sexta-feira, 8 de novembro de 2019

O ecoar da vida

Um dos mais belos cartões postais do Rio de Janeiro guarda, em cada detalhe que o compõe, resquícios de histórias comoventes e revoltantes. Os extremos se juntam no vai e vem da correnteza da baía que quando recebe ventos do leste, assopra os males e lixos que a constitui. As vigas de ferro que sustentam a extensa ponte, por sua vez, não escondem a fraqueza daqueles que, em seus carros, levam uma vida infeliz e uma rotina cansativa.
Mas tem aqueles também que - quando de férias - passam a 80km\h com seus sons na altura das gaivotas que por ali percorrem, numa mistura nostálgica de Tim Maia, freando com Djavan e mudando de marcha ao som de Caetano. Para os mais reservados o vidro dos carros abafa a música, mas o atendente do pedágio sabe que, quando menos esperar, num sol de meio dia, irá se deparar com um grupo de amigos indo para mais um feriado na região dos lagos.
O luar, estrela do mar
O sol e o dom
Quiçá, um dia, a fúria desse front
Sorte teríamos se todos nós pudéssemos caetanear o que há de bom por aí. Mas a arte quando vista como incômodo é gravemente censurada. E essa paisagem de tirar o fôlego tem sido palco rotineiro para agressões contra os artistas que se apresentam nas barcas. Policiais, sem o menor pudor, protegidos por uma lei que cerceia a arte popular agem de maneira violenta. E o clima pesado já não pode mais ser afagado pela brisa da baía, o trajeto que era comumente acompanhado por uma trilha sonora agora é obrigado a ser feito diante a ausência do sorriso dos cantores.
 Não é a primeira vez em que a beleza do lugar esconde as injustiças sofridas por alguns, sendo necessário, portanto, reafirmar que nem só de pôr do sol se constitui uma paisagem. Seja de qual lado você esteja, carioca ou fluminense, apenas o ângulo muda, mas a brisa é a mesma, o cheiro é o mesmo e - acima de tudo - a beleza é a mesma.  As pessoas e suas histórias que contribuem muito para fazer da arte, vida.
-       Oblíqua Matoso

2 comentários:

  1. adorei as referências e o punho social. uma crônica bastante criativa, parabéns.

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  2. Essa é uma das minhas crônicas favoritas de todas, sério! Você conseguiu cativar o leitor com esse tom poético e criticar muito bem esse problema social que talvez alguns nem reparem. Você é muito sensível e escreve demais.

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