sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Uma questão de curiosidade


Eu vivo porque ninguém me contaria como seria o amanhã.
Isso é o que impede meu corpo de cair por essas águas turvas e chamativas da gigante poça que beija o estado fluminense. Mas por favor, não o confunda com um discurso depressivo ou mesmo com mais um exemplo da crescente onda niilista que torna tudo cada vez mais líquido: na verdade, é apenas uma questão de curiosidade. Ao contrário do gato, que por ela morreu, eu vivo porque morreria de vontade de saber como teria sido. Ok, poupe-me do papo de que o agora é uma dádiva, e por isso se chama presente. Um par de meias continua sendo um presente, mesmo eu não dando a mínima pra ele. Mas antes de sair do embrulho, ele pode ser absolutamente qualquer coisa, saca?

Falando em meias, eu juro que consigo ver uma daqui, boiando sem rumo por entre coliformes fecais e em direção ao nada. Assim como boiava Arariboia quando cruzava a nado toda essa água apenas para chegar ao outro lado. Assim como eu quando pego as barcas. A diferença é que não existe uma estátua minha admirando a tão empolgante paisagem da Visconde do Rio Branco, e muito menos sou uma meia. Também não gosto de pensar que sou inteiro, mas isso é outra estória.

A verdade mermo é que nem eu concordo totalmente com o que digo. Esperar pelo futuro não faz sentido se você não aproveita o hoje, até porque este já foi futuro um dia, e aquele nunca de fato chegará. Mas ainda assim sou curioso, e assim o sou por ser insatisfeito. Tal insatisfação me faz esperar que o próximo par de meias seja sempre mais interessante que o anterior. Me faz pensar que não estar lá para recebê-lo seria um pecado – literalmente – mortal. Isso justificaria gastar tanto tempo acreditando em mentiras. Isso justificaria gastar tanto tempo acreditando em qualquer coisa.

Penso que essa estrutura de concreto e metal abriga o vazio de tanta gente que fica cheia todos os dias. Quiçá estejam certos os conspiracionistas e toda essa ponte caia, afogando todas as almas penadas que nunca ao menos tiveram tempo para respirar. Enquanto isso não acontece, elas continuam a andar de mãos dadas a dez palmos de distância uma da outra, em uma mistura de histeria coletiva e solidão individual que fode toda uma geração. Creio que no futuro isso mude, mas seria inocência minha acreditar que não vá existir outra coisa para foder a todos bem como nos fodem hoje: é apenas uma questão de imaginação - a única coisa da qual nunca irão nos privar.  

Vendo por este ângulo, até que a água não é tão suja, até que o céu não é tão igual ao meu. Até que eu me orgulho de ser baiano de Guanabara e, enquanto o vento bater e meu cabelo voar, que eu me esforce para sê-lo. E que eu faça das experiências um motivo para me olhar no espelho, sem me apegar às identidades. Pois se meus olhos sorriem, meu rosto se esvai; se meu rosto brilha, meus olhos piscam. O empirismo nunca é completo, e ainda bem. O quão chato seria o mundo se não houvesse nada de você para acrescentá-lo?
Adam Sandler

4 comentários:

  1. bom, mas poderia ter se aprofundado mais no tema.

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    1. acho que entendo o que tu quer dizer, mas tipo, realmente foi a intenção falar mais sobre o eu-lírico do que sobre a paisagem, pq no fim é o interior dele que determina como ele a aprecia. Saca?

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  2. As suas referências continuam ótimas, me impressiono com suas escolhas.

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