domingo, 18 de setembro de 2016

NUTS MAN

Estava eu hoje pronto para mais um dia cansativo de trabalho. Me arrumei e peguei o ônibus por volta das sete horas, como era de costume, já preparado para sofrer abuso do meu espaço. Quando entrei uma surpresa: o ônibus não estava lotado. Havia ar para respirar ali dentro e até alguns lugares vazios.
Entrei e me encaminhei para o fundo do ônibus, sentando-me ao lado de um homem de aparência exemplar, vestido com um terno e o cabelo bem arrumado. Ele estava postado de modo tranquilo, observando tão distraidamente a paisagem da rua que nem me cumprimentou quando eu lhe disse “bom dia”. Sentei-me ali de qualquer jeito e puxei a minha barrinha de nozes que tinha levado para complementar o rápido café da manhã.
Assim que eu abri e mordi um pedaço me deparei com os olhos arregalados e vidrados do homem no conteúdo em minha mão. Fiquei tão assustado que por pouco não cuspi a barrinha na cara dele. Ele permaneceu vidrado espantosamente na minha barrinha até eu chegar na metade, quando eu não aguentei mais e lhe ofereci um pedaço. Ele respondeu que não, que era alérgico à nozes e virou seu rosto de volta à janela.
Após xingar internamente o cara de maluco, voltei a ingerir minha barra de nozes aliviado até que algo no homem me incomodou novamente. Ele agora, olhando para a janela, tremia. Tremia a boca e as mãos de maneira que me fez pensar que estivesse iniciando uma convulsão. Perguntei imediatamente se estava tudo bem com ele e depois de passado algum tempo, quando achei que ele já não ia me responder ele disse: “Juliana”. Eu não entendi mas ele repetia: “Juliana” , “Juliana”... Eu, com mais medo que antes, cutuquei-lhe o ombro e quase me urinei quando ele se virou instantaneamente e disse: “Ela não quis. Ela não me amava. Nunca me amou.” . “Do que você está falando?” , eu perguntei, quando deveria ter saído correndo do ônibus. Mas ele felizmente me esclareceu tudo. Em resumo, Juliana havia sido o grande amor da vida dele, mas ele nunca havia dito a ela( como sempre), até que um dia, no aniversário dela, ele resolveu comprar-lhe uma grande caixa de bombons com nozes dinamarqueses. Gastara toda sua economia daquele ano para isso e quando a procurou para dá-la o caro e profundo presente, a viu aos beijos com outro cara. Ele ficou tão triste que voltou pra casa e amassou a caixa de chocolates inteira e depois tacou fogo nesta. Ao fim da história, ele se desculpou pelo comportamento estranho com um eu completamente atônito e disse que isso já havia acontecido antes toda vez que ele via algo com nozes mas que não se lembrava muito bem pois era uma reação que ia e voltava sem o consentimento dele.
Desci do ônibus em frente ao trabalho dois pontos depois e fiquei parado observando o ônibus ir enquanto refletia sobre o que acabara de acontecer. Aquele homem poderia rapidamente esquecer o que houve, mas aquela lembrança “recalcado das nozes” dificilmente seria apagada tão cedo por mim.


Littlefinger

4 comentários:

  1. Um texto bem envolvente e me prendeu até o fim. Talvez esperasse mais do final, mas mesmo assim não deixou de ser uma boa história

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  2. Gostei do texto mas não do final, acho que colocar a palavra recalque ou qualquer derivada dela estraga um pouco o texto.

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  3. Gostei bastante do texto, que mostra uma história de recalque um pouco diferente das que vemos aqui. A escrita foi muito boa, e a leitura gostosa, prendendo o leitor. Além de tudo, achei divertida a situação descrita. Parabéns.

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  4. O texto tem uma leitura fácil e envolvente. Notei um duplo sentido pra questão do recalque no final, porém acabou ficando bem explícito.

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