Tenho tendência a passar das estações de metrô com facilidade. Normalmente costumo me perder no imenso mundo colorido que suspende meus olhos para além da realidade. E quem nunca perdeu longos momentos olhando as janelas, seja do ônibus de viagem, ou mesmo da carona daquele amigo inusitado do trabalho, sentindo que o mundo fora da janela é tão grande, distinto e iluminado. Uma imensidão de pessoas, principalmente na volta da central do Brasil, ou em outras centrais, mergulhando no refluxo das cidades, todos esgotados e com sentimento de que aquele era só mais um dia, com a imaginação consumida pelos problemas cotidianos, como as despesas familiares, as negociações que não foram feitas, os estudos que não se concluíram, o amor não correspondido... Por mais que façamos tantas coisas, parece que estamos sempre devendo algo, não nos importamos com o que fizemos, mas com aquilo que ainda não realizamos. Semana passada, deparava-me com o estudo do recalque no mais puro sentido Freudiano, as leituras indicaram que tal mecanismo era mera defesa de nossos corpos para adequação moral dos controles sociais. Refletia a respeito de quantas coisas será que minha mente já bloqueou, seja os instintos agressivos como matar ou o mais recorrente, o desejo que bate mais em minha porta mais do que as devotas testemunhas de Jeová, que é o de fazer o bem não importa a quem. Quantas vezes eu sonhei que saia correndo pela cidade beijando todos os padeiros e fiscais de ônibus, pelo fato de me permitirem comer aqueles deliciosos doces e andar de transporte público sem que o motorista me deixe a pé. Muitas vezes pensei em abraçar os mendigos, alimentá-los, em cortar o cabelo de todos eles, cuidar melhor de mim, gastar menos, gastar mais, visitar meu esposo no trabalho e presenteá-lo com rosas, fazer cafuné em desconhecidos... Tantas coisas apenas feitas em meus sonhos, no mundo que eu criei além da janela do metrô, e quando retomo a consciência, já passei duas ou três estações.
Piper Chapman
Achei interessante a visão do recalque como repressão das coisas boas que temos em nós também, e não só as ruins.
ResponderExcluirO texto é bem interessante e com uma linha de criação única, gostei bastante e até me identifiquei. Parabéns.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirachei curiosa a maneira que citou o recalque de forma explícita mesmo, falando sobre a matéria em si, e não com um exemplo. Clodovil viu e gostou
ResponderExcluirgostei! texto bem pessoal mas não deixou de ser criativo na forma de ver as coisas
ResponderExcluirgostei! texto bem pessoal mas não deixou de ser criativo na forma de ver as coisas
ResponderExcluirA forma como você abordou o recalque foi direta, e muito diferente das outras vistas aqui. Além disso, gostei muito desse relato de como podemos "viajar" sem nem sairmos do lugar, vivo isso. Parabéns.
ResponderExcluirPude visualizar perfeitamente o momento descrito. O texto foi fluido e causou empatia!
ResponderExcluirO texto foi muito bem escrito. A questão do recalque foi abordada de forma bem criativa. Além disso percebi uma crítica à rotina repetitiva das pessoas. Muito bom, parabéns!
ResponderExcluirGostei da forma de recalcar coisas que também são boas. Mas a pontuação do texto me deu agonia.
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