sexta-feira, 8 de novembro de 2019


Me fundi em impulsos

     Ela vinha de frente- quase num impulso- em direção a mim e meu coração palpitava como se bombeasse álcool: um completo descontrole que só poderia dar em qualquer inconsequência. O vão central entreaberto que separava minha boca da dela se fechou e conectamos Rio a Niterói numa ânsia louca. Nos jogamos da ponte em outro ato impulsivo -do pé que impulsionava o chão e subia rumo a liberdade-. Meu corpo espatifou na água ao vê-la desenhando felicidade pra mim e me amoleci. Te amei tanto que me fundi.
     Nossos corpos eram banhados por fluidos e a gente nadava inconsequente rumo a lugar algum. E, nesses passos, fui deixando a água levar meu corpo pra longe (dela). Entrava em estado de fusão e empurrava de barriga o que restava para acompanhá-la. Virei inconstante: fluía e fundia. Minha mente líquida se esvaía com pensamentos de impermanência. Meu corpo sólido, se enrijecia como pedra, mas a água era mole. Mole demais pra uma pedra dura que, de tanto bater, furou.
     A baía de Guanabara que, antes envolvia meu corpo, agora, perpassava minhas células. Minha mão se perdia da dela, como um laço desfeito quase naturalmente. Comecei a nadar contra seu corpo por impulso (do meu pé na água), mas a correnteza não estava satisfeita e me arremessou contra ela. Assustada, me levantei e a encarei de frente, pedi perdão. Ela não percebeu, pensou que fosse água respingada e meu pedido de perdão da superfície jamais chegaria em tamanha profundidade. Passei a ser completamente fluida e transparente para ela. Superficial, eu não era mais percebida ou escutada.
     Barcos precisam, para navegar, desatracar. E eu passei a carregar o peso de ser inconstante, impermanente e impulsiva, âncora. Que ela seja livre como um navio que navega soprado pelo vento, desamarrado e inalcançável. Quanto a mim? Que eu um dia aprenda que amar é sobre libertar. E que eu ame sua liberdade como amo sua presença. E que eu me liberte das minhas próprias cordas e do meu próprio peso de me fundir a qualquer instante.
Desceu Quadrado


3 comentários:

  1. eu gostei TANTO! caramba, isso é poesia pura.
    tem algumas partes confusas mas são mínimas. ótimo texto!

    ResponderExcluir
  2. Crônicas que falam de amor são sempre as melhores! Nessa seu texto consegui perceber como você se sentia do início ao fim...Acho que todo ser humano com sentimentos gosta dessas sensações

    ResponderExcluir
  3. Adorei sua crônica! As comparações feitas ao longo do texto entre a ponte, a baía e seus sentimentos foram ótimas. O texto ficou leve e profundo, na medida certa.

    ResponderExcluir