domingo, 16 de outubro de 2016


Além de auaus: onomatopeia traduzida

Parece que foi ontem quando a fome me atormentava e me fazia querer revirar tudo. Era loucura! Muitos cheiros misturados, poucas cores. Cada viela suja e longa e cheia de sacolas me parecia um banquete. Eu adorava! Comida! Tinha cheiro de coisa gostosa e ao afogar a cabeça ali eu sentia ainda mais forte o cheiro do resto de carne do restaurante que fica na esquina. Barbecue! Aí você veio na minha direção, passos largos, postura armada, braço esticado e eu corria pensando que iria me atacar como os outros grandes da rua. Foi quando me conquistou, ao ficar na minha altura e me passar a mão, delicadamente, olhando bem no meu olho. Teu cheiro era doce e ainda é. Eu sentia o calor das suas mãos grossas passar pelo meu pescoço e chegar bem perto daquela coceirinha, na orelha. Eu acelerei, por dentro. Minha pata esquerda sempre debate quando alguém encosta nessa orelha.
Parece que toda vez que eu como escondido aquele saco barulhento cheio de coisas miúdas que tem um sabor doce e muito alegre ou quando penso que seu chinelo tem o mesmo sabor daquela comida que você deixa de comer, você vai chegar falando muito alto e bem acima da minha cabeça e eu penso que vou ter que voltar para viela. Lembro do frio, me rebaixo, retraio e deito. Mas eu sinto seu cheiro chegando eu sei que vai ser muito legal e vai ter comida e você vai me chamar para dormir nessa coisa macia e branca que você deita sempre e vai me apertar e soltar uns sons que eu não entendo mas sei que é carinhoso e eu vou querer te devolver tudo. Eu te devo, e devolvo.
Parece que você fica bravo quando me chama para dormir na sua maciez e eu não olho e nem vou. Às vezes eu queria te cercar e ficar bem aquecido ouvindo seu rosnar engasgado e grosso que você faz ao dormir e virar um pouco pra não sentir o ar quente da sua boca meio azedo. Mas hoje eu não posso, porque tem um barulho lá fora e quem cuida disso sou eu, porque de mim cuida você e amanhã quando você acordar eu vou saber que você está bem e vou até sua cama. Aí eu começo a te falar tudo o que aconteceu e fico feliz e balanço o rabo e corro pela casa e pulo em você. Porque eu adoro muito você. E por amor, eu te devo. E quando eu não puder mais, lembre-se disso.



Oliver Fagundes

12 comentários:

  1. A proposta do POV de um cachorro é bem cumprida e a linguística desse texto é ótima, ela deu um tom leve e bonito. O final com "E quando eu não puder mais, lembre-se disso" é um desfecho forte, vejo isso como algo positivo.

    ResponderExcluir
  2. Gostei mt do texto e do seu desenvolvimento. Cumpriu-se com êxito a proposta do pov e a linguagem utilizada proporciona uma visão imagética da vida canina. O caráter antropológico é evidenciado na relação humana com os animais, bem como a função psicológica do texto é percebida quando cachorro sente-se grato pelo acolhimento e quer externuar esse agradecimento por meio da proteção ao dono. O título também faz-se mt interessante. Todavia, ao ler o texto, senti que houve uma mudança na escrita principalmente no final, o fechamento do texto foi realizado abruptamente. Penso que o final poderia ter sido bem melhor trabalhado, pois vejo repetições desnecessárias no último parágrafo q poderiam ser evitadas, como quando você frisa que "deve" algo a utilização de varios conectivos aditivos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. {...} e a utilização de vários conectivos aditivos em sequência."

      Excluir
  3. Gostei do texto e da proposta dele, no meio foi um pouco confuso e rápido mas acho que isso deve a associação do ponto de vista de um cachorro, o que me fez ter a imagem perfeita de um cachorro correndo de um lado pro outro! O título foi sensacional assim como o a frase final, cumprindo muito bem o caráter psicológico. No final, o ponto negativo foi que assim como a Nina, eu também percebi uma pressa para acabar, fique atento(a) a isso.

    ResponderExcluir
  4. O texto começa muito bem, com uma proposta de POV surpreendente. Demorei algumas linhas pra entender que sua personagem não era humana e achei gostoso descobrir isso. Durante o desenvolvimento, senti que o texto não pegou ritmo, o que quebrou um pouco minha expectativa. Mas mesmo assim, foi um bom texto. Gostaria de ver um final mais elaborado, que nos colocasse em contato com o íntimo dessa personagem!

    ResponderExcluir
  5. Do ponto de vista da linguística, o POV do cachorro é muito bem realizado a partir da linguagem usada para a narração. Não é formal, não usa palavras muito específicas, ao invés disso, explica o que é. Por exemplo, o ronco: "eu rosnar engasgado e grosso que você faz ao dormir".
    Gostei bastante, mas houveram muitas repetições no final.

    ResponderExcluir
  6. Bonito demais seu texto. A linguagem utilizada me permitiu imaginar um cachorro, e sentir simpatia por ele. Gostei do POV e também de como a questão da gratidão foi demonstrada. Parabéns!

    ResponderExcluir
  7. A linguagem foi fundamental para que o leitor pudesse imaginar a situação que narrou embora eu não tenha percebido logo de cara. O tema ficou bem claro e foi trabalhado de um forma bastante interessante.

    ResponderExcluir
  8. As características do texto se completam em torno do tema. A linguagem, a caracterização dos personagens e o POV, todos muito bem feitos ajudam a fácil compreensão do texto.

    ResponderExcluir
  9. Os elementos descritivos foram muito bem utilizados, o modo com que você desenvolveu o texto traz toda uma ambientação. E o final foi muito bonitinho.

    ResponderExcluir
  10. Esse ponto de vista do cachorro foi bem legal, passou uma mensagem de amor e faz até lembrar de bichos meus que já se foram. Porém, não achei bem escrito, repetindo muito que e meio afobado. Minha teoria é que você escreveu como se fosse o próprio pensamento do cachorro, espero que seja isso.

    ResponderExcluir
  11. Um texto leve de se ler. E o pov do cachorro foi uma boa proposta

    ResponderExcluir