Auto da Barca do Inferno: O Professor
Professor: Onde estou?
Mas que barcas são essas!?? Aqui com certeza não é a Praça XV!
Diabo: A barca não
chegou na Praça XV... sendo assim, bem vindo a lugar nenhum.
Anjo: Na verdade, aqui
é uma espécie de purgatório, um lugar de reflexão.
Diabo: Ah! mas como me
enojam essas suas pieguices, lugar de reflexão o caramba!, ele está aqui para
ter seu destino traçado!
Professor: Espera, que
história é essa!? Eu morri!?
Anjo: É, sim. A barca
naufragou na baía de Guanabara e agora estamos aqui, reunidos em busca de uma
resposta, afinal você virá comigo ou partirá com ele?
Professor: Não, não
pode ser, isso é um sonho, um pesadelo, daqui a pouco eu acordo.
Diabo: Pelo amor de
Deus, está tão vivo quanto aqueles evangélicos bolivianos!
Anjo: Mas eles estão
vivos!
Professor: Eu
enlouqueci? Isso não é possível!
Anjo: Olhe, você agora
está em outro lugar, e decidiremos com que você partirá. Eu pessoalmente não
sou muito a favor de extremismos...
Diabo: Caso venha
comigo, não tem de se preocupar, vou deixa-lo longe dos evangélicos fascistas
bolivianos, sabemos que não gosta destes tipos, eu mesmo sigo o Ministro da
Educação no twitter e vi o tweet.
Professor: Seja lá o
que estiver acontecendo, ou que está, não sei de mais nada, eu não falei nada
contra ninguém, foi algo usado de forma descontextualizada, eu estava lá sendo
atacado de graça! E ainda partiram pra ofensas pessoais, atacaram a universidade,
que não tem nada com isso!
Anjo: Pois deveria ter
pensado nisso antes, todos os atos têm consequências, boas ou ruins, e na
internet a capacidade destes últimos é bastante amplificada.
Professor: Exato, foi
isso, foi amplificado. Amplificado e descontextualizado! Eu sou uma boa pessoa,
independente disso ou não, eu tenho uma trajetória que não pode ser resumida
num tweet!
Diabo: E não é que você
fez isso? Conseguiu ofuscar toda uma história por causa de alguns caracteres,
meus parabéns!
Anjo: Acho que não é
pra tanto. Porém, ainda não sei... Não estou confiando muito em você, parece-me
um pouco petulante.
Professor: De maneira
alguma, apenas acho isso tudo muito injusto.
Diabo: Meu colega foi
bem legal ao utilizar “petulante”, vi outros tipos de elogio como “doutrinador“;
“manipulador” e até “baderneiro”
Anjo: Além dos insultos
à Universidade, concordando com aquela ideia absurda de balbúrdia.
Professor: Eu já
entendi que fiz besteira, o que quero dizer é que isso não me resume: eu sou
uma pessoa bondosa de qualquer jeito!
Diabo: Ao que está
parecendo, você não vai para o paraíso de jeito nenhum.
Anjo: Torcer pela morte
alheia, sinceramente...
Diabo: Venha, temos
hora marcada.
Professor: Não vou! Isso
é absurdo!, é ridículo!
Diabo: Ridículo é você,
já viu alguma coisa não-ridícula ir parar no twitter do Danilo Gentilli?
Então...
Anjo: Não ligue para
ele, ele gosta de perturbar, talvez eu lhe dê uma chance, como propus
anteriormente, um momento de reflexão, de restauração da paz.
Professor: Paz, isso,
exatamente isso é o que preciso. Por isso, ainda que toda essa situação não
seja um sonho, que eu não vá acordar daqui a pouco, eu preciso ir com você,
Anjo!
Diabo: Venha, é chegada
a hora... desembarque pelo lado esquerdo e observe o espaço entre a embarcação
e a plataforma!
O professor acordou, agora já na
Praça XV, tinha dormido um pouco durante o curto percurso. Assutava-se com o
sonho, ou pesadelo. Temia o inferno, tanto o lugar comandado pelo capiroto, quanto os criados pelos
humanos. Queria a paz, aquela que não foi pregada, certamente não é um erro
fatal que desvirtue toda sua trajetória, mas algo a ser pensado e
reconsiderado.
Maximo
Achei ousada e interessante a opção por essa autocrítica metafórica e religiosa.
ResponderExcluirQuando lia e percebi que era um sonho, achei essa escolha inicialmente meio clichê e previsível. Contudo, quando entendi o paralelo entre a paz que o professor queria ter de novo e o inferno vivido por ele devido à perseguição, achei bem foda! Parabéns!
Amei a metáfora que você usou para abordar o tema, aquela grande questão do bom ou ruim, ficando para Deus e o Diabo julgarem as ações de Pedro. Muito bom!
ResponderExcluirMuito criativo o uso meio parodiado do Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente... Articulou muito bem o modo inconsequente de agir do professor na fala do Anjo, mas por outro lado o Diabo representou muito bem também o cidadão que pratica linchamentos virtuais resume a vida de uma pessoa ou até a qualidade de uma instituição por conta de algum único erro ou evento. Gostei, parabéns!!!
ResponderExcluirAchei o texto criativo,os diálogos são muito bem escritos e estruturados,traz uma reflexão sobre o tema,que é muito valida.
ResponderExcluirMuito foda! Como dito pelo Adam, achei muito esperto de sua parte traçar a história em cima dessa dualidade cristã (bem x mal) com muito bom humor, mas trazendo bastante reflexão. O texto foi tão bem escrito que deu para incorporar a personalidade de cada personagem durante a leitura. Um dos melhores textos, parabéns, pena que acaba kk
ResponderExcluirSe sua ideia foi remeter ao auto da compadecida, realmente funcionou. Foi a primeira coisa que veio a minha cabeça quando li este texto. construiu muito bem este roteiro( pra mim foi um filme). mas por curiosidade, assim que ele acordou, toda essa conversa foi real ou tudo da mente dele ? Não me responda, a duvida sobre isto é o que me faz amar o texto ainda mais.
ResponderExcluirQue texto bom, ver toda sua criatividade voltada para a construção da narrativa faz com que me instigue a ler. Parabéns e continue assim..
ResponderExcluirParabéns pela criatividade e pela ousadia no texto e na construção dos diálogos. Trazer as figuras do anjo e do diabo para representar "julgamento" e a questão do bem x mal foi uma ótima ideia.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirFANTÁSTICO!!! Apreciei DEMAIS a quebra dessa dualidade que, por muitas vezes até inconscientemente, insistimos em deixar reger e guiar nossos pensamentos e construções! É exatamente isso, esse imediatismo... A gente não busca mais compreender a fundo, analisar a origem para só então ir dando um jeito de, aos poucos, cuidar... A escolha do "plano de fundo", marcado pelas representações do céu e do inferno, também foi certeira! Bem criativo. Por fim, seu desenvolvimento ficou impecável, nos parâmetros daquela leitura que vai se destrinchando, e fazendo cada vez mais sentido, aos poucos.
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