terça-feira, 22 de maio de 2018

Parte 1

Parte 1

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Hoje é o primeiro dia no primeiro emprego. Normalmente os jovens ficam muito assustados com essa oportunidade inicial, e comigo não é diferente. Chego na loja e vejo o meu novo lar, onde irei passar boa parte do dia, meus novos colegas de trabalho, que compartilharão comigo os momentos vividos nessa lanchonete, e meus novos clientes, dos quais não sei quando verei novamente. É como se um universo novo fosse aberto para mim, e devo aprender o máximo com essa experiência. Troco de roupa o mais rápido possível e boto o uniforme, que fica um pouco largo, mas eu gosto assim. Preciso mostrar serviço para os gerentes, especialmente o de bigode, pois ele me deixa um pouco assustado, já que seu jeito é intimidador. Enquanto ele fica cofiando seu bigode, a treinadora se apresenta e começa a falar sobre o funcionamento da loja, repetindo milhares de vezes o conceito Padrão de um jeito que eu nunca vou esquecer. Ao final do discurso, ela me leva para apresentar os ambientes da cozinha. Ao passar pelo caixa, vejo um funcionário que me chama atenção, mas não pelo seu rosto, e sim pelas suas mãos, que são bem diferentes do comum. Elas aparentam ter sofrido queimaduras muito sérias, das quais eu não quero nem imaginar, pois a dor já começa a me consumir. Tomara que não tenham sido causadas por um acidente de trabalho, pois é a última coisa que desejo para qualquer um. A treinadora puxa assunto depois que me nota um pouco desatento,

Aproveite essa oportunidade que você está recebendo, pois mesmo com muita vontade, não são todos que tem a mesma sorte, porque tem muita gente procurando emprego pra pouca vaga, principalmente aqui. Dê o seu melhor para garantir seu espaço, senão vai acabar sobrando.

Por mais que ela seja uma autoridade pra mim, o jeito de sua fala é atencioso, como se fosse uma tia que se preocupa com a criação do sobrinho. Porém não uma tia chata, mas uma tia boa, daquelas que estão sempre de olho, com carinho. 

No break, começo a tentar me entrosar com o pessoal, afinal, eles serão minha “família” por alguns meses. Felizmente, o menino das mãos queimadas é muito receptivo e me apresenta os funcionários, dizendo sempre seus apelidos, e nunca seus nomes,

Esses são o negro, o cristão, o poeta e o de patins, que são meus colegas mais próximos aqui dentro. Havia também a baixinha (o resto ri ao fundo), mas ela foi demitida, dizem por aí que foi porque ela foi pega roubando... Mas não sei. Espero que você goste daqui.

Todos me dão as boas-vindas, o que me deixa bem contente. Ser acolhido por eles faz com que o trabalho fique mais leve, mais tranquilo. O dia vai fluindo bem e tudo vem dando certo, não tem como ser melhor. Acho graça quando vejo o menino das mãos queimadas ficando sem jeito ao ver a entrada de uma menina de óculos na loja. Ela segura um livro na mão, mas não consigo ler o nome dele, pois estou sendo observado de perto pela treinadora, que vai me ensinando como usar o esfregão,

Pensa no símbolo do infinito e vai andando para trás.

Meu turno se encerra e bato meu primeiro ponto para ir embora. Troco de roupa e me despeço dos outros funcionários, que foram bastante receptivos comigo. Volto andando para casa e vou refletindo na rua sobre como foi meu primeiro dia foi agradável. Ao voltar para casa, vejo um menino brincando no portão de casa com a mãe e sendo observado por uma senhora, talvez sua vó. É uma casa bem humilde, mas eles não parecem infelizes com ela, pelo contrário, pois, sabendo que vivemos num período de muita incerteza e inflação, qualquer teto garantido é aceitável. Sigo andando com a cabeça focada em chegar em casa, pois o primeiro dia me deixou exausto, mas ainda tenho que estudar para o vestibular.

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O tempo passou e hoje, faz 8 meses que comecei a trabalhar na loja. A essa altura, já vi muita coisa acontecer na loja e algumas mudanças aconteceram. Depois de uma greve por causa de atraso no pagamento dos funcionários, demitiram o negro, que já estava revoltado com os gerentes da loja há bastante tempo. Mas o mais impressionante aconteceu com o menino das mãos queimadas. Além de começar a namorar com a menina que mexeu tanto com a cabeça dele, ele conseguiu também ser aprovado no vestibular. Entretanto, quanto maior o salto, maior a queda. O padrasto dela apareceu na loja e contou a ele que eles eram irmãos por parte do pai. Sim, isso mesmo, irmãos, é difícil até para eu escrever. Consequentemente, após ter a confirmação de que ela estava grávida do próprio irmão, ela cometeu suicídio. É complicado para falar sobre isso, mas infelizmente é necessário informar, e isso soa irônico, pois o menino está cursando jornalismo. E, quanto a mim, sigo trabalhando duro, tanto que fui premiado por ser o Melhor Funcionário do Mês, trazendo-me uma felicidade gigante. Agora, irei parar de escrever, pois estou no caixa e o próximo da fila é você.

Crescer é realmente difícil. Há tanta mudança em nossas vidas que ficamos desnorteados, como se tivéssemos tomado uma surra. Contudo, a nossa adolescência é uma das fases mais lindas da nossa vida, onde tudo é novo e guarda uma aventura. E uma dessas aventuras foi ler O próximo da fila. Fiz essa crônica como se estivesse imerso na história do menino, que não recebeu nome durante todo o enredo. O menino era um narrador onisciente, o que tornou a história muito interessante, já que acompanhei as tramas da vida dele, mas tudo que estava por trás (que ele não deveria saber) já era bem claro para o leitor. Os personagens do livro estão citados na crônica, isto é, seus colegas de trabalho e sua família, que eram carismáticos em sua maioria. O livro se passar numa lanchonete fugiu totalmente dos clichês e tornou o cenário muito atrativo, já que era descrito com muita precisão, dando corda para a imaginação alheia. A linguagem aproximada do público jovem foi muito bem recebida, pois o contato com a história ficou muito mais intenso. E o enredo, passado predominantemente durante o governo Collor, foi sensacional, pois todos os fatos vividos na narrativa faziam sentido e eram bem resolvidos, atraindo os leitores para continuar lendo. Escrevi essa crônica como homenagem ao autor e para contar um pouco da história do livro, que posso afirmar com firmeza: Foi um dos melhores que já li. E esse parágrafo em itálico tem uma razão: era assim que o Henrique escrevia antes de começar as partes do livro, como se fosse o menino, anos depois, dando um parecer sobre a história, toda escrita em guardanapos. Esse romance de formação ficou marcado na minha história, sou grato por ter sido O próximo da fila.

Por Maria Joana.

Sobre primeiras vezes

Mesclando o odor do óleo quente das batatas com a caneta que rabisca alguns guardanapos de papel, o personagem sem nome do livro de Henrique Rodrigues percorre pela difícil fase que é a de transição de jovem para adulto. Esse é o estilo de romance traduzido pelo autor: de formação. O menino, que cresceu numa infância farta e de classe média alta, se vê no dilema de ter que lidar com os próprios preconceitos com as classes menos favorecidas ao se ver imerso na mesma realidade que elas agora. Devido a morte do pai no início do livro, o protagonista, a mãe e o irmão perdem privilégios econômicos. Duas tias, uma irmã da mãe e outra do pai, ajudam nas contas nos primeiros meses, até que o jovem se vê obrigado a procurar um emprego enquanto estuda para ajudar a mãe nas despesas da casa. Ele encontra, então, uma vaga em uma das franquias da maior rede de fast-food do mundo dos anos 90 (que curiosamente é a maior até hoje). Mesmo sem citar o nome da marca, a partir das descrições é possível perceber que o narrador trata do Mc Donald’s, e essa é uma das características mais estimulantes do livro: praticamente toda a história se passa por trás dos balcões de um restaurante que vemos todos os dias, tal qual a transição da vida do personagem. O autor descreveu e escolheu de uma forma tão talentosa o cenário onde se passaria a história que nos fez sentir dentro dela, inspirando o cheiro da batata frita ilustrado na capa enquanto desvendávamos o enredo.

A história é narrada em primeira pessoa e com muitos traços psicológicos do personagem principal: várias vezes a narração é submetida a flashbacks dos quais o escritor se utiliza para explicar acontecimentos prévios, mas necessários para o entendimento da história. Nesse caso, destaco o momento onde o personagem descreve a relação da sua mãe com o próprio pai (avô do jovem), no início do livro. O autor aborda uma questão muito importante e presente na realidade da maior parte da população de baixa renda do Brasil, que é a pedofilia dentro de casa. No pequeno capítulo, são relatados os abusos frequentes do pai com a filha, uma cena muito intensa ainda que sem usar palavras explícitas.

O ritmo da leitura se encaminha de forma linear (com exceção dos capítulos de flashback explicativos) com capítulos curtos e rápidos, que se assemelham à rapidez que o jovem vive no ambiente de trabalho. A ausência de nome dos personagens denota o anonimato e a desumanização a que são submetidos os empregados de uma empresa que funciona em linha de produção, realizando as mesmas funções repetidamente com as máquinas. Nesse aspecto, o personagem também ironiza essa característica do ambiente de trabalho, tratando um dos seus superiores na hierarquia da empresa como “gerente de bigode” e separando os clientes entre “varejo” e “atacado”, sendo os primeiros aqueles que frequentam a rede esporadicamente e os segundos, frequentemente.

O momento narrado da vida do jovem se passa na década de 90, no subúrbio do Rio de Janeiro. O momento histórico é percebido principalmente pela ascensão da globalização e grande “boom” dos novos hábitos, sendo o fast-food o maior símbolo deles. Esse aspecto torna a obra literária muito rica e original, já que na literatura brasileira poucos autores criam obras que se passam nesse momento do país, especialmente com um olhar atento às questões periféricas sem estarem à margem da sociedade, mas como quebra de expectativas sociais.

Imerso no ambiente de trabalho repetitivo, o espaço também deu origem a muitos aprendizados ao jovem protagonista. Com uma linguagem simples, de fácil entendimento e muito cotidiana, também são abordados temas como as relações sociais dentro do emprego, no qual conviviam pessoas de baixa renda, o racismo, a homofobia, a inveja, a diversidade religiosa e até mesmo os mecanismos de manipulação de uma empresa capitalista. A dicotomia entre a tia “boa” e “chata” também passam a sensação de representatividade ao leitor, que se identifica nesses vários aspectos. A leitura se torna leve porque aborda temáticas muitas vezes delicadas de forma realística e madura, na visão de um jovem que precisa trabalhar, estudar e que ainda assim tem uma postura crítica em relação a sociedade. O maior exemplo é a greve de um dia dos funcionários do turno da tarde, influenciados pelo “Feijão”, que acaba sendo demitido pela iniciativa e também por motivações de discriminação racial. Outro momento em que fica clara a abordagem de vida real que o narrador transmite é no seu primeiro sexo, com uma funcionária no banheiro de uma festa, além da descrição das angústias e temores a respeito dos sentimentos pela sua primeira paixão: uma série de “primeiras vezes” são vivenciadas.

O romance do autor se torna, então, um misto de sensações que são atemporais e podem ser entendidas por pessoas de qualquer idade, jovens ou mais velhas. A descrição tão real dos acontecimentos fazem o leitor se questionar a respeito da ficcionalidade da obra, especialmente no momento em que um escritor é atendido pelo jovem no balcão do fast-food, o que torna o livro mais intrigante. O cenário da vida do personagem é retratado com ricos detalhes que fazem o leitor se identificar e refletir junto com o jovem suas decisões e as consequências delas. A morte do pai, a descoberta da vida dupla do homem que fez o protagonista se apaixonar pela própria irmã e consequente suicídio da sua primeira paixão são acontecimentos atropelados que obrigam o personagem a ser forte e superá-los a partir de muitas reflexões. Com uma abordagem real e envolvente, a leitura de “O próximo da fila” se torna extremamente marcante, inteligente e necessária. Que o próximo da fila do Henrique Rodrigues seja tão genial quanto esse.

Por Desproporção sentimental.

Resenha de Aurora Munds

Em o “O próximo da fila” do simpático carioca Henrique Rodrigues, temos um romance de formação que, evocandoas muitas perdas e os ganhos de um jovem morador do Rio de Janeiro durante sua fase de amadurecimento, fazem da história um grande e constante processo de reflexão acerca da vida em si.

A inspiração para o livro surgiu a partir de uma poesia do próprio autor, onde ele fala que a vida atrás do balcão vaialém do próximo da fila e retrata a esperança de um dia “ser alguém” perante a complexidade e ao caos da cidade.

No romance, temos como protagonista um adolescente de 16 anos, no começo dos anos 90. Logo de início já é notado um fator interessante quanto não só o personagem principal, mas a todos os personagens. Nenhum deles possui nome próprio. Isso por sua vez é substituído por adjetivos ou substantivos que visam expor o caráter comum e invisível desses personagens em meio a um cenário muito maior do que eles e até maior que a lanchonete, a própria sociedade.

Característica determinante, o papel de todos os personagens, mesmo atomizados perante algo maior, exercem importantes fatores para a compreensão de mundo do personagem principal. A mãe, o falecido pai, as tias, o irmão, a chefe, os colegas de trabalho, e a meia irmã, são todos personagens secundários diante do jovem, todos apenas dão as ferramentas necessárias para que ele cresça durante o livro. E o crescimento aqui, perde o caráter unicamente biológico para atingir o campo psicológico, sendo esse o real foco dado ao personagem, passar pela dor de perder um pai e crescer.

Pode-se afirmar então que as personagens não são rasas na narrativa. Mesmo que o histórico de poucas seja de fato explorado, o ponto crucial é compreender que nenhuma delas pode ser reduzida a um mero arquétipo.

Para Henrique, a escolha da lanchonete como cenário principal da narrativa não é por acaso. O autor, por já conhecer bem as relações, os cheiros e as hierarquizações que existiam naquele espaço, vale-se de sua experiência econhecimento para construir uma visão que não é conhecida por muitos, a visão do lado de dentro do balcão.E mesmo focando em um ambiente micro, uma lanchonete no Rio de Janeiro, os processos e relações nele existentes são de caráter exterior a seu espaço físico, levando tais ocorridos a uma análise da própria sociedade.

O trabalho na rede de fast-food, também vem marcado por uma crítica social explícita pelo autor: a mecanização do homem em seu trabalho em razão do padrão de qualidade. É notável o quão reprimido e excluído pode ser uma pessoa por não seguir o padrão imposto, não só na lanchonete como na vida. A não aceitação de tal condição pode gerar consequências para o indivíduo, mas nunca ao sistema, que sempre terá alguém disposto a segui-lo.

E o contexto macro, o Brasil recém-saído da ditadura civil-militar e inserido na Era Collor, tendo a recessão, a inflação que corroía a economia e a instabilidade de tantos setores como apenas fatores de contexto para a obra. Isso ocorre, pois, ao não colocar marcas temporais muito definidas como realidade responsáveis pelo “caminhar” da trama, o foco ressalta para um ambiente microscópico. Ou seja, o autor tenta mostrar um pequeno período de vida de um personagem comum dentro de um fast-food comum, e que existia dentro desse cenário macroscópico.

Entre o enredo principal são narradas pequenas histórias, entreatos, que são vistos como momentos de reflexão atual quanto a narrativa, a visão do presente sobre tudo. Aoavançar a leitura, essas linhas antes paralelas se entrelaçam e se complementam. Tal recurso permite ao leitor uma carga prévia para exercer seu julgamento as personagens, podendo-se notar a alternância entre um narrador em 3ª pessoa nesses casos e um narrador onisciente em 1ª pessoa durante o restante da trama. O fato do narrador principal se dar ao mesmo tempo como onisciente e em 1ª pessoa traz a história o fato do jovem conhecer mais do que a cena mostra. Com isso ele não só entende o que acontece, mas também percebe os fatores determinantes para os fatos de fato ocorrem. Tendo assim, a alternância entre a voz do jovem e do adulto, da vivência e da compreensão.

No livro a narrativa se completa no começo do romance, onde mostra o aquele mesmo jovem da história, agora no futuro relembrando e escrevendo sobre seu crescimento e seus aprendizados no fast-food onde trabalhou há alguns anos. Essa marca temporal traz uma característica interessante a história, que se constrói como um grande flashback.

A leitura segue um ritmo linear, no entanto, não se pauta na fórmula clássica da sucessão da narrativa baseada em um fato único e determinante. A rapidez da história, contada em capítulos curtos e dividida em partes, ocorre de forma antagônica a rapidez da transformação do personagem. O fato de que os capítulos, mesmo os mais fortes, não contarem com carga de auto piedade é uma questão interessante, pois parte do pressuposto de que o olhar dado aos fatos é um olhar neutro, que analisa tais ocorridos como determinantes unicamente para a formação do jovem, tirando o peso inflamado das interpretações da juventude. 

Ao passo em que cada parte do livro o jovem vai se tornando mais maduro, os capítulos trazem os pequenos fatores responsáveis por tal efeito. Tirando assim, o peso de um único fator – no caso a morte de seu pai – ser responsável por propiciar a totalidade de mudanças do personagem.

A inserção de trechos e citações de músicas na narrativa também trazem ao leitor uma possibilidade de imersão maior na história, pois ao ouvi-las poderá partilhar das mesmas memórias vividas e expostas pelo narrador durante sua vida. As bandas Legião Urbana e Scorpions são citadas como sendo importantes na vida do personagem principal, onde a música foi uma importante acompanhante na construção de suas memórias.

A linguagem simples, mas profunda do autor, faz com que a leitura seja fluída, tornando a complexidade do ambiente e de todas as transformações e memórias do personagem, algo facilmente compreensível ao leitor. A mente de um adolescente é um local caótico e muito abstrato, e traduzir conforme esses pensamentos são interpretados pelo personagem pode ser uma tarefa complicada.

Porém, a tradução é fiel ao jovem e se constrói de maneira simples quando é simples, e rápida e caótica quando se encaixa nessas condições. Com isso, o autor traz uma possibilidade de identificação entre o personagem principal e seu leitor, ao partilhar o mar de incertezas e a grande carga de fatos que são “corriqueiros e atropelados” por muitas pessoas de forma comum em seu dia a dia. É dar voz ao que é visto como algo mecânico e impessoal. É devolver à importância aos que diariamente são esquecidos.

As palavras que definem o livro são: descobertas, crescimento e vida.

Por Aurora Munds.

Dor, gordura e os ventos da mudança

“Li e ouvi várias vezes: crescer dói”. O próximo da fila, de Henrique Rodrigues, é um romance de formação, ou seja, retrata a passagem da adolescência para vida adulta: novas responsabilidades, conciliação entre trabalho e estudos, a primeira vez, o primeiro amor... Após a morte do pai, o protagonista se vê no dever de ajudar a família. Jovem e inseguro, mas cheio de energia, ele consegue emprego em uma rede de fast-food. 

Não é explícito em que momento histórico se passa a história, porém alguns detalhes o revelam ao longo do livro – a nota de 50 cruzados novos, a chacina da Candelária e o confisco da poupança – denotam que se está no governo Collor, entre 1990 e 1992.

A história aborda problemáticas do cotidiano de muitos, como o preconceito vivido por filho de pais separados ou de mãe solteira, homofobia, racismo, exploração do trabalho, ética, religiosidade, abuso infantil e violência doméstica. 

O foco principal da trama está na lanchonete, lugar onde centenas, talvez milhares de pessoas passam todas os dias e como seus funcionários são “absorvidos pelo padrão”. Seguir o padrão, essa é a maior lei de lá. Com isso, gerando uma robotização daqueles que lá trabalham: “boa tarde, boa noite, bom lanche, seu troco, volte sempre...”, estão programados.

Já a escolha do espaço no qual se passa a história tem um motivo. São locais íntimos: casa, escola e a lanchonete, dos quais o autor tem conhecimento prévio, descartando, assim, a necessidade de uma pesquisa de campo para observações e experimentações.

Os cenários da trama atuam quase como personagens, trazendo o tom da cena: na casa que deixou após a morte do pai, havia o vazio, simbolizando a tristeza e solidão, já na nova casa, o aperto e falta de espaço remetem a pressão e tensão. Em muitos momentos também, entra em cena a sinestesia: cheiro da gordura, as cores fortes e luzes dos letreiros estão presentes, principalmente no local de trabalho.

Na maioria do tempo, utiliza-se a voz narrativa em 1ª pessoa. Trata-se de um narrador-personagem, isto é, vemos o ponto de vista do protagonista, que é o mesmo que narra os acontecimentos ao leitor. Embora aparente, muitas vezes, ser um narrador onisciente, devido as específicas descrições que são apresentadas.
O tempo verbal é quase sempre o presente, o leitor acompanha a vida do protagonista em “tempo real”, é como se crescessem junto do personagem, vivenciando e reagindo aos fatos, ao mesmo tempo. 

A exceção é o capítulo 6 da primeira parte, no qual é exposto o passado da mãe do protagonista, este é também um momento mais pesado, em contraste com o restante da obra.

É possível notar signos, metáforas presentes no livro, tais como o momento em que o garoto deixa um copo cair no chão, quebrando-o, na presença repressiva de seu pai; e depois, novamente derruba um copo, mas dessa vez, que não se quebrou, pois estava protegido por jornais, assim como o menino estava protegido pelo carinho da tia. Ou quando ele queima a mão na chapa, perdendo as digitais, mas mantendo o “M” na palma, o que simboliza a sua perda de identidade, após se tornar mais uma “peça da engrenagem”.

Além disso, adota-se uma linguagem direta, sem marcação que indiquem suas falas, pendendo quase para o indireto-livre. Essa estratégia de escrita adotada traz mais fluidez à leitura, já que, apesar de, algumas vezes, as divisões não estarem bem definidas, as gírias e o trejeitos da fala de cada personagem estão presentes, evitando que haja confusões em relação a quem são os emissores do momento.

Por sua vez, os personagens da narrativa são anônimos, identificados através de suas características físicas, por exemplo, a baixinha, o gerente de bigode, o negro, a garota de óculos e cabelos encaracolados... Vale notar que apenas fisicamente. A construção de suas personalidades é feita gradativamente, ao longo da narrativa:

A instrutora é calma e madura, pois já tem um tempo considerável no local e evita se intrometer nos assuntos dos outros, porém afetuosa. O negro é um tanto revoltado com as injustiças que presencia, talvez marcado pelo contexto de preconceito e desigualdade social a sua volta A namorada é inteligente sensível, mas um pouco retraída em relação à família. Há também personagens estereotipados, mas baseados em reais, como o cristão, o poeta e o do patins, que trazem um tom a mais de comédia.

Estes foram alguns exemplos.

Finalmente, no clímax do livro, revela-se que seu pai teve outra família, na qual teve outra filha, que supreendentemente, é a sua namorada, grávida! Esta que, abalada pela revelação, comete suicídio. Após dois segundos de êxtase e epifania, vem à tona como a conclusão é clichê: incesto, vida dupla, paixão interrompida pela morte; dignos de novela mexicana das chamadas “Marias” que passam todas as tardes na TV. 

Impressionantemente, o próprio livro te diz isso. Não te dão muito tempo para pensar. Logo chega o segundo plot twist: essa história não é uma biografia, como havia dito. É uma mistura de lembranças e imaginação, realidade e ficção, realizada na cabeça do protagonista e do próprio autor. Algo já esperado por aqueles que leram mais atentamente. Alguns pontos trazem pistas dessa mescla: a descrição minuciosa dos locais e cenários, que exigiria uma memória quase sobre-humana do autor, o encontro com seu “eu do futuro” e, é claro, o fatídico incesto.

Uma reviravolta quase perfeita, se não fosse pelo curto tempo entre as duas revelações, que fazer perder boa parte do impacto emocional que teriam caso houvesse mais tempo para desenvolvê-las. Mais 2 ou 3 páginas, talvez. Além disso sente-se também falta de uma conexão entre o início e o fim da história, já quem ambos se passam no famoso fast food.

O próximo da fila é um livro que não tem muita ambição, conta como um garoto, assolado por uma tragédia familiar, teve que crescer e amadurecer. E, talvez por isso, devesse ter mantido essa simplicidade em sua conclusão. Por outro lado, pode ter trazido uma identificação com vários jovens, que se reconheceram no garoto sem nome. 

No geral, é uma ótima experiência de leitura, que passou e, infelizmente, ainda passará despercebida por muitos, devido a suas capa e sinopse não muito atrativas. Afinal, quem quer saber sobre um garoto com uma espátula ou um esfregão? Agora, eu quero.

Por Homem de Lata.

O guardanapo é o novo papiro

Você já parou para pensar na história de uma pessoa tão efêmera na sua vida? Alguém que muitas vezes não vai te deixar uma marca e que basicamente todas as suas interações são limitadas? O livro "O próximo da fila", de Henrique Rodrigues, retrata a história de uma pessoa assim, passageira e/ou invisível na vida da maioria de nós, mas ainda uma pessoa, com sua história.

O livro mostra a história de um personagem sem nome que trabalha em uma rede de fast foods, contando-a desde sua pré-adolescência conturbada com a morte do pai, até o início de sua faculdade. Nesse caminho, percebemos o desenvolvimento do personagem com um enredo linear, passando por seu amadurecimento físico e mental, mostrando os desafios vividos pelo garoto.

Os personagens da trama não tem nome próprio, assim como dito anteriormente sobre o principal, e são descritos de maneira rasa fisicamente, com apenas um ou dois detalhes, mas explorados ao extremo em suas personalidades, criando assim um aspecto curioso na trama, em que, embora não nomeados, os personagens são fáceis de se identificar e reconhecer.

O texto do livro é narrado em P.O.V., em que o personagem principal é o narrador. Com isso, você se torna íntimo do personagem, sabendo suas visões em aspectos da trama, opiniões sobre assuntos que o envolve ou simplesmente viagens que ele mesmo cria em seus pensamentos. Assim, nota-se a criação de um elo entre leitor e personagem, pois é como se você estivesse nas mesmas situações que ele, uma vez que você ganha uma visão de perto das ocasiões, mas unilateral.

A história se passa no Brasil, em um cenário mais urbano e periférico, devido a situação monetária do personagem. Além disso, o período de tempo em que é passada, mostra as reviravoltas financeiras do país, com mudanças de moedas, aumento da inflação e etc. Assim, é explicitado algumas dificuldades pela qual o personagem passa, mostrando a realidade de seu entorno.

O livro, por se tratar de um romance de formação, tem uma linguagem fácil para o público geral, com a utilização do coloquialismo e sem rebuscamentos da língua, tornando assim uma leitura leve para a maioria do público, talvez não crianças, mas por causa do enredo do que da forma que é escrita.

Portanto, "O próximo da fila" acerta em cheio ao mostrar a vida de alguém que para muitos não tem relevância, mas ainda consegue cativar com suas histórias e desafios, mostrando que não é só de carro, explosão e mulheril que se faz o entretenimento, que ainda existe beleza nas histórias mais cotidianas.

Uma última vez, por SharkDuck 15

Será?

Por SharkDuck15.

Quem você pensa que é ?

O homem fica em dúvida do que escrever, e a indecisão diminui quando vai escutando o barulhinho do teclado, motivando a desabafar. Me identificar com o menino dos infinitos me fez ver além de onde estava, me deparei com um rapaz cheio de subjetividades assim como eu, um rapaz que ao mesmo tempo tinha tantos defeitos e qualidades e cercado de pessoas cheias da mesma subjetividade e contrastes.Um rapaz sem nome, sem um rosto definido, uma altura definida, mas uma alma expressiva de sentimentos, angústias, medos, assim como eu. Ele era eu, e eu era ele. I

Incrível como me identifiquei com suas lutas e ao mesmo tempo com suas preocupações, sorri ao ver que conseguimos um emprego para ajudar a mãe e o irmão mais novo. Chorei quando queimamos a mão e nossa identidade também se foi. Me entristeci ao ver que o amor foi embora junto com Ela, mas precisei continuar, afinal parar não é opção. A vida é assim, algo inesperado acontece e temos que seguir em frente, outra coisa improvável acontece e ficamos alegres e de repente, a nossa alma se aperta angustiada e precisamos seguir... esperando ser o próximo a ser chamado, o próximo da fila.

Ao som de Eduardo e Mônica, sigo escrevendo, por dias meu lugar de novas descobertas foi um fast-food, um lugar improvável para meu gosto, mas ali tive os maiores aprendizados e crescimento, mudei de um menino mimado e dependente para responsável e solitário. Defendi e apanhei. Levantei e abaixei ,catando coisas no chão do estacionamento. Vi a vida de outras pessoas dependendo da minha rapidez. Ouvi histórias e poemas, mentiras e desabafos. Já disse, ele era eu e eu sou ele. Tudo isso em uma lanchonete. Tudo isso no lugar primeiramente desconhecido e depois tão familiar. Tudo ali no famoso Eme.

Eu vi. Eu pensei. Eu chorei. Eu beijei. Eu escrevi. Eu relembrei o passado. Eu estava lá e descrevi os sentimentos meus e minhas aflições, o meu modo de ver as coisas. A minha forma de enxergar quem queria meu bem, e quem estava lá só para criticar, quem me apoiou e quem me invejou. Eu que analisei a morena baixinha, e eu que esperei a menina desajeitada aparecer outra vez. Eu sou um novo escritor, portanto, eu sou ele e ele sou eu. Uma noite naquela lanchonete aconteceu. A menina desajeitada voltou. Os dois se encontraram um dia sem querer.. Num contexto nada legal, o Presidente roubou todos e todas, o país estava um caos.. As músicas eram boas, o que embalou o namoro. Todo mundo dizia que ele completava ela e vice-versa, que nem feijão com arroz. Ainda não superei o fato dela ter ido, mas o que fazer se não pude impedir. Superar é preciso e parar não é opção na vida.

Já disse ele era eu e eu era ele. Ele se tornou eu, e eu ele. Me identifiquei com ele e decidi, eu sou um novo escritor, só que uma coisa me cativou....Com suas palavras simples e seu jeito fácil de entender. Compreendi quem era ele, o rapaz do infinito, e conclui que no final ele era eu. Pronto! O rapaz do caixa na lanchonete chama o próximo da fila. O próximo sou eu.

Por Lívia Calvant.

Novos Caminhos

Imagine-se num restaurante de fast food. Imagine todas as pessoas em sua volta. Os clientes, entrando e saindo do restaurante, cada um perdido em seus próprios pensamentos, os funcionários, seguindo um padrão de atendimento como máquinas, tendo por trás de cada um uma história particular. Você nunca imaginou que o cenário de um fast food seria tão complexo, não é? Eu também não. Não antes de ler o livro "O Próximo da fila".
  
O livro, em toda sua história, te faz entrar nesse mundo por trás do balcão de um fast food, fazendo com que o leitor entenda a vida de um funcionário da rede, e se sinta em seu papel. Através de uma narrativa feita pelo próprio personagem principal, conseguimos ver seus sentimentos em relação ao que ele vive, e em trechos onde se torna um narrador onisciente de fatos ocorridos com terceiros, podemos observar que as coisas fora de seu alcance também são responsáveis por tudo o que ele está vivenciando no momento da trama. A forma como cenas fortes são descritas é uma ótima maneira do autor prender o leitor, sentir-se como o personagem. Quem não sentiu a dor do menino no acidente com a chapa? Ou sentiu seu desamparo quando a namorada sumiu de sua vida?  

O personagem em si, de tão complexo que é, só pode ser completamente entendido ao final do livro, quando ele chega na faculdade. O que ocorreu no tempo entre a faculdade e quando ele já está adulto contando sua história só pode ser imaginado pelo leitor com base no conhecimento adquirido sobre o protagonista até ali, o que foi muito inteligente da parte do autor, Henrique Rodrigues.

Quando começamos a ler o livro, não sabemos nada sobre o homem que está em um fast food observando o que acontece ao seu redor, escrevendo sua história em guardanapos. Mas, ao chegarmos ao fim do livro, e voltarmos ao início, sentimos que conhecemos aquele homem. Vimos sua trajetória, seus obstáculos da juventude, e parece que entendemos como ele se sente em relação a tudo isso. Essa sacada foi genial por parte do autor, onde constrói um enredo linear e ao mesmo tempo não linear, onde no meio de sua história contada por ele jovem aparecem fragmentos do que ele pensa já mais velho, além das partes que ele conta fatos não pertencentes a sua história, mas que são importantes pra seu desenvolvimento (a cena de sua mãe criança, por exemplo).
  
Eu sinto que parece que o livro foi feito para mim, onde o personagem tem os mesmos sonhos, mesmos medos e metas da vida que eu tenho. Juntando isso com uma linguagem fácil e tranquila de ser lida, fez com que eu devorasse o livro e o lesse em dois dias. Creio que foi essencial a forma que o Henrique escolheu para escrever o livro, ele entra na linguagem e na forma de pensar do jovem, sem sair da norma culta padrão da língua. Se torna prazeroso de se ler não importa a idade ou o nível de conhecimento da literatura.
  
O menino, que diante de suas perdas e sofrimentos durante a vida, que acaba de entrar na universidade onde vai começar a trilhar um novo caminho sem deixar seu antigo para trás é um exemplo e uma inspiração para todos nós, que assim como ele chegamos ao ensino superior cada um com a sua história, com seus sofrimentos e dificuldades acumulados, cada um pronto pra começar um novo caminho. Se eu aprendi algo com esse livro foi que não há dor ou sofrimento que nos impeça de seguir nossos sonhos e nossas metas, não importa o tamanho delas. Temos sempre que levantar a cabeça e seguir em frente, pois vai ter uma hora que vamos olhar para trás, relembrar nossa juventude e ter orgulho de tudo que passamos. E quem sabe até escrevermos nós mesmos nossa história num pedaço de guardanapo. 

Por Ninguém.

O inevitável

Sempre que a vida nos surpreende é um momento de mudança e de confronto com nós mesmos. Notamos que algo precisa mudar, que talvez a felicidade seja um pouco mais difícil de alcançar do que nós achávamos que seria, e que precisamos amadurecer. Algumas vezes, acontece antes do esperado.

No livro "O Próximo da Fila", escrito por Henrique Rodrigues, isso pode ser encontrado. Com muita clareza e fácil compreensão, a linguagem é simples, levando o leitor a ter uma leitura mais fluida e um maior interesse pela história. O narrador onisciente, que é o protagonista, - cujo nome não é revelado -, começa contando sua história na atualidade, quando já é adulto, voltando no passado para desenvolve-la linearmente, possuindo também momentos em terceira pessoa. Com a perda de seu pai, o adolescente se vê pressionado a começar a trabalhar porque sua mãe não conseguiria lidar sozinha com todas as responsabilidades. Sendo assim, ele arruma um emprego em uma rede de fast food para ajudar sua família, tendo que lidar com a escola e trabalho ao mesmo tempo. Isso mostra uma virada em sua vida, pois antes tinha o privilégio de estudar em um colégio particular e não precisava sustentar os que moravam com ele. 

Trabalhando na empresa, o personagem é obrigado a seguir o "Padrão" internacional, se submetendo a muitas coisas com as quais não concorda e vendo o quão substituíveis as pessoas são para o capitalismo. Quando sofre o acidente, com a queima de suas mãos na chapa, ele se sente aflito, pois não sabe se poderá continuar no emprego. É como se aquele momento representasse sua perda de identidade, não só perdendo suas digitais, mas também toda sua subjetividade, se tornando apenas mais um, como seus patrões desejavam. 

Sem a utilização de nomes, o autor descreve de uma forma especial todos os personagens, que muitas vezes, passam despercebidos, mas que com a leitura do livro, vemos que eles possuem suas complexidades e diferenças, tanto dentro de sua família, quanto no lugar onde trabalha, que são basicamente os lugares onde a história é contada.  Um dos exemplos mais incríveis de que os nomes não são realmente necessários, é quando ele conhece "a garota", utilizando descrições detalhadas e o artigo "a", não "uma", mostrando que para ele, ela é única. Essa foi capaz de mudar completamente o rumo da história, tornando-a diferente de qualquer livro já lido antes.

Com um desfecho trágico: descoberta de que o seu pai tinha outra família, e que coincidentemente, também era o pai da sua namorada, suicídio da garota por quem ele era apaixonado, causado pela gravidez, cujo pai da criança era ele mesmo, sendo irmão dela, o livro mostra, com uma certa confusão, que nem sempre o que esperamos se realiza, que perdas acontecem e são inevitáveis, mas em todas as vezes que somos surpreendidos com coisas ruins, precisamos seguir, por mais que pareça impossível.

Escrevo essa resenha/crônica em frente ao McDonald's, empresa que o autor deixa bem claro ter sido a que trabalhou. Me encontro do lado de fora do balcão. Quais serão as histórias que estes atendentes têm a contar? O que será que eles passam em seus dias de trabalho? Olho para eles e me pergunto: a identidade deles também tem sido perdida? Deixo claro aqui que minha vida de cliente desses fast foods não será mais a mesma.

Por Lady Richie

AS HISTÓRIAS DOS PRÓXIMOS DA FILA

Todos temos nossas histórias. 
Em meio ao deliciosamente caótico ambiente urbano no qual boa parte de nós vive, é comum estarmos cercados por uma multidão de estranhos para nós. Mas além de apenas pessoas das quais não conhecemos nada, essas são também detentoras de diversas características e histórias. Características que nós vemos e histórias que não conhecemos.

Contando umas dessas histórias, Henrique Rodrigues constrói a narrativa de “O Próximo da Fila” – seu primeiro romance, onde nos leva a acompanhar a jornada de vida de seu protagonista, da infância a entrada na faculdade, e principalmente em sua estadia como funcionário de uma famosa rede de fast-food, que além de servir como ambiente central da história também é um elemento para nomeá-la.

Escrito majoritariamente em primeira pessoa – e contando com algumas páginas em terceira, o livro conta com uma narrativa conduzida de maneira leve, que não se perde mesmo nos momentos mais tensos da história. A escrita de Henrique é fluida e simples, e consegue se deslocar do humor para o drama com facilidade e sem perder o ritmo. A construção da ambientação, apesar de pouco descritiva é bastante imersiva e permite que o leitor crie seus próprios espaços.

Essa imersão é expandida devido a construção dos personagens, que apesar de seguirem quase que de forma clichê seus arquétipos – e talvez por isso não tenham nomes e sejam marcados apenas por suas características, são bastante interessantes e conseguem servir como bons coadjuvantes para o amadurecimento do protagonista, esse o ponto positivo da história. Ele é dúbio, está em constante mudança e é facilmente identificável no mundo real, bem longe dos clássicos personagens que estamos acostumados. 

Chegando a beirar o preconceito em certos momentos – como quando reflete sobre ir para a escola pública após a morte de seu pai, o protagonista é construído em camadas, e em sua simples complexidade conseguimos nos afeiçoar a ele. Alguns outros personagens também se destacam, como suas tias e sua mãe, essa última sendo protagonista de um dos melhores capítulos da história.

Apesar disso, o grande problema do livro se encontra quase que centralizado em uma das personagens, a garota de óculos. Interesse amoroso de nosso mocinho, o envolvimento dos dois inicialmente é bem construído e instigante, porém a elaboração da personagem é falha por ser demasiadamente vazia. Seu desenvolvimento é corrido  e quando a relação dos dois finalmente ganha os holofotes, o autor perde a mão e transforma sua até então bem construída narrativa em uma história que facilmente poderia estar em uma novela mexicana, e das piores.  O ritmo se perde, a conclusão é corrida e as reviravoltas parecem estar ali unicamente para tentar chocar quem está lendo, sem ter uma base ou desenvolvimento prévio do ocorrido.

 Com sua narrativa linear – mesmo se utilizando de um flashback, e sua simplicidade, “O Próximo da Fila” é um livro que merece ser lido por se tratar de uma experiência leve e despretensiosa, que consegue se sobrepor ao seu decepcionante final. Ao terminar a leitura só podemos refletir sobre o quanto nossas metrópoles escondem muitas histórias, histórias como a desse jovem que em meio as adversidades do governo Collor, como dito pelo próprio autor, passa seus dias atrás do balcão da famosa rede dos arcos dourados. Em meio a esses balcões existem várias outras histórias a serem contadas.

Há quem diga que vivemos em uma imensa fila, apenas esperando nossa vez para nos mostrarmos ao mundo. Talvez um dia chegue nossa vez, talvez um dia sejamos os próximos da fila.

Por JON LUVON.

O que gostaria de pedir, senhor?

No livro ''O próximo da fila'', o autor Henriques Rodrigues narra a história de vida de um jovem em formação nos anos 90. Mostra a mudança drástica sofrida em uma família que tinha um certo conforto financeiro, extinto com a morte do pai, provedor principal da família e passam a ter dificuldades de se manter em pé. 

Com um enredo inteligente e bem desenvolvido, o autor nos concede uma versão adaptada da realidade, que mescla a própria vivência com a ficção. Henrique em seu romance opta por trabalhar um enredo no estilo ''bildungsroman'', que retrata a passagem da infância à entrada na faculdade do personagem, acompanhando sua formação. Apesar de ser, em sua maioria, composto por um enredo linear, o livro já começa com um ''flash-foward'' e apresenta em certos capítulos, como o seis, o recurso de ''flashback''. As críticas sociais feitas ao longo do livro são certeiras e impactantes. A abordagem de temas polêmicos como estupro, violência doméstica e incesto, por exemplo, demonstram a maturidade do autor no meio literário por saber usar bem esse recurso de crítica sem que pareça forçado ou superficial. Particularmente, fiquei emocionada com esse enredo forte e me senti saudosa quando ele chegou ao fim.

O cenário foi brilhantemente pensado pelo autor para não travar o enredo. Uma técnica interessante para a criação desse cenário foi a utilização de um ambiente familiar para Henrique, a lanchonete. Isso facilitou a cumprir a função na trama, pois evita clichês e expõe bem os sentimentos dos personagens, além desse fato ajudar também a compor a sinestesia do local. 

O texto é desenvolvido em primeira pessoa, fazendo uso da estratégia do narrador personagem que nos aproxima da história e do protagonista. Entretanto, é possível notar momentos no decorrer da narrativa em que acontece a mudança de narrador: de personagem para o onisciente, em terceira pessoa. Por exemplo, no capítulo seis, em que conhecemos a triste história que assombrou a infância da mãe da família, o ocorrido foi narrado em terceira pessoa.

A linguagem é simples, o que facilita a compreensão e torna o livro prazeroso de ler. Henrique demonstra segurança e domínio técnico ao construir um texto ágil com capítulos curtos, trazendo dinamicidade. Com toques de ironia, um poder louvável de síntese e uma clara inovação na elaboração dos diálogos, o autor torna a leitura agradável à todos pela sua fluidez rápida.

A última coisa a ser analisada na obra são os personagens. Eu deixei essa categoria para o final, pois foi o que mais me chamou atenção no livro lido. A complexidade, a transparência e toda a construção dos personagens embasa o quadro social representado pelo autor. A descrição de todos os conflitos nas diversas relações, como a de trabalho, a de classe e a familiar, expressam os mais profundos pensamentos das gentes retratadas no texto. O fato de eles não possuírem nome denotaria a falta de importância na sociedade, coisificação do homem, utilização de substantivos comuns ao invés de próprios. Além disso, mostra a preferência do autor em trabalhar o psicológico dos personagens em detrimento ao físico.

A partir da observação das cinco categorias na obra, é possível dizer que ''O próximo da fila'' é um romance que entretém o leitor. Pela sua dinamicidade e características ágeis, o livro torna-se passível de ler em apenas um dia. É um bom texto que eu indicaria para mais pessoas. Por agora me vou, porque o atendente do caixa acabou de gritar ''próximo'' e tenho que fazer meu pedido. 

Por Lilac Sky.

O céu já foi azul, mas agora é cinza

O próximo da fila é um livro escrito por Henrique Rodrigues e publicado pela Editora Record em 2015. Nele é contada a história de um homem que entra em um portal para o seu passado em uma visita ao seu antigo emprego, sente a melancolia dos tempos difíceis e simples, agora a rotina já crescera como planta e engolira a metade do caminho. A história é contada em terceira pessoa, mas, talvez em uma tentativa de tomar as rédeas para si, o homem pega um pedaço de guardanapo e decide reviver o que aquele lugar já tinha significado há mais de vinte anos. Estamos indo de volta pra casa.

A partir do primeiro capítulo há um deslocamento temporal para a infância de um garoto que pertence a uma família com uma condição financeira confortável, porém sofre uma cobrança contínua do pai que deseja que ele adquira mais responsabilidade. Esse garoto nos conta sua história, esta que muda completamente com o falecimento de seu pai e a nova e dura realidade financeira da família, agora formada apenas por ele, seu irmão ainda bebê e seu mãe.

Apesar de contar com um começo, meio e fim narrados pelo personagem principal, pode-se dizer que se trata de uma narrativa não linear, visto que mesmo com certa linearidade da história do fim da infância até a adolescência do garoto, há alguns transportes temporais para outros momentos da narrativa, uns que levam de volta para o ponto de vista da versão amadurecida do jovem que escreve no guardanapo da lanchonete, como também uma passagem que tira a narração do menino e volta ao passado de uma das personagens mais complexas da trama.

Agora, sobre a violência e a injustiça que existe contra todas as meninas e mulheres, o leitor conhece a história da mãe do menino, muito antes de conhecer o pai do mesmo, ainda na infância, a menina -que viria a ser a mulher e ter de sustentar uma casa com dois filhos sozinha- enfrentou abusos de um pai alcoólatra que foi culpado pela morte de sua mãe. Esse episódio de sua vida foi encerrado com um ponto final colocado nos abusos, a morte do pai e a fuga, junto da irmã mais nova, da menina que passara a saber que nada é justo e pouco é certo e que a maldade anda sempre aqui por perto.

Volta-se à história do menino que enfrenta a nova realidade da família pós-falecimento do pai e com as interferências de suas duas tias, e especialmente uma delas que é dona de uma personalidade difícil. A irmã de seu pai sente-se no direito de dar uma série de opiniões na vida da família e insiste que o garoto consiga um emprego. Tais conselhos ditos de forma severa lembram a insistência do pai para o amadurecimento do adolescente. Ele consegue o emprego.

Uma grande rede de fast food contrata o jovem rapaz e a partir daí conhece-se o local que inspira o retorno ao passado pelo homem escrevendo em um guardanapo. É graças a lanchonete que a responsabilidade, os novos amigos, a iniciação sexual, o trabalho e o auxílio financeiro em casa transformam o menino em uma versão mais madura dele mesmo. E é a lanchonete que dá a ele uma marca eterna em forma de cicatriz.

Ademais, o leitor é apresentado a outros personagens importantes na trama, no entanto, apesar de personalidades singulares, nenhum possui nome, assim como o menino-garoto-homem do guardanapo. Conhece-se o cristão, que tem como filosofia de vida o amor, pois só ele conhece o que é verdade, o poeta, um espírito livre –e talvez desiludido de tanta realidade- da madrugada, e o negro, o espírito revolucionário que crítica o mundo e, principalmente, o Padrão.

As pessoas não têm nomes, suas alcunhas não ganham a primeira letra maiúscula, mas o Padrão, grande representante da multinacional, sempre ronda a vida dos empregados da empresa. O capitalismo cruel marca presença na narrativa junto das marcas político-sociais do país na época. A Era Collor é lembrada pela inflação diária e o esmagamento das classes sociais é uma das intragáveis verdades Padronizadas pelo dinheiro. Tudo é representado. O negro vai embora. Há algum lugar onde o mais forte não consegue escravizar quem não tem chance?

O grande cenário da trama faz o garoto em construção se apaixonar pela primeira vez, pois é ele que permite o encontro do funcionário da loja com uma cliente que ocasionaria um romance à lá Eduardo e Mônica. Os jovens se apaixonam, ela já esta na faculdade e tenta estimulá-lo a fazer o mesmo, os dois criam planos, porém sempre paira sobre o relacionamento a questão complicada da família da moça: só ela frequenta a casa dele e a mesma não demonstra interesse em apresentá-lo para sua família.

Em um dia revisitando o passado por álbuns de família a moça conhece o falecido pai do garoto, depois disso ela some. As poucas formas de contato com a namorada fazem o rapaz não conseguir encontrá-la e passado o desespero de alguns dias ela recebe a notícia, pelo padrasto da garota, que nunca vira antes, que ela sutou ao saber que o fruto da segunda família de seu pai era seu namorado, sumiu de casa. Pior nó na garganta o leitor tem quando descobre da gravidez, pior ainda do suicídio. E quem irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?

Bom, o garoto entra na faculdade graças aos estímulos e auxílio nos estudos da namorada. Namorada? A surpreendente narrativa ganha ainda outra chave de leitura, de um jeito bem Dom Casmurro -que coloca uma suposta traição no conto de suas lembranças e também afirma que possui a memória fraca- quando o garoto-homem com guardanapo que revisita suas lembranças nos diz que não só possui a tendência de inventar, mas também a de misturar o que realmente aconteceu com o criado.

Assim como na obra de Machado de Assis o leitor termina o livro com o gosto da dúvida, é difícil acreditar nas memórias de alguém inventivo, mas mais difícil ainda não acreditar. Possivelmente a questão memorial é o que torna o narrador e a narrativa um pouco mais complexos, a linguagem simples do livro aborda com maestria os temas sociais mais difíceis e ainda um dos temas mais polêmicos da literatura. O incesto fica em ar de dúvida, porém a certeza proporcionada ao leitor é que a necessária questão inicial do livro foi alcançada pelo garoto: ele amadureceu. E não que isso seja bom, talvez esse processo tenha gerado um passado difícil de revisitar.

Por Rodrigo M. S.

Uma ode aos filhos que vivem ao jugo do trabalho.

O Próximo da Fila é um romance de Henrique Rodrigues, sobre um jovem adolescente que, após perder o pai, se vê obrigado a ajudar a sustentar a família, e procurar uma solução arrumando um emprego numa grande rede de fast-food. Num universo onde indivíduos são identificados simplesmente pela função que lhes é atribuída naquela história, e os sinais mais intensos de personalidade são normalmente anulados por indivíduos com mais influência – pois a personalidade não é positiva aos negócios - o jovem se depara com um caminho árduo e confuso pela frente.

Durante a maior parte do tempo, o romance é linear, narrado em primeira pessoa através do ponto de vista do protagonista da trama, com exceção de alguns trechos muito específicos que são narrados em terceira pessoa de forma onisciente. 

Um deles, que é um ponto bastante interessante do livro, sendo apresentado ao leitor antes mesmo da trama principal “começar”, é uma pequena história que lembra uma crônica – por sinal, é quase impossível não imaginar como o romance funciona de forma tão semelhante a uma crônica, seja por ter um texto leve ou por abordar o dia-a-dia tão bem – narrada em terceira pessoa, sobre um personagem supostamente anônimo e que não apresenta ligação direta com a narrativa principal, mas que ocupa um papel de observador.

Ao que parece, esse homem, que exprime em suas ações certa dor e sinais de arrependimento, estaria a observar o que imaginamos ser o protagonista da obra. Ele demonstra amargura e indiferença com relação a vida que leva, e durante um momento chega a imaginar como seria trocar de lugar com o jovem funcionário que narra a história principal. 

Ao final do trecho, o homem desabafa ao escrever num guardanapo sobre suas angústias e sobre como enxerga a vida e a sua própria condição como efêmeras e insignificantes, finalizado essa espécie de prefácio que não poderia ser mais visceral em prever a história que estava por vir.

O livro faz do universo cotidiano - que acaba sendo ignorado muitas vezes por nós - algo pulsante e intensamente real. Assim como Charles Bukowski transformava o meio sujo e agressivo em que vivia em seu próprio paraíso, Henrique transforma o tédio e a repetitividade cotidiana em literatura profunda e emocionalmente rica. 

Acredito que um dos principais pontos do livro seja mostrar como há complexidade na vida daqueles que são figuras presentes no nosso dia-a-dia, e que quase sempre são vistos como coadjuvantes. É importante que o livro exerça a função de nós oferecer uma nova perspectiva desse lado, mostrando como essas pessoas que são vistas por boa parte da sociedade como meros serventes, também tem seus círculos sociais, saem, se divertem, passam por conflitos internos, distúrbios mentais, são humanos, basicamente.  

Ao final de cada “unidade” (os quatro grupos de capítulo que dividem o livro), tem-se mais alguma parte do descarrego existencial do homem que inicia o livro, sendo presente em todos esses trechos um tom muito emocional e raivoso, ao tratar da problemática transição para o mundo adulto, das desilusões e da perda de fé no suposto livre arbítrio, que é muito bem definido por Henrique em um dos trechos como “câncer de si mesmo”. 

Henrique não demonstra necessariamente prazer na voz de seu personagem, mas também não demonstra desgosto por aquele universo. A forma como ele desenvolve o progresso de adaptação do eu lírico a rotina de trabalho serve para mostrar como esse acaba por absorver o indivíduo, tornando-o parte quase orgânica daquela grande máquina. Acaba por nascer uma relação de hospede/hospedeiro, algo que não é benéfico nem conflituoso, mas simplesmente existe. Como com o tédio cotidiano, percebe-se que o personagem acaba sendo engolido por aquilo aos poucos, passivamente. 

Ao final do livro, quando tudo consome para um final melancólico e trágico, o decorrer dos fatos é narrado com um certo ar de indiferença, como se o protagonista não conseguisse crer ou dimensionar exatamente o peso daquele final, e para mim, isso só demonstra como aquele ambiente de pragmatismo puro e aniquilação dos maiores traços de personalidade acabou deixando algumas sequelas no comportamento do protagonista. É quase como se o homem que marca o final de cada divisão do livro e o protagonista estivessem cada vez mais próximos. 

Antes de tudo, O Próximo da Fila é um grande presente para a literatura brasileira contemporânea, e uma grande lição para muitas pessoas que ainda desconfiam da capacidade do universo que os cerca de impressionar até mesmo nos meios mais inesperados. É uma fuga da literatura que sustenta a autopromoção de subcelebridades e a existência das práticas covardes dos ghost-writers. É uma luz, um choque de otimismo, ironicamente, vindo de forma melancólica e assustadoramente real. Só nos resta agradecer e ter esperança em nossos novos escritores. 

Por velvet67underground.

O que há atrás do balcão?

Ler um livro é entrar em um outro universo, que antes era desconhecido. Um livro pode nos transformar e fazer entender diferentes realidades. Não é por acaso que há uma preocupação na educação escolar que o aluno tenha uma bagagem mínima de leitura, porque uma simples história abre nossos olhos para questões que não pareciam relevantes, assim nos tornando pessoas mais empáticas e compreensivas. E é essa sensação que o livro de Henrique Rodrigues, “O Próximo da Fila”, deixa em seus leitores. 

A obra descreve a vida de um atendente de uma lanchonete durante o governo do ex-presidente Fernando Affonso Collor de Mello. A família do personagem principal se vê em uma situação financeira difícil quando o pai morre e, por causa das políticas governamentais instaladas na época, logo o garoto se vê forçado a amadurecer, mudar completamente a vida a qual estava acostumado e ter que trabalhar. A história se relaciona com a realidade de muitos cidadãos durante o período em que Collor esteve na presidência, dessa forma agregando um caráter realista para o enredo. Para além da proximidade com todo leitor que vivenciou os anos de 1990 até 1992, a escrita jovial, repleta de gírias, faz com que os mais jovens possam apreciar a obra tanto quanto. No entanto, o diferencial está em descrever a história nunca contada: o que acontece por detrás do balcão nas redes de fast food?Quem são aquelas pessoas?

Henrique Rodrigues utiliza uma caracterização psicológica muito forte em detrimento da descrição física dos personagens, deixando até mesmo de mencionar nomes. Todos os personagens descritos no livro possuem apenas apelidos e sempre escritos com letra minúscula, como, por exemplo, o negro ou a menina dos óculos vermelhos e cabelos cacheados. Esta técnica poderia causar um desconforto durante a leitura, no entanto a descrição psicológica ocorre de maneira tão expressiva que os estereótipos são eliminados e é possível perceber a complexidade de cada personagem descrita no livro. Além disso, traz consigo uma metáfora sutil de como uma rede de fast food elimina a individualidade de cada ser até transformá-lo em apenas mais uma parte de um processo produtivo, logo nos faz entender um pouco mais como esta profissão funciona. 

Durante a leitura é possível perceber a diferença de vozes entre o narrador e o personagem. Apesar de escrita em primeira pessoa do singular, o narrador e o personagem principal se diferenciam através de trechos em que as reflexões do narrador são expostas ao fim de cada parte, uma vez que a obra foi dividida em quatro partes. Essa característica pode trazer um estranhamento para o leitor e até mesmo certa confusão, porém é esclarecido ao final do livro, quando fica evidente que o narrador está apenas contando uma estória. 

Outro importante aspecto é a narrativa linear, com apenas um flash-foward quando é narrado a história da vida da mãe do personagem principal. Todo esse conjunto constrói uma obra que poderia fazer o leitor virar uma madrugada apenas para poder termina-lo. No entanto, o desfecho do livro deixa a desejar, sem deixar aquele gostinho de “quero mais” que todo bom leitor gosta. Isto ocorre por causa da utilização de um clichê sobre suicídio. O fato não é bem trabalhado psicologicamente, de forma antagônica ao resto de toda a obra, fazendo um assunto relevante para a história ficar superficial. Apesar desse desfecho um pouco decepcionante, o autor consegue se recuperar quando nos surpreende com o fato de que foi apenas mais uma situação criada pela imaginação de um escritor. 

O livro de Henrique Rodrigues é de extrema qualidade, sua linguagem fluida e sua descrição precisa o torna excelente para que possamos entender uma realidade pouco trabalhada: a do trabalhador de uma rede de fast food. Portanto, cumpre seu papel na literatura brasileira de instigar os leitores a abrir suas mentes para novos universos. 

Por Jaci Roman.

Imponderável amanhã

O livro “O próximo da fila”, de Henrique Rodrigues, é um romance de formação em que um jovem perde o pai, o que deixa sua família desamparada. Com o apoio de duas tias, ele e sua mãe se mudam para uma casa menor em um bairro mais acessível à sua nova realidade. Tornando-se o novo provedor da família, além dos estudos, o jovem passa a ocupar-se, também, de um trabalho numa rede de restaurantes fast-food para que possa pagar as contas e pôr comida na mesa.

O enredo é linear, ou seja, começo, meio e fim bem definidos. Apesar disso, em algumas partes da obra, o autor apresenta fragmentos, escritos em guardanapos, em que o próprio, no presente, parece comunicar-se com a história, trazendo reflexões sobre sua vida – e a vida do jovem. O início do livro também foge da cronologia: há um narrador onisciente que fala sobre um homem prestes a fazer um pedido em uma lanchonete. Tal homem é o homem que o jovem se tornou e possivelmente, de novo, o próprio autor. O capítulo sobre a mãe do garoto (sexto capítulo da primeira parte) também tem um diferencial: é uma ficção dentro da ficção, pois a história é narrada pelo próprio personagem, de forma intensa e emocional. Quanto à voz narrativa como um todo, o autor recorre ao ponto de vista do próprio jovem, ou seja, o narrador faz parte da historia.

Uma questão interessante no livro é que nenhum personagem tem nome. “Meu irmão”, “gerente de bigode”, “a baixinha”, “o negro”. Cada um deles tem suas complexidades e, segundo o Henrique, eles não têm nomes pois o importante é o papel que desempenham. E, de fato, todos são necessários para a construção do enredo e de toda a trajetória de vida do jovem, uma vez que cada um deles o impactou de forma diferente. Por outro lado, “o negro é rapidamente substituído por outro negro, por outro cristão, por outro poeta, por outro mudo ou por qualquer outro indivíduo cujo nome se escreva com inicial minúscula.” (RODRIGUES, 2015, p. 135) Esse trecho da obra ilustra como, na realidade, todo mundo é descartável – especialmente em uma sociedade capitalista e em um restaurante em que seguir o Padrão é o mais importante –, tão descartável que não há necessidade de um nome, formando, assim, uma grande contradição em relação às nossas vidas pessoais.

O cenário principal é a lanchonete em que o jovem trabalha, já que passa a maior parte de seus dias lá – tardes e noites. Henrique Rodrigues afirmou que escolheu o local (e também a história) por ser mais fácil de escrever, uma vez que ele mesmo já conhecia o ambiente, já havia certa experiência e, assim, teria mais facilidade em descrevê-lo. Outro cenário recorrente é a casa do menino, onde mora com sua mãe e irmão mais novo. Após a morte do pai, a família se mudou para uma casa de fundos, menor que a anterior. A incerteza de estabilidade reflete a realidade daquela época (era Collor), e a insegurança do garoto ao precisar estudar em um colégio público mostra o preconceito e a sensação de superioridade que construímos desde a infância. Inclusive, o autor opta pela utilização de elementos sutis de marcação temporal, como a música, literatura, economia e política, sem dizer literalmente quando se passa a história. Na verdade, o ano é citado apenas uma vez no livro inteiro, já perto do final.

A escrita do livro, por sua vez, é simples, direta, de fácil entendimento. Isso não significa, porém, superficialidade: a linguagem simples é trabalhosa, profunda, é uma tradução da complexidade. Uma escrita mais rebuscada, por outro lado, é uma estratégia de poder, representa hierarquia, é apenas discurso e, afinal, torna-se mais fácil de criar.

No final do livro, acontece uma grande reviravolta: o garoto acaba descobrindo que a sua namorada (a garota dos cabelos encaracolados) é, na verdade, sua meia-irmã. “Minha mãe sempre deu respostas evasivas todas as vezes que eu perguntava sobre como ela e meu pai haviam se conhecido (...). O mais perto disso foi quando comentou que o conheceu trabalhando” (RODRIGUES, 2015, p.161) Isso porque, após matar seu pai, a mãe e sua irmã foram levadas para um orfanato e foram adotadas. Mais tarde, elas tornaram-se incômodo na família, só davam despesa, e por isso a mãe do jovem, a irmã mais velha, começou a trabalhar na casa dos outros. Foi, mais uma vez, abusada por um homem, dessa vez pelo filho da patroa, e dessa violência nasceu o jovem. Os três se tornaram, então, uma família. O que o jovem não sabia – e nem sua namorada – era que seu pai já tinha uma filha com outra mulher, mulher essa que pegou sua filha e sumiu. Tudo isso, no livro, é explicado de forma muito rápida, em poucas páginas, o que dá um efeito impactante e surpreendente. O autor finaliza, ainda, revelando que a namorada/ irmã do jovem estava grávida dele e que se suicidou por causa disso, deixando a trama mais intensa. “O próximo da fila” é um livro que quebra todas as expectativas iniciais e construídas ao longo da obra, confirmando que a vida é sempre imprevisível, sempre uma grande surpresa.

Por Floco de Neve.

Entrando em um novo universo feat. Henrique Rodrigues

Quando se entra em um novo universo, você fica assustado, não pelo medo, mas sim, por ser diferente do que é acostumado. Quando se troca de escola, de casa, de um país e até mesmo, ao entrar na faculdade. Assim que ingressei na graduação, fiquei apreensivo, me deparei com pessoas novas, mais responsabilidades, tudo era uma novidade. Logo de cara, recebi minha primeira missão, teria que fazer uma resenha de um livro. Logo eu, que nunca fui um dos mais cultos, resolvi adotar o "Próximo da Fila" como meu melhor amigo nesse novo universo que eu estava entrando.
  
A rotina era sempre a mesma, de casa para o trabalho e do trabalho para a faculdade, íamos nós, eu e o meu novo melhor amigo trocando ideias. Encantei-me nas primeiras páginas, como uma criança que ganha um brinquedo pela primeira vez. A cada folha que eu desfolhava, me via no lugar Henrique. Até porque, quem nunca se identificou com um livro? Quem diria, eu entrando em um novo universo e o autor entrando no dele, após a perda de seu pai.
  
Minha empatia entrou logo em ação, não deve ser fácil perder um parente, principalmente um pai. Ficava no ônibus me perguntando: "O que será da vida dessa família?", já que, perderam o principal alicerce até o momento. Começava ali, a entrar em seu novo universo. A mudança de casa, a mãe se sacrificando e trabalhando para o sustento dos dois, a tia número 1 atormentando e a 2 acalmando, um turbilhão de coisas para um simples moleque que não sabia ser um simples "marrequinho". Antes de entrar pra faculdade, também fui procurar um emprego, e pude entender o quão difícil é, principalmente quando se perde alguém. Mas, é muito mais complicado quando essa é a sua única escolha para ajudar a sua família. E lá vai aquele moleque, sem saber fazer nada, arrumar um emprego no Mc Donald's. Admito ter ficado feliz com essa nova conquista do meu amigo, a cada passo conquistado, a minha torcida aumentava.
  
Aliás, minha história é diferente, mas eu me identifiquei. Enquanto estou no trabalho, acompanho o dia do trabalho do autor. Que por sinal, teve uma hora que atendemos as pessoas no mesmo momento. Fico bem atento a cada história, por ser um narrador onisciente, me retratava mais o cotidiano, fazendo com que eu me imaginasse e vivesse dentro do romance.
  
Nesse momento, estou atrás de um balcão atendendo algumas pessoas e foi justamente atendendo que, o Henrique conheceu a sua amada. Aliás, desculpa o "spoiler", era irmã. Uma loucura imagina você se apaixonar, namorar e engravidar a sua própria irmã. Esse enredo me fez pensar, tentei até explicar fazendo um flash back igual ele fez no livro, mas ainda estou aprendendo a escrever e tem muita gente pra eu atender, mesmo o patrão não sendo igual o gerente de bigode, preciso mostrar trabalho para continuar no caixa. Até porque, o “BK” ta demitindo muita gente. 
  
Muitas pessoas chegam pedindo algo para mim, algumas com tristeza no rosto - talvez deva ser a fome - ou possa ser alguma perda também. E fico querendo passar pra todas elas o legado que o Henrique deixou para mim com seu livro;  Por mais que tudo pareça desmoronar, devemos seguir em frente. A vida é cheia de desafios e você é mais forte do que pensa. Um dia você queima a mão e no outro, sobe para o cargo mais alto. Não importa os obstáculos, passe por cima deles.
  
Obrigado, Henrique. Obrigado por me ajudar a entrar nesse novo universo, em especial, no universo da leitura. Aliás, despertou um desejo incrível de ser um escritor, quem sabe um dia eu escreva um livro e na fila do autógrafo, você seja o próximo da fila...

Por Lispector de Assis.

O saco de batatas atônito

Ler um romance é como construir um castelo. O próximo da fila não é diferente. De uma terra sem nada, tijolo por tijolo, a trama se ergue, ganha peso, ganha complexidade, nos desperta sentimentos. Ternura, cumplicidade, angústia, raiva, ódio. É impossível permanecer indiferente.

Dos meus dois pontos favoritos do livro, o primeiro compete às relações interpessoais estabelecidas entre os personagens. A descoberta de um novo mundo. A troca de experiências, aprender a lidar, com o próximo, saber a maneira certa de agir, conviver com acertos e erros. A relação entre mãe e filho, colegas de trabalho e até o amor. Todos os tipos de relações são expostas. Entre pessoas diferentes que se tornam comuns entre si. Conforme o castelo se ergue, essas diferenças vão embora.

O outro ponto que eu gostei demais foi o amadurecimento do protagonista ao longo do enredo. Quando jovem imaturo e ingênuo sofre um baque com a morte do seu pai - com quem possuía diferenças, ele se vê numa situação onde suas tias jogam uma enorme responsabilidade pra cima dele, que prefere se omitir. Se omitir talvez por não querer sair da zona de conforto. Ou até além disso; se omitir por não considerar que essa responsabilidade não caiba a ele, afinal ele tinha apenas 15 anos. Tudo muda depois do emprego na lanchonete. As relações citadas anteriormente contribuíram para um amadurecimento que o fez ser capaz de ficar calado ao ouvir os sermões do seu chefe, diferente de suas atitudes anteriores, como mostrar uma nota de 50 cruzados para sua tia em tom de ironia também após ouvir um sermão, que apesar de motivos diferentes, com certeza causavam o mesmo desconforto. Mas também evoluiu ao ponto de se impôr em outros momentos, como articular uma paralisação entre os funcionários em forma de protesto, ou também em defender seu amigo homossexual. Difícil imaginar aquele menino de 15 anos - apesar dos 15 anos - com essa fibra e esse jogo de cintura.

A ambientação noventista dá um charme especial à experiência de leitura, mas além disso, também influi diretamente na trama, como no episódio do congelamento dos preços, que incide num descontentamento geral dos funcionários da lanchonete. Ou seja, mais do que uma simples chuva de referências, o autor se aproveita disso para desenrolar a história.

A Linguagem despojada é convidativa aos mais variados perfis de leitores. O mundo se constrói por meio de uma simplicidade não simplória totalmente cativante. Cativante, pois apesar de não ser difícil entender, o autor a todo momento brinca com leitor. Como um jogador driblando um adversário. Ou uma família correndo atrás do cachorro que fugiu. Vai pra lá e pra cá, no fim nos deixa como um saco de batatas. Mas batatas atônitas.

E o fato do livro ser escrito pelo ponto de vista do narrador se faz valer, como no momento em que o protagonista começa a imaginar "o que a tal 'garota de óculos' estava pensando dele?" ou "porque ela só aparecia em determinadas ocasiões" e começa a criar teorias em cima disso.

É tocante ver o enredo se construindo perante nossos olhos. A cada capítulo, a vida se constrói, o mundo acontece, se modifica, as pessoas se moldam, se adaptam, o leitor além de identificar-se, também aprende. E a forma que o autor utiliza para nos contar essa história é uma delícia. Flashbacks (ou flashfoward, dependendo do ponto de vista) que nos parecem aleatórios, colocações que só vão criar algum sentido no decorrer da leitura. Como um quebra cabeça, ou uma frase escrita ao contrário.

Sem dúvida, os meus pontos favoritos do livro foram as relações que o personagem principal constrói ao longo da narrativa, e sua evolução como pessoa, que de certa forma passa também a partir que ele faz o contato com todos seus novos colegas. Na última parte do livro, o castelo já estava finalizado. Por esse motivo, a reviravolta final, apesar de decidir o destino de uma personagem, e alterar o passado conhecido de outro, acabou se tornando menos relevante do que tudo aquilo que eu já lia anteriormente.

O próximo da fila nos faz construir e desconstruir. Faz nos identificarmos. E ao mesmo tempo de nos mostrar a realidade, ele subverte a lógica. Inverte e joga na nossa cara. Em forma de livro. Em forma de obra.

Por Almirante João Cândido.

Muito além de um lanche feliz

Admito: depois de algumas páginas, é difícil manter a imparcialidade e cumprir, com destreza, a tarefa de analisar “O próximo da fila”, obra de Henrique Rodrigues lançada em 2015 pela editora Record. Digo isso não por demagogia, mas por reconhecimento. Afinal, o autor definitivamente consegue, aos poucos, transformar a indiferença em fascínio e os bastidores dos fast foods em universos complexos e instigantes.

O livro é contado a partir das vivências do personagem principal, um garoto de classe média que, após perder o pai e ter sua confortável rotina abalada, precisa se readequar ao novo contexto de sua família. Para auxiliar nas finanças, o jovem, até então acomodado, encontra um emprego com “boné vermelho” e “roupas listradas”, que remetem – mas não se reduzem – a certa rede transnacional. Aliás, esse é um dos destaques da obra: nada e ninguém recebe rótulos. São experiências, sentimentos, contextos e ambientes maiores que o próprio livro e que ampliam sobremaneira as possibilidades do viajante-leitor. 

Voltemos. Ao longo de quase duzentas páginas, é possível identificar, no mínimo, três vozes narrativas: a do personagem principal ainda jovem, a do mesmo personagem mais maduro e a de um narrador onisciente não identificado. Enquanto as duas primeiras, em primeira pessoa, são diferenciadas pela forma narrativa – uma integrada ao próprio romance e a outra no formato de uma carta, destacada em itálico –, a terceira é um pouco mais discreta e se apresenta em apenas um momento da obra, onde são revelados acontecimentos passados da mãe do protagonista. Este momento, que se desdobra no capítulo 6 da parte 1, trata-se de um flash forward em terceira pessoa e nos faz pensar sobre o modo como esse distanciamento escolhido pelo autor potencializa ainda mais esse que certamente é um dos trechos mais profundos e dolorosos do livro.

Também nesse trecho do livro, a descrição dos cenários, em uma linguagem simples e acessível, ajuda a construir de forma clara o fato ocorrido. A ausência de energia elétrica, os móveis da casa e a água que esquenta no fogão conferem à cena ainda mais dramaticidade. Essa estratégia torna a ser visível quando o personagem queima suas mãos na chapa ou quando tem sua primeira relação com uma colega do trabalho.

Também compõem a vida do protagonista os personagens que o cercam. Chega a ser um desafio referenciá-los, já que nenhum deles, conforme já apontado, possui nome. A falta de identificação – ou seria de identidade? – atua em favor de Rodrigues. Afinal, o foco não são as pessoas, e sim os tipos: o negro, o cristão, o poeta... O auge desse anonimato se dá no momento em que o protagonista perde as digitais de suas mãos. Aí, apaga-se a sua personalidade. Resta apenas o carimbo do sistema que o envolve e que gere as engrenagens: o M. Padrão.

Escrito de forma linear, com algumas passagens de tempo demarcadas por capítulos e partes, o livro não deixa de conversar com seu leitor. Nos textos dos guardanapos, por exemplo, a estratégia da metalinguagem atua como um excelente operador de intimidade. As inquietudes do autor são trazidas à tona e a função fática nos faz entender o livro não como um produto acabado, mas como um processo, que, ao fim, descobrimos que permanece em curso. “O bolo de guardanapos vai crescendo aqui. Renderiam algum livro? Uma narrativa que interessaria a alguém?” (p. 155). 

Depois de consumir freneticamente cada palavra desse enorme guardanapo de autor anônimo e vida publicizada, honestamente, esperava outro final. Ou, ao menos, um desfecho melhor desenvolvido. A sensação é de que as últimas páginas foram escritas com uma pressa que não existiu nos capítulos anteriores, em que era perceptível uma preocupação em envolver o leitor na realidade do personagem. Isso, no entanto, de forma alguma tira o mérito da obra nem diminui o sucesso de sua proposta. Até porque nem sempre no fim da fila da vida há felicidade. 

Por Peripatético Peri