DA SOLIDÃO AO RECALQUE

Costumo planejar. Eu vejo graça em uma rotina organizada, programações na agenda e esquemas no quadro de avisos. Desde coisas cotidianas e necessárias para um bom funcionamento da vida até planos mentais de sentimentos e emoções que eu poderia e deveria sentir. Por exemplo, eu gostava de planejar ficar sozinha quando sabia que as pessoas que eu amava estavam por perto. Porém, hoje, longe de todos, eu definitivamente não planejei aproveitar o silêncio da solidão. Eu acordei com essa necessidade inquietante de conversar, tocar, sentir alguém. Realmente, isso não aconteceu, não como eu imaginava, mas também não se perdeu em meio a fumaça do cigarro. Pois, aqui estou eu fumando na varanda do apartamento ás 3:24 da manhã e não me sinto sozinha. Isso porque tem um grupo de amigos cantando Engenheiros a duas varandas acima da minha – uma pausa para ressaltar como a voz de um dos caras é idêntica a do Humberto Gessinger (seria ele? nunca vou saber). Talvez, de fato, eu cantando Refrão de Bolero com vizinhos que não sabem da minha existência, seja uma cena patética. Mas são estas cenas que me fazem questionar esses planos que eu insisto em incluir em mim mesma, na ilusão de que eles me fazem bem. Essas cenas são recalques porque elas só aparecem quando planejo sentir justamente o contrário. Aquilo que tende a voltar vem como um lembrete para respirar o presente. Eu volto a sentir esta necessidade da alma de ter uma perspectiva única de que um futuro deve ser feito de planos que nunca foram concluídos. Na solidão, ou não. Só respira.

Lyss 2743