Você lembra?
Não vou enganar que sempre me senti
privilegiada por ter crescido em bairro nobre do Rio. Por ter frequentado as
melhores escolas, por ter feito ballet, ter estudado francês, por conviver com
pessoas influentes. Isso é tudo que os pais sonham em proporcionar para os
filhos. Desde que eu nasci, Verinha trabalha lá em casa. Ela uma daquelas
pessoas que entram em sua vida se torna da família. Talvez seja porque trazia
suas filhas para brincar comigo aos sábados, talvez por me contar as melhores
histórias, talvez pelos biscoitos caseiros ao final da tarde. Verinha é como
uma mãe pra mim.
Sou filha única e planejada. Meus pais
coincidiram meu nascimento com as férias de mamãe, que ainda com a licença
pouco conseguiu acompanhar meu crescimento diário. Não a culpo. O trabalho a
impediu que assistisse o meu primeiro passo. Nem mesmo papai, que por cansaço,
não estava para vibrar comigo naquela manhã de sábado que pedalei pela primeira
vez sem rodinhas na lagoa. O sucesso profissional deles era o meu. Eu tinha que
entendê-los.
Só que lembra quando você aprendeu a
comer sozinho? Quando o seu primeiro dente caiu? E quando você deu o primeiro
laço sozinho no tênis, que mesmo mal feito, alguém insistiu em dizer que estava
perfeito? Então, Verinha estava sentada a minha frente na primeira colherada,
estava também tentando desenterrar meu dente da maça que eu mordi. E sim, ela
comemorou quando eu dei aquele laço frouxo.
Verinha não podia morar num
cartão-postal, não teve condições de pagar uma boa escola para as suas filhas,
um intercâmbio para que elas aprimorassem o francês, nem proporcionar que elas
pudessem compor, quem sabe, um grupo de dança clássica como eu. Só que melhor
que ninguém, valorizou momentos que transcendiam a convenção social. Eu vivi
uma vida querendo estar ali, naquele bairro que o carteiro é amigo do Sr. Zé da
padaria, que eu pudesse ser conhecida como "a menina de Verinha". Não
me envergonho de confessar que cobiçava aquela vida. Envergonho-me de olhar
para o joelho e não ver aquela cicatriz como faziam elas: as meninas de
Verinha.
Sam Castiel
Muito bom!! Achei bem escrito e legal o fato da inveja ser das coisas simples, diferente do que se esperaria
ResponderExcluirLindo texto! Abordou uma temática bem cotidiana e recorrente por uma perspectiva diferente e surpreendente.
ResponderExcluiramei! exerceu cidadania e criou uma proximidade com o leitor.
ResponderExcluiramei! exerceu cidadania e criou uma proximidade com o leitor.
ResponderExcluirA maneira que cita situações que todos passam cria aproximação com o leitor, além de a narração em primeira pessoa dá um clima de confissão. Achei legal e o tema exerceu cidadania.
ResponderExcluirGostei muito do texto! E acho que aborda, além da inveja, um assunto bem recorrente e até mesmo delicado.
ResponderExcluirGostei muito do texto! E acho que aborda, além da inveja, um assunto bem recorrente e até mesmo delicado.
ResponderExcluirGostei a forma que trabalha o tema proposto e exerce a cidadania.
ResponderExcluirGostei como trabalhou que mesmo tendo tudo do material, não estamos completos sem o essencial que é dividir momentos com quem amamos. Acho um texto perene e bem emotivo. Parabéns!
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