Vida desfeita
Era
estranho me ver ali. Ou melhor, ver meu corpo ali. Dizem que antes da gente
morrer passa um filme de nossa própria vida bem diante de nossos olhos. Comigo
não ocorreu isso. Fui atingida por uma bala perdida enquanto descia minha rua
que fica em uma favela no Rio de Janeiro. Tinha acabado de sair de casa e
estava indo para a escola. Era dia de prova final de matemática. Eu era péssima
em matemática, mas havia estudado muito pra esse dia.
Em
questão de milésimos de segundos me desliguei desse mundo. Da minha vida, das
minhas condições e preocupações. Por causa de um buraco do lado esquerdo do meu
peito eu tive que deixar de lado meus pais e dois irmãos, além do carinha do
colégio de quem eu estava afim.
Sou
uma adolescente de 16 anos que não vai mais ter que decidir qual será a roupa
que vai usar no rolê com a galera na sexta e nem contar pra melhor amiga que o
ficante dela é um babaca porque deu em cima de mim. Muito menos reclamar do
barulho da obra interminável do vizinho que me impedia de estudar matemática.
Me tiraram as brigas com meus irmãos, as aulas do cursinho de inglês e também
os capítulos da minha novela favorita. Agora não tenho mais nada disso.
Não
sei de onde veio essa bala. Pra mim isso não importa agora. O que importa é que
sou um fantasma. Um espírito. Uma alma. Seja lá no que você acredite, sou
qualquer coisa que não tem mais um vínculo com nenhuma das coisas que fazia
parte da minha vida. Eu deveria estar vendo tudo passar como um filme, como eu
disse. Mas não vejo. Só vejo muito choro e desespero daqueles que me amavam. Aqueles
que não vou mais poder abraçar e dizer que os amo também.
Você
deve estar pensando o quão estranho é esta situação em que me encontro. Não
tenho mais vida em carne, não sei pra onde vou e nem mesmo o que sou agora.
Esse lance de separar alma do corpo, vida e morte, é realmente muito louco. Mas
por mais que isso seja muito assustador, tudo que eu consigo sentir é tristeza.
Tenho certeza que se isso não tivesse acontecido comigo, eu teria feito aquela prova
de matemática e teria sido aprovada. Uma pena.
Ba2007
Adorei a criatividade e a forma como a personagem tratou o caso da bala perdida como banal, se preocupando mais com a prova. É um texto perene, rompe as barreiras do lead, por ter um quê subjetivo
ResponderExcluirA não especificação de muitos detalhes e a bala perdida dão ao texto permanência no tempo. A retomada da prova no final deu um certo humor ao que estava triste e reflexivo. Gostei de como a separação é tratada no sentido do "corpo"
ResponderExcluirMuito bom esse texto, bem original e a preocupação com a prova de certa forma causa uma quebra de expectativa. Embora tenha um tom melancólico, o final é até bem humorado
ResponderExcluirMaravilhosoooooooooo! Bom demais! Diferente dos clichês vistos abordou a separação de forma diferente com presença de tons jornalísticos (lead). Amei
ResponderExcluirMaravilhosoooooooooo! Bom demais! Diferente dos clichês vistos abordou a separação de forma diferente com presença de tons jornalísticos (lead). Amei
ResponderExcluirsensacional! não tem nem o que dizer sobre esse texto!!!!!!! ultrapassa os limites da realidade, é perene, exerce cidadania, nos faz refletir sobre a vida... enfim!!!!!!!
ResponderExcluirsensacional! não tem nem o que dizer sobre esse texto!!!!!!! ultrapassa os limites da realidade, é perene, exerce cidadania, nos faz refletir sobre a vida... enfim!!!!!!!
ResponderExcluirGostei muito do tema escolhido, parabéns! Tenta prestar um pouco de atenção com as vírgulas e pontos, pra dar mais ritmo e sonoridade ao texto.
ResponderExcluirMuito bom o texto. O tema da separação é tratado de forma muito diferente, e o pov de alguém que morreu foi muito bem feito. Além disso, ficou muito legal a retomada à prova de matemática.
ResponderExcluirEm uma palavra? Divino. Texto super original e bem abordado. Parabéns!
ResponderExcluirO texto foi maravilhoso! E até agora foi que mais me causou empatia. Me emocionei e seu eu pudesse, correria agora para dizer o quão importante são as pessoas para mim. Parabéns, o POV foi trabalhado muito bem!
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