSS. Então você se foi. Não dei a assistência necessária para você sobreviver.
Estávamos numa perfeita “simbiose envelhecedora”. A cada dia mais uma camada de poeira se
depositava em sua carroceria, estava feio. Eu, desesperado em não poder ajudá-lo, me sentia
arrependido por tê-lo comprado, de possuir uma mercadoria vulgar, descartável, que se compra,
usa e joga fora. Eu o estava assassinando aos poucos.
Mas você não tem muito a reclamar, não é mesmo? Chegamos a nos divertir bastante,
lembra? Logo depois que o lanternei e coloquei uma bateria nova; pois é, foi muito maneiro:
pegamos uma praia, fomos ao cinema, passeamos pela ponte Rio - Niterói e até em supermercados
lotados, lembra? Muitos orgasmos você testemunhou! Quantas ruas você me levou, quantos
buracos fiz você entrar! Nossa, muita poeira que você engoliu! Seu carburador entupiu, sujou
demais. Você precisava mais do que uma revisão, uma recauchutada total, pneus novos, de um
regulador novo, de uma pintura nova, e, até de um dono novo. Este amigo velho, não lhe deu
compreensão e bons tratos. Estava liso de bolsos vazios e precisei vendê-lo; o que você temia,
morrer aos braços de outro.
Não gostaria que ficasse magoado comigo, por não fazer de você um “carro” como tantos
outros. Foi rotulado de “carroça” sem merecer. Ao se despedir, não fique com os faróis umedecidos
e baixos, que para mim, tenha certeza, será o caos. Mas uma coisa quero que se lembre sempre:
não colocarei outro em seu lugar! Ficarei de luto até que ache alguém com sua compreensão, que
possa percorrer outros caminhos e curtir as alegrias que tivemos juntos.
Se algum dia você me encontrar com outro num sinal, não vá ficar com ciúmes, e me dar
uma fechadinha. Dê apenas um piscada de farol para que o reconheça e saber que sente saudades.
E se acaso estiver de pintura nova, que não passe por mim despercebido, dê três buzinadas, mesmo
não lhe reconhecendo, prometo corresponder, porque nós nunca nos separaremos, adeus meu Fusca.
Juninho Adelaide
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