sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Exatidão

       Sentei na grama sem me preocupar com os possíveis formigueiros que eu sabia existirem ali. Pouco me importavam as picadas; por aquela vista tudo valia a pena. O sol já saíra de seu auge e ia sorrateiramente se escondendo para além de onde a vista alcançava. Sua aquarela laranja-rosada espalhada pelo céu era entrecortada por tufos verdes de grama alta que balançavam ao bem querer do vento como em um filme indie adolescente americano. Não fazia mal me imaginar como um clichê. Pelo o contrário, era até bom. Se eu estivesse vivendo em um, então saberia como agir e o que sentir.
     A ponte como sempre ditava sua soberania, deixando seu rastro escuro pelo horizonte, inconfundível com os contornos dos prédios ao longe. Eu tinha lido sobre ela. 13.290 metros de comprimento. Impressionante. Mas não chegava aos pés do nosso número. 23.290 mensagens de texto. Isso sem contar com as conversas que apaguei depois que você trocou de número quando se mudou. É… essa ponte se acha tão grande, mas seriam necessárias quase sete mil versões dela para me ligar diretamente até você.
Observo os carros que consigo distinguir cruzando os 13 quilômetros de concreto e penso em quantas narrativas passam por ali todos os dias. Milhares e milhares de histórias, tão próximas umas das outras, e que talvez nunca mais tenham a oportunidade de se cruzar, assim como as nossas. Milhares e milhares de rostos, pensamentos, sentimentos e saudades que nunca poderei medir. Li também que mais de 150 mil veículos utilizam a Ecoponte por dia. Cento e cinquenta mil pontinhos para lá e para cá diariamente. Você sabia que nosso relógio marcou 23.328.000 segundos antes de expirar? Segundos que passaram como pequenas manchas, de um lado para o outro, até perderem-se de vista, até eu me perder de você.
Gosto daqui. Gosto de sentar abraçando meus joelhos e entortar meu pescoço em uma tentativa dolorosa de saborear a paisagem por completo. Agora balanço junto com a folhagem, me deixo levar pelo vento também. Sabe aquela música da garotinha que perde o anel no mar e nunca mais o encontra? Sempre a achei especialmente triste e nunca entendi porque alguém escreveria uma história tão frustrante tendo o poder como autor de alterar seu destino. Acho que ainda penso assim, mas a música talvez tenha começado a fazer certo sentido agora. Também perdi algo nesse mar gigantesco que acolhe e separa a gente. Não sei se algum dia vou voltar a vê-lo. Quem sabe? Talvez em um certo futuro essa ponte realmente seja o bastante para que eu te reencontre, talvez algum dia ela consiga enfrentar de vez as águas e fazer com que nossos ponteiros voltem a se enlouquecer, apressando os segundos como carros para lá e para cá.

Souza Queiroz

2 comentários:

  1. meu coração ta transbordando cara. a parte das mensagens de textos é realmente tocante. o final é de fato a cereja do bolo: muito bem fechado, junta tudo de forma perfeita. a cronica é sensível, mas com a dosagem certa. incrível, incrível, incrível.

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  2. Parabéns pelo texto!! Você brinca com as palavras e com as informações criando um desenvolvimento perfeito para a crônica.

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