sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A felicidade é uma arma quente

E agora, homem. Onde estão tuas roupas? Como contarás aos teus pais que fantasmas te perseguem? Como cruzarás a esquina temendo a assombração? Como podes dizer que eu levo tudo para o lado errado? 

Agora que estás exposto, só nos resta descobrir se és disposto a conviver com o peso de tuas palavras. Sei que teus ossos não racham. Que teus músculos não gritam. E que tua carne não é podre. Mas agora tu tens medo, homem, e dor maior que a antecipação não existe. 

Acontece que pensamentos voam como águia, fluem como água, pairam no ar, e qualquer oportunidade de solidificá-los nos é sedutora - mas tu o fizeste no lugar errado, no momento mais inoportuno possível. Porque qualquer oportunidade de ressignificá-los é também atraente aos olhos de quem é cego, homem. E tu não és cego. 

Mas agora como voltas à luta? Como usarás dos teus olhos, que veem, para trazer a luz quando a confundem com a escuridão? Como ousas levantar a espada em direção ao discurso ao qual juramos defender? Como ousas içar a bandeira inimiga em nome de nossos votos? Como ousas cogitar a ideia de que qualquer canto seja maior que a vida de qualquer pessoa?

Creio que pensavas ter privacidade, pena que o mundo seja sempre mais atento àqueles que erram no momento em que erram. Pena que sejamos imperfeitos, mas eu torço para que esse quadro não passe de fato pela tua cabeça. Sei que é mais fácil menosprezar a existência daqueles que nos são divergentes, principalmente quando nos machucam. Sei que soa utópico imaginar que haja uma solução livre de sangue, mas a utopia serve para caminharmos. E por favor, não te rebaixes ao nível daqueles que nos esforçamos para desconstruir. Por favor, homem, não caminhes para trás. 

E agora, homem, eu te desejo forças. E agora, homem, te suplico que não sejas menino. Porque tu não podes pensar que és sozinho no mundo. Porque tu não podes pensar que tua voz beijará os ouvidos alheios assim como saiu de tua boca.  Porque tu não queres dormir com fantasmas. Porque tu não podes imaginar como pesa um homem morto. Porque, apesar de tudo, a felicidade não é uma arma quente. E nunca será.

Adam Sandler

3 comentários:

  1. Achei interessante como você aborda um tema tão moderno (linchamento virtual, no caso) com uma linguagem bem arcaica e poética. Enquanto leio, parece que estou com uma carta de página amarelada nas mãos... e isso é bom, trouxe beleza a um assunto tão pesado e complexo.

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  2. Adorei a utilização de uma linguagem poética, ficou muito bem escrito sem prejudicar o entendimento do texto. Amei as referências musicais, você soube encaixá-las perfeitamente! Mais um ótimo texto, Adam!

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  3. Achei ótima a linguagem utilizada e a construção da narrativa com diversas perguntas e com conselhos no final. Essas características me fizeram ficar presa e envolvida no texto. Você escreveu muito bem a sua crônica, Adam!

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