domingo, 18 de setembro de 2016

Além da janela do metrô.


Tenho tendência a passar das estações de metrô com facilidade. Normalmente costumo me perder no imenso mundo colorido que suspende meus olhos para além da realidade. E quem nunca perdeu longos momentos olhando as janelas, seja do ônibus de viagem, ou mesmo da carona daquele amigo inusitado do trabalho, sentindo que o mundo fora da janela é tão grande, distinto e iluminado. Uma imensidão de pessoas, principalmente na volta da central do Brasil, ou em outras centrais, mergulhando no refluxo das cidades, todos esgotados e com sentimento de que aquele era só mais um dia, com a imaginação consumida pelos problemas cotidianos, como as despesas familiares, as negociações que não foram feitas, os estudos que não se concluíram, o amor não correspondido... Por mais que façamos tantas coisas, parece que estamos sempre devendo algo, não nos importamos com o que fizemos, mas com aquilo que ainda não realizamos. Semana passada, deparava-me com o estudo do recalque no mais puro sentido Freudiano, as leituras indicaram que tal mecanismo era mera defesa de nossos corpos para adequação moral dos controles sociais. Refletia a respeito de quantas coisas será que minha mente já bloqueou, seja os instintos agressivos como matar ou o mais recorrente, o desejo que bate mais em minha porta mais do que as devotas testemunhas de Jeová, que é o de fazer o bem não importa a quem. Quantas vezes eu sonhei que saia correndo pela cidade beijando todos os padeiros e fiscais de ônibus, pelo fato de me permitirem comer aqueles deliciosos doces e andar de transporte público sem que o motorista me deixe a pé. Muitas vezes pensei em abraçar os mendigos, alimentá-los, em cortar o cabelo de todos eles, cuidar melhor de mim, gastar menos, gastar mais, visitar meu esposo no trabalho e presenteá-lo com rosas, fazer cafuné em desconhecidos... Tantas coisas apenas feitas em meus sonhos, no mundo que eu criei além da janela do metrô, e quando retomo a consciência, já passei duas ou três estações.

Piper Chapman

10 comentários:

  1. Achei interessante a visão do recalque como repressão das coisas boas que temos em nós também, e não só as ruins.

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  2. O texto é bem interessante e com uma linha de criação única, gostei bastante e até me identifiquei. Parabéns.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. achei curiosa a maneira que citou o recalque de forma explícita mesmo, falando sobre a matéria em si, e não com um exemplo. Clodovil viu e gostou

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  5. gostei! texto bem pessoal mas não deixou de ser criativo na forma de ver as coisas

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  6. gostei! texto bem pessoal mas não deixou de ser criativo na forma de ver as coisas

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  7. A forma como você abordou o recalque foi direta, e muito diferente das outras vistas aqui. Além disso, gostei muito desse relato de como podemos "viajar" sem nem sairmos do lugar, vivo isso. Parabéns.

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  8. Pude visualizar perfeitamente o momento descrito. O texto foi fluido e causou empatia!

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  9. O texto foi muito bem escrito. A questão do recalque foi abordada de forma bem criativa. Além disso percebi uma crítica à rotina repetitiva das pessoas. Muito bom, parabéns!

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  10. Gostei da forma de recalcar coisas que também são boas. Mas a pontuação do texto me deu agonia.

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