sexta-feira, 15 de novembro de 2019


Auto da Barca do Inferno: O Professor


Professor: Onde estou? Mas que barcas são essas!?? Aqui com certeza não é a Praça XV!
Diabo: A barca não chegou na Praça XV... sendo assim, bem vindo a lugar nenhum.
Anjo: Na verdade, aqui é uma espécie de purgatório, um lugar de reflexão.
Diabo: Ah! mas como me enojam essas suas pieguices, lugar de reflexão o caramba!, ele está aqui para ter seu destino traçado!
Professor: Espera, que história é essa!? Eu morri!?
Anjo: É, sim. A barca naufragou na baía de Guanabara e agora estamos aqui, reunidos em busca de uma resposta, afinal você virá comigo ou partirá com ele?
Professor: Não, não pode ser, isso é um sonho, um pesadelo, daqui a pouco eu acordo.
Diabo: Pelo amor de Deus, está tão vivo quanto aqueles evangélicos bolivianos!
Anjo: Mas eles estão vivos!
Professor: Eu enlouqueci? Isso não é possível!
Anjo: Olhe, você agora está em outro lugar, e decidiremos com que você partirá. Eu pessoalmente não sou muito a favor de extremismos...
Diabo: Caso venha comigo, não tem de se preocupar, vou deixa-lo longe dos evangélicos fascistas bolivianos, sabemos que não gosta destes tipos, eu mesmo sigo o Ministro da Educação no twitter e vi o tweet.
Professor: Seja lá o que estiver acontecendo, ou que está, não sei de mais nada, eu não falei nada contra ninguém, foi algo usado de forma descontextualizada, eu estava lá sendo atacado de graça! E ainda partiram pra ofensas pessoais, atacaram a universidade, que não tem nada com isso!
Anjo: Pois deveria ter pensado nisso antes, todos os atos têm consequências, boas ou ruins, e na internet a capacidade destes últimos é bastante amplificada.
Professor: Exato, foi isso, foi amplificado. Amplificado e descontextualizado! Eu sou uma boa pessoa, independente disso ou não, eu tenho uma trajetória que não pode ser resumida num tweet!
Diabo: E não é que você fez isso? Conseguiu ofuscar toda uma história por causa de alguns caracteres, meus parabéns!
Anjo: Acho que não é pra tanto. Porém, ainda não sei... Não estou confiando muito em você, parece-me um pouco petulante.
Professor: De maneira alguma, apenas acho isso tudo muito injusto.
Diabo: Meu colega foi bem legal ao utilizar “petulante”, vi outros tipos de elogio como “doutrinador“; “manipulador” e até “baderneiro”
Anjo: Além dos insultos à Universidade, concordando com aquela ideia absurda de balbúrdia.
Professor: Eu já entendi que fiz besteira, o que quero dizer é que isso não me resume: eu sou uma pessoa bondosa de qualquer jeito!
Diabo: Ao que está parecendo, você não vai para o paraíso de jeito nenhum.
Anjo: Torcer pela morte alheia, sinceramente...
Diabo: Venha, temos hora marcada.
Professor: Não vou! Isso é absurdo!, é ridículo!
Diabo: Ridículo é você, já viu alguma coisa não-ridícula ir parar no twitter do Danilo Gentilli? Então...
Anjo: Não ligue para ele, ele gosta de perturbar, talvez eu lhe dê uma chance, como propus anteriormente, um momento de reflexão, de restauração da paz.
Professor: Paz, isso, exatamente isso é o que preciso. Por isso, ainda que toda essa situação não seja um sonho, que eu não vá acordar daqui a pouco, eu preciso ir com você, Anjo!
Diabo: Venha, é chegada a hora... desembarque pelo lado esquerdo e observe o espaço entre a embarcação e a plataforma!

           O professor acordou, agora já na Praça XV, tinha dormido um pouco durante o curto percurso. Assutava-se com o sonho, ou pesadelo. Temia o inferno, tanto o lugar comandado pelo capiroto, quanto os criados pelos humanos. Queria a paz, aquela que não foi pregada, certamente não é um erro fatal que desvirtue toda sua trajetória, mas algo a ser pensado e reconsiderado.

                                                                                                                         

                                                                                                              Maximo

10 comentários:

  1. Achei ousada e interessante a opção por essa autocrítica metafórica e religiosa.
    Quando lia e percebi que era um sonho, achei essa escolha inicialmente meio clichê e previsível. Contudo, quando entendi o paralelo entre a paz que o professor queria ter de novo e o inferno vivido por ele devido à perseguição, achei bem foda! Parabéns!

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  2. Amei a metáfora que você usou para abordar o tema, aquela grande questão do bom ou ruim, ficando para Deus e o Diabo julgarem as ações de Pedro. Muito bom!

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  3. Muito criativo o uso meio parodiado do Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente... Articulou muito bem o modo inconsequente de agir do professor na fala do Anjo, mas por outro lado o Diabo representou muito bem também o cidadão que pratica linchamentos virtuais resume a vida de uma pessoa ou até a qualidade de uma instituição por conta de algum único erro ou evento. Gostei, parabéns!!!

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  4. Achei o texto criativo,os diálogos são muito bem escritos e estruturados,traz uma reflexão sobre o tema,que é muito valida.

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  5. Muito foda! Como dito pelo Adam, achei muito esperto de sua parte traçar a história em cima dessa dualidade cristã (bem x mal) com muito bom humor, mas trazendo bastante reflexão. O texto foi tão bem escrito que deu para incorporar a personalidade de cada personagem durante a leitura. Um dos melhores textos, parabéns, pena que acaba kk

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  6. Se sua ideia foi remeter ao auto da compadecida, realmente funcionou. Foi a primeira coisa que veio a minha cabeça quando li este texto. construiu muito bem este roteiro( pra mim foi um filme). mas por curiosidade, assim que ele acordou, toda essa conversa foi real ou tudo da mente dele ? Não me responda, a duvida sobre isto é o que me faz amar o texto ainda mais.

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  7. Que texto bom, ver toda sua criatividade voltada para a construção da narrativa faz com que me instigue a ler. Parabéns e continue assim..

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  8. Parabéns pela criatividade e pela ousadia no texto e na construção dos diálogos. Trazer as figuras do anjo e do diabo para representar "julgamento" e a questão do bem x mal foi uma ótima ideia.

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. FANTÁSTICO!!! Apreciei DEMAIS a quebra dessa dualidade que, por muitas vezes até inconscientemente, insistimos em deixar reger e guiar nossos pensamentos e construções! É exatamente isso, esse imediatismo... A gente não busca mais compreender a fundo, analisar a origem para só então ir dando um jeito de, aos poucos, cuidar... A escolha do "plano de fundo", marcado pelas representações do céu e do inferno, também foi certeira! Bem criativo. Por fim, seu desenvolvimento ficou impecável, nos parâmetros daquela leitura que vai se destrinchando, e fazendo cada vez mais sentido, aos poucos.

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