terça-feira, 22 de maio de 2018

Batatas fritas com ketchup

A história se passa entre o final dos anos 80 e o início dos anos 90. E, apesar da recessão, da inflação, do impeachment, e de todos os outros problemas vividos pelo Brasil naquela época, e que, na verdade, estão presentes até hoje (sem querer problematizar, mas já problematizando), o protagonista tinha uma vida confortável. Ele estudava em colégio particular e suas únicas preocupações eram com seus estudos. Contudo, como nem tudo na vida são flores (se me permitem utilizar esse clichê), seu pai falece, o que deixa sua família em péssimas condições financeiras. Diante desse perrengue, o protagonista passa a ter a obrigação, sendo homem (machismo levemente pregado por uma das tias do protagonista) e filho mais velho, de ajudar a prover sustento para sua mãe e seu irmão. Além disso, precisa estudar e crescer sem pai. Dor, obviamente, inenarrável. Nesse momento, talvez você esteja se perguntando por que eu não falei o nome do protagonista. Bem, a explicação é simples: o autor não diz. Ele não fala o nome do personagem principal. Aliás, ele não fala o nome de nenhum dos personagens. “E onde se passa a história?” Bem, esse é um questionamento válido também. O estado ou a cidade em que se passa não sabemos, mas o importante é que a narrativa nasce dentro de um fast food. “Mas qual fast food?” Não estou sendo paga para fazer propaganda, então apenas direi que é “aquela rede de fast food famosa, dos arcos dourados”.

A verdade é que Henrique Rodrigues não se preocupou nem um pouco em mostrar detalhes apáticos. Ele se preocupa muito mais em trazer uma representatividade necessária na literatura brasileira, apresentando o perfil do povo no personagem central: pardo, pobre, filho de uma empregada doméstica e que, em nenhum momento, demonstra um comportamento de vitimização. Muito pelo contrário. Inclusive, ele é fortemente questionado, por lutar por uma vida além das caixas de “carne 100% bovina”, sem, claro, menosprezar esse emprego. Ademais, são observadas diversas críticas quanto ao sistema de mecanização do ser humano nesse local, onde o lema é sempre estar em busca do padrão de qualidade. O autor, ao mostrar como foi para aquele menino de classe média passar a viver em um mundo que, até outro dia, lhe era distante ou, até mesmo, inexistente, trouxe um viés mais maduro para o romance de formação.

A história, apesar de forte, carrega uma leitura leve. Os capítulos são curtos. Acredito que até caberia nos guardanapos desse fast food. Não posso explorar tantas coisas, pois não quero estragar a experiência de leitura de vocês, mas posso afirmar que irão, facilmente, se identificar e se emocionar bastante ao longo do livro. E, principalmente, irão se impressionar com o final. O desfecho do livro nos deixa totalmente em êxtase. É quase impossível ler apenas uma vez o fim. É bem provável que você leia e releia… até, finalmente, acreditar na jogada extraordinária que o autor fez. E é nesse instante que você percebe que a leitura já acabou. Pensa no quanto passou rápido. Fecha o livro com a capa de batatas fritas e ketchup. Percebe que está com fome. E, finalmente, se dá conta de que você é o próximo da fila.

Por Andrea Melo.

2 comentários:

  1. Já vi que você é do time dos que gostaram do final hihihihi

    Gostei muito da linguagem que você usou, sem rebuscamento e com uma leve semelhança com a oralidade. Não sei porque, mas também gostei muito dos parênteses do início do texto, principalmente o "sem querer problematizar, mas já problematizando". Eu sorri quando li ahahah parecia mesmo que você queria um diálogo com o leitor. Muito bom!

    Também vi que você evitou dar spoiler e isso talvez tenha deixado a resenha um pouquinho mais superficial.

    Inté!

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  2. Uma resenha bem escrita e divertida de ler. Abordou de maneira leve os aspectos do texto, mas gostei bastante!

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